O suicídio como consequência de uma sociedade imediatista

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A contemporaneidade está marcada pelo imediatismo e fluidez em sua organização (BAUMAN, 2001). O ser humano não pode parar, não pode adoecer, não pode deixar de produzir e mais que isso, precisa produzir com rapidez, muitas vezes deixando de respeitar o próprio corpo, indo para além do seu limite. O sistema vigente influencia significativamente para essa produção alienante e adoecedora, porque quanto mais se trabalha, mais aquisições o indivíduo conseguirá ter: celular, carro, televisão, imóveis, roupas de marca e afins.

Ao dispor tempo e energia numa sociedade que valoriza o “ter” mais que o “ser”, o sujeito se vê isolado numa trajetória em que os relacionamentos são cada vez mais descartáveis e menos duradouros. A solidão assombra o território social, trazendo consigo um vento sorrateiro de suicídios cada vez mais intensos, que segundo Durkheim (1958-1917) seria a expressão individual de um fenômeno coletivo, sustentado por um conjunto de fatores sociais.

Numa sociedade que exalta obsessivamente um determinado padrão (jovem, belo, alegre, saudável e forte), o aparecimento das rugas e cabelos brancos pode abalar a autoestima” (TRIGUEIRO 2015, p. 79). Esse fenômeno conhecido como idadismo que é a desvalorização do velho em nossas sociedades atuais, como explica a doutora em sociologia Giselda Castro (apud TRIGUEIRO 2015), contribui para o isolamento e desvalorização do indivíduo à medida que este vai ficando idoso.

A solidão é dolorosa”, este termo, utilizado por Dean Ornish (1999) em seu livro Amor & Sobrevivência: a base científica para o poder curativo da intimidade levanta hipótese sobre se o amor teria poderes curativos e revitalizadores a ponto de empoderar o sujeito a rejeitar pensamentos suicidas. Segundo o mesmo autor, o amor, este  apoio social, os sentimentos que perpassam nas relações, a intimidade, os cuidados de uns para com os outros, influenciam significativamente a saúde e a felicidade do sujeito. “É menor o risco de adoecer e, se adoecer, é maior a chance de sobreviver.” (p.32).

FLUIDEZ

A sociedade contemporânea está fundamentada na cultura do imediato, cujas relações sociais são voláteis, marcadas por mudanças efêmeras em que nada é feito para durar. Dessa forma, a pós-modernidade concebe cada vez mais sujeitos fragmentados, imersos na  própria busca de um prazer supremo e individual, em  que pouco se percebe a figura do outro.

É a fluidez que permeiam os relacionamentos onde cada um assume a forma conforme o contexto inserido, sem a rigidez de regras de conduta ou de relacionamento. É característica marcante da sociedade contemporânea. É a era da digitalização da tecnologia em que é possível aproximar quem está longe, mas que distancia quem está perto. Bauman (2001) cunhou o nome desse conjunto de características sociais de modernidade líquida em que a dimensão do tempo é fragmentada e o resultado é, que não há tempo para estreitar os relacionamentos. Estes por sua vez, perderam a qualidade e a solidez, pois, a impressão de sempre estar à espera de algo melhor faz com que se abra mão dos relacionamentos, quase que na mesma velocidade dos produtos descartáveis e industrializados tão presente na vida atual.

Dificilmente se conserta algo, é muito mais vantajoso adquirir um mais novo e mais moderno. À medida que algo vai sendo superado por um modelo mais avançado, vai sendo encostado e isolado. Deixado para trás. O apego passa a ser pelas “coisas” enquanto que as pessoas são valorizadas conforme suas posses e posições sociais. O afeto é mecânico. A solidão se instaura.

Fonte: https://goo.gl/zbZuzc

Nesse cenário observa-se um indivíduo disposto a aderir às obrigações que lhes são impostas, sujeitando-se ao desgaste físico e psicológico para fazer parte da sociedade atual, com qualidade mínima ou nenhuma de sua saúde mental. Mesmo havendo novas formas, tipos e situações de trabalho, muitas delas são pautadas em modelos antigos de serviço, sem a valorização e conscientização adequada para este empregado. Dessa forma “os novos problemas de saúde do trabalhador devem-se a velhas razões”. (GIBERT, CURY, 2009 apud SATO, 2002)

Essa falta de percepção torna-se um mecanismo de manutenção dos sentimentos de desamparo e isolamento. Visto que, o sujeito por não ser notado pelos demais perde a crença de que é amado, compreendido e respeitado. Aos poucos, ele tende a perder o sentido de pertencimento, de fazer parte de uma comunidade. Sem esta noção de apoio social, o sentimento de solidão aumenta as chances de suicídio.

De acordo com o sociólogo Émile Durkheim (2000, p.14), o suicídio é “todo o caso de morte que resulta, direta ou indiretamente, de um ato, positivo ou negativo, executado pela própria vítima, e que ela sabia que deveria produzir esse resultado”. Nessa perspectiva, deve-se levar em consideração tanto questões sociais quanto psicológicas (próprias da subjetividade de cada um) porque segundo Camon (1997) a sociedade influencia significativamente os pensamentos intentos suicidas, já que engloba as relações interpessoais, mercado de trabalho, competitividade, visto que mesmo sendo um ato individual, “com sua morte o suicida não nos diz somente que já não suportava mais. Também fala de nós (sociedade). Demonstra, por um lado, que não pode continuar nos tolerando.” 

