Doutor Estranho: a metamorfose do homem ocidental

Compartilhe este conteúdo:

Indicado ao OSCAR:

Melhores Efeitos Visuais (Stephane Ceretti, Richard Bluff, Vincent Cirelli e Paul Corbould )

Banner Série Oscar 2017

Doutor Estranho é um filme norte americano, baseado no personagem homônimo da Marvel Comics. Stephen Strange, é um bem-sucedido neurocirurgião, com um ego inflado. O filme retrata um homem, que vive para a profissão e para o umbigo. Sua arrogância o leva a desprezar as relações, inclusive com sua colega de trabalho e ex – namorada, Christine. A forma como Strange lida com o mundo, de forma prática e racional, nos mostra que parece se tratar de alguém com função principal sensação e auxiliar pensamento. Seu gosto apurado, sua relação apenas com o que é tangível e sua predileção pelo intelecto em detrimento do sentimento e das relações, mostram esses aspectos. O filme então ilustra o que ocorre, quando uma função principal se desgasta e é necessário desenvolver as demais, principalmente a inferior.

De um ponto de vista coletivo, podemos observar muito daquilo que é admirado no mundo ocidental: o homem com poder e prestígio externos, a realização profissional, a eficiência, o ter e os processos racionais e cognitivos. O irracional, a sensibilidade, o ser, a intuição e a alma, são desprezados pela cultura ocidental. O filme então, mostra uma crítica e uma mudança de paradigma. Strange perde o uso de suas mãos em um acidente de carro e isso me faz lembrar do conto de fadas A Donzela sem mãos, quando a mocinha tem suas mãos cortadas pelo pai que fez um pacto com o diabo.

Fonte: http://zip.net/bqtD3H

De certa forma, Strange também vende sua alma ao diabo e faz um pacto infeliz com os valores externos em prol de sua alma. Ao perder o uso das mãos, ele perde sua capacidade de fazer algo no mundo externo. Ele perde sua capacidade de atuação e seus dons criativos. Ele precisou perder sua capacidade extrovertida de atuar para olhar de forma introvertida para aquilo que falta nele.

Em Catmandu, Nepal o feiticeiro Kaecilius e seus seguidores entram no composto secreto Kamar-Taj e assassinam seu bibliotecário, guardião de textos antigos e místicos. Eles roubam o ritual de um livro proibido pela Anciã, uma feiticeira que vive vários séculos e que ensinou a todos em Kamar-Taj, incluindo Kaecilius, nos modos das artes místicas. A Anciã persegue os traidores, mas Kaecilius e alguns de seus seguidores escapam com as páginas.

Sua ex-amante e colega de trabalho Christine Palmer tenta ajudá-lo a seguir em frente, mas o arrogante Strange quer desesperadamente curar seus ferimentos. Depois de meses tentando cirurgias experimentais em suas mãos, e usando todos os seus recursos, Strange ouve falar de Jonathan Pangborn, um paraplégico que misteriosamente foi capaz de andar novamente. Pangborn fala a Strange sobre o Kamar-Taj, no Nepal. Lá, outro feiticeiro, Karl Mordo, apresenta Strange à Anciã. A Anciã mostra à Strange o seu poder, revelando o plano astral e outras dimensões, como a Dimensão Espelhada. Strange implora para ela ensiná-lo, e ela finalmente concorda quando Mordo a lembra das forças da Dimensão Negra. Apesar da arrogância de Strange, ela finalmente aceita, o que a faz lembrar de Kaecilius.

Fonte: http://zip.net/bmtCYJ

Strange começa o seu ensinamento com a Anciã e Mordo, e aprende mais dos livros antigos na biblioteca, que agora é protegida pelo mestre Wong. Strange avança os meses estudando vários feitiços, se mostrando muito inteligente. Curioso, Stephen encontra o Olho de Agamotto e o usa para manipular o tempo numa maçã usando os feitiços descritos no livro proibido da Anciã. Mordo e Wong chegam a tempo de impedir ele de ir longe de mais com tanto poder em posse.

Strange fica confuso então Mordo e Wong explicam que a Terra é protegida de outras dimensões por um feitiço formado a partir de três blocos chamados Sanctum’s, encontrados em Nova York, Londres e Hong Kong. A tarefa dos feiticeiros é proteger os Sanctum’s, embora Pangborn escolheu a renunciar esta responsabilidade em favor de canalizar energia para andar de novo; Strange terá que decidir entre recuperar o uso de suas mãos ou defender o mundo.

Kaecilius e seus seguidores usam as páginas roubadas para começar a convocar o poderoso Dormammu da Dimensão Negra, onde o tempo não existe e todos podem viver para sempre. Isso destrói o Sanctum de Londres, e envia Strange de Kamar-Taj para o Sanctum de Nova York. Os seguidores de Kaecilius então atacam lá, onde Strange os mantém fora com o Místico Manto de Levitação. Strange é ferido por um dos seguidores de Kaecilius.

Fonte: http://zip.net/bbtCZ2

Ele viaja para o hospital onde trabalhava a procura de Christine enquanto o Manto da levitação da cobertura com um dos seguidores. Stephen sai do seu corpo, se tornando uma forma astral e ajudando Christine a reviver o seu corpo. Strange deixa Christine ao perceber que o seguidor de Kaecillius se livrou do manto ao mudar pra sua forma astral. Uma luta no hospital no mundo astral começa e Strange vence com ajuda de Christine.