Esse sujeito adoecido, fragilizado e não valorizado tende a apresentar a saúde mental vulnerável, assim sendo, muitas doenças físicas e psíquicas tornam-se mais propensas a emergir nesse ínterim. Os trabalhadores não conseguem mais ter forças e condições para trabalharem com qualidade e precisam se isolar dessa rotina alienante e desgastante. Consequentemente, quando não há busca por ajuda, transtornos como Distúrbio Depressivo Maior, Psicose Maníaco-Depressiva, acabam sendo fatores de riscos notáveis para o comportamento de ideação suicida. (OMS, 2006) “A depressão, ou o “mal do século”, atinge mais de 350 milhões de pessoas em todo o mundo” (TRIGUEIRO, 2015), levando algumas vezes as ideações ou intentos suicidas, e em outras vezes, a concretização fatídica do ato.

Sendo assim, o suicídio passa a ser a saída que muitos encontram para “resolverem” seus problemas, acabarem com seus sofrimentos. O suicídio surge então como uma ruptura social, ou seja, “no suicídio mesmo sendo um ato individual, há a presença da sociedade a que pertence” (DURKHEIM, 2000 apud CARDIM, s/d). Ao apresentar três grupos de potenciais suicidas, Durkheim coloca o suicida egoísta, caracterizado pelo isolamento, solidão, sem laços sólidos social; o suicida altruísta, aquele que é extremamente ligado à sociedade e o suicida anômico que diz respeito àqueles que não sabem aceitar os limites morais que a sociedade impõe e tem dificuldade de cumprir normas. Perante essas categorias de pessoas fica registrado que desde o século XIX, época em que viveu Durkheim, que a solidão, a falta de amigos, família ou demais laços sociais pode ser o gatilho do próprio fim.

Fonte: https://goo.gl/K3AcZH

Nesse sentido, relacionamentos íntimos duradouros pautados no amor, ou seja, apoio social, como diz Dean Ornish (1998) pode apresentar o poder curativo de muitos males, dentre eles, a vontade de morrer. Ele explica:

A percepção consciente é o primeiro passo da cura, tanto para indivíduos como para a sociedade. Às vezes o cérebro precisa ser satisfeito antes de o coração começar a abrir. Para muitos pesquisadores, “o amor” pode ser uma palavra sem importância e “um coração aberto” é o que acontece durante uma cirurgia de ponte de safena. Em vez disso, o cientistas usam outros termos como apoio social, intimidade, hostilidade, depressão, raiva, cinismo e assim por diante (…). Acredito que esses termos e perspectivas diferentes partilham de um sentimento partilham uma raiz comum: amor (…) Quando nos sentimos amados, bem cuidados, apoiados e íntimos, temos maior probabilidade de ser feliz e de ter saúde.É menor o risco de adoecer e, se adoecer, é maior a chance de sobreviver. (p. 38)

O isolamento social é portanto uma das consequências dessa rede social extremamente delicada e frágil. O indivíduo se sente só, sem sistemas de apoios para ajudá-lo, por conseguinte, apresenta níveis de informações prejudiciais para lidar com o seu sofrimento. Isso tudo fomenta ainda mais tal isolamento. “O isolamento social gera stress, que, por sua vez, traz comorbidades (como por exemplo a depressão, já citada anteriormente) que agravam ainda mais o quadro e podem levar este paciente à ideação suicida” (ALMEIDA et. al, 2014, p. 182, grifo nosso).

Em uma sociedade cuja base está na cultura do imediatismo, da liquidez dos relacionamentos bem como, a superioridade do “ter” em detrimento do “ser”, torna-se comum, a presença de  sujeitos que ao se depararem com a agitação, de um mundo cheio de adversidades vão sempre em busca de realizações e respostas instantâneas. Os indivíduos, muitas vezes, voltam seus olhares para si, e se esquece da convivência com o outro, pessoas que são únicas e singulares. Vivem mais as relações EU-ISSO e não procuram viver relações EU-TU (CAMON, 1997), o que acaba por auxiliar na instauração do isolamento social, que por sua vez, eleva as chances de suicídio.

Insta pontuar que o ato suicida diz respeito tanto às questões próprias do indivíduo, quanto as da sociedade em que ele está inserido. Por isso, é de suma importância que se dedique tempo as relações sociais, tornando-as sólidas e íntimas. Para que assim, as  pessoas possam se sentir amadas, apoiadas e compreendidas, contribuindo de forma preventiva e/ou de redução  das ideias suicidas.

Como exposto por Dean Ornish (1999): “A solidão é dolorosa”, por isso deve-se preservar relacionamentos, vínculos sociais e a intimidade. Assim como abordado no livro Amor & Sobrevivência foram realizadas pesquisas mostrando que o vínculo afetivo, apoio social, amor e a convivência são de grande relevância para o indivíduo, tendo até mesmo um poder curativo.