Strange volta para o Sanctum de Nova York e encontra Mordo. Strange e Mordo tem uma pequena discussão quando Stephen revela que, segundo Kaecilius, a Anciã drena energia da Dimensão Negra para ter mais poder e longevidade. Eles confrontam Kaecilius e seus seguidores de novo pelas ruas e predios distorcidos de Nova York. A Anciã surge e enfrenta Kaecillius cara a cara e é ferida por ele, voltando ao mundo normal e caindo de praticamente 20 metros de altura. A Anciã é levada para o hospital e antes de morrer, no plano astral, conversa com Strange e dá um conselho que uma hora ele vai ter que quebrar certas regras como ela e então o deixa.

Stephen vai pedir a ajuda de Mordo e eles vão para o Sanctum de Hong Kong. Eles chegam lá e veem a cidade ser praticamente destruida pelo surgimento da Dimensão Negra. Strange usa o Olho de Agamotto para voltar no tempo e impedir que tudo aquilo acontecesse, salvando Wong, entretanto, Kaecillius e seus seguidores conseguem sair do feitiço temporal e, tentam impedir Strange de acabar com os seus planos.

Stephen vai para a Dimensão Negra e pede uma barganha entre ele e o senhor da Dimensão, Dormammu. Strange prende Dormammu em um loop temporal pra sempre e, Dormammu decide entrar em acordo com ele, tirando Kaecilius e seus seguidores da Terra. Desgostoso com as decisões de Strange e da Anciã, Mordo vai embora. Stephen devolve o Olho de Agamotto ao seu lugar e Wong cita que ela é uma Joia do Infinito. Strange vai para o Sanctum de Nova York onde com permissão de Wong, residiria como Guardião.

Fonte: http://zip.net/bftC0Z

Em uma cena no meio dos créditos, Thor encontra-se no Sanctum de Nova York pedindo ajuda de Strange para encontrar Odin, junto com seu irmão Loki, que está desaparecido. Strange aceita ajudá-lo com a condição de que nunca mais volte á terra. Na cena pós-créditos, Mordo, após alguns meses viajando, vai a procura de Pangborn e absorve os poderes que ele tinha para permanecer andando e, Mordo fala que o mal do mundo é que existem feiticeiros de mais.

FICHA TÉCNICA DO FILME:

doctor-strange-doutor-estranho-cartaz

DOUTOR ESTRANHO

Direção e Roteiro: Scott Derrickson
Elenco: Benedict Cumberbatch, Tilda Swinton, Chiwetel Ejiofor, Mads Mikkelsen
Ano: 2016
País: EUA
Classificação: 12
Compartilhe este conteúdo:

Perspectiva Junguiana em “As crônicas de Nárnia: O Leão, a Feiticeira e o Guarda-Roupa”

Compartilhe este conteúdo:

pevensies_in_winter

Fonte: http://migre.me/wAIz0

As Crônicas de Nárnia é uma série de sete contos, escrita pelo irlandês C. S. Lewis. É a obra mais conhecida de Lewis, sendo a série considerada um clássico da literatura. Escritas por Lewis entre 1949 e 1954, as Crônicas de Nárnia foram adaptadas diversas vezes, inteiramente ou parcialmente, para a rádio, televisão, teatro e cinema. Nelas há temas tradicionais cristãos, bem como elementos da mitologia grega e nórdica, e também temas tradicionais de contos de fadas.

As aventuras giram em torno de crianças que descobrem, por acidente, o Reino de Nárnia, um lugar mágico, com animais falantes, e onde ocorrem batalhas entre o bem e o mal – típico tema cristão. As crianças descobriram Nárnia, por meio de um guarda roupa escondido, e vivem suas aventuras ajudadas e instruídas pelo Grande Leão e Rei, chamado Aslam. Tratarei nesse texto do primeiro filme O Leão, a Feiticeira e o Guarda-Roupa. Esse conto foi concluído durante o inverno de 1949 e publicado em 1950. Trata-se do primeiro romance da série em ordem de publicação; porém, o segundo em ordem cronológica. O filme narra a história de quatro irmãos: Pedro, Susana, Edmundo e Lúcia Pevensie.

Para Carl Jung, o numero quatro é o numero da totalidade, do Self. Temos no inicio filme quatro crianças – dois meninos e duas meninas – representando uma totalidade e um equilíbrio entre o masculino e feminino. Mostrando então que se trata de uma jornada em rumo da individuação. O fato dos heróis serem crianças é algo importante. A criança simboliza a renovação, a juventude, renascimento.

As crianças estão em meio a II Guerra em Londres. O pai deles foi lutar e a mãe não consegue sozinha manter as crianças em segurança, por isso as envia até a casa de um professor que morava no campo. Lá descobre de um guarda-roupa que possui uma passagem que liga nosso mundo ao mundo de Nárnia. Lucia, a caçula, é a primeira a descobrir, durante uma brincadeira. Ao entrar em Nárnia, descobre um exuberante país que enfrenta um terrível e prolongado inverno, imposto pela falsa rainha do país, Jadis (Feiticeira Branca, ou Rainha da Neve), e que já completava cem anos. Lá ela conhece um fauno – Tumnus – de quem fica amiga. Ao retornar com a notícia, os irmãos não acreditam nela.

the-pevensies-the-chronicles-of-narnia-16625164-1024-776

Fonte: http://migre.me/wAIzM

Lucia parece a configuração de uma função inferior. Em Tipos Psicológicos, Jung nos brinda com as quatro funções de adaptação do ego, sendo que todos nós desenvolvemos uma em especial, em