Assim, por meio de uma rede fortalecida, seria possível eliminar os altos índices de suicídio? Para os próximos saberes, sugere-se a implementação de mais estudos e pesquisas que incentivem o conhecimento a respeito dessa área, investigando, também, mais fatores que possam estar influenciando de forma crescente o suicídio. Vale ressaltar, a importância de promover mais reflexões sobre o assunto para que consigam alcançar um número maior da população que sofre dos males citados no decorrer deste trabalho, tudo isso visando a redução de danos e concomitantemente, o aumentando a prevenção as ideações.

REFERÊNCIAS:

ALMEIDA, Anele Louise Silveira de, et. al. ISOLAMENTO SOCIAL E IDEAÇÃO SUICIDA EM PACIENTES COM TRANSTORNO OBSESSIVO-COMPULSIVO. Revista Cesumar: Ciências Humanas e Sociais Aplicadas, Maringá (PR), Brasil. v. 19, n. 1, 2014.

ANGERAMI-CAMOM, Valdermar Augusto. Suicídio: Fragmentos de Psicoterapia Existencial. Pioneira, 1997.

BAUMAN, Z. Modernidade Líquida. Ed. Zahar, 2001.

DURKHEIM, Emile. O Suicídio: Estudos de Sociologia. São Paulo, Martins Fontes, 2000.

OMS. Organização Mundial de Saúde. PREVENÇÃO DO SUICÍDIO UM RECURSO PARA CONSELHEIROS. 2006.

ONISH, Dean. Amor & Sobrevivência: A base científica para o poder curativo da intimidade. Rocco, 1999.

PEREZ GIBERT, Maria Agnes  e  CURY, Vera Engler.Saúde mental e trabalho: Um estudo fenomenológico com psicólogos organizacionais. Bol. psicol [online]. 2009, vol.59, n.130, pp. 45-60. ISSN 0006-5943.

TRIGUEIRO, André M. Viver é a melhor Opção: A prevenção do suicídio no Brasil e no mundo. São  Bernardo do Campo, SP: Correio Fraterno (2ªed.), 2015.

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As formas patológicas de amar

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Recente edição do Psicologia em Debate foi embasada no livro de Zimerman, “Manual de Técnica Psicanalítica”, mas especifico no capitulo sobre o vínculo tantalizante. Este estaria baseado em dois tipos de personagens: um dominador-sedutor e um dominado-seduzido. Com relação ao dominador-sedutor, o autor traz que ele é incapaz de estabelecer uma união estável por alegar não conseguir gostar de ninguém.

Apresenta também atitudes inconstantes em relação ao compromisso amoroso, como por exemplo, ele não se separa da pessoa, mas também não estabelece uma relação fixa/séria. Enquanto o dominado-seduzido irá aceitar ficar nessa relação incerta, aceita o papel de ficar na reserva/excluída. Não consegue ter posições definidas e assim fica em um dilema: o lado que deseja fugir daquele “romance” e o lado que está intimamente em conluio/negociação – inconsciente – com o dominador.

dominador, dominante, sedutor, seduzido
Fonte: http://zip.net/bhtJtH

 

Em uma relação nessa configuração, observar-se-ão quatro tipos de vínculos, de acordo com o autor. O primeiro é o de Domínio, onde o individuo se apropria do outro e desconsidera as suas questões internas, não aceita a liberdade do outro, pega para si os desejos do outro, abolindo suas diferenças e sua autonomia (esquecendo-se de quem se é). O segundo é o de Apoderamento, em que o dominador acredita ter poder e posse TOTAL em relação ao corpo/mente/espirito do outro, porque dessa forma, ter poder sobre o outro é a melhor forma de consegui-lo para si.

Além de que, para uma pessoa que apresenta tal tipo de comportamento, é uma forma de estar seguro contra o desamparo, para que o dominado nunca pense em abandoná-lo, visto que toda essa vivacidade e atitude “firme” do dominador é uma forma de esconder seu completo vazio interior. Tanto ele, quando o dominado, apresentam esse vazio – vazios diferentes -, e acabam por buscar no outro o que lhe falta e vice-versa.

“Ninguém jamais te amará tanto quanto eu.”
Fonte: http://zip.net/bftJhs

 

O terceiro vínculo é o de Sedução, o dominador, aqui, busca despertar um deslumbramento no seduzido seja de ordem física, intelectual, retórica e/ou econômica. Promete ao outro uma vida completa, e só ele (sedutor) será capaz de lhe proporcionar tal completude. E o por fim, o vínculo tantalizante, que seu conceito está baseado no Mito de Tântalo, onde o dominador busca, nessa configuração de relacionamento abusivo, castigar o dominado (sofrimento eterno) – seja de forma física, ameaças, corte na comunicação. Nesse tipo de vínculo, o dominador tanto dá carinho, proteção e elogios, quanto também impunha rígidas condições.

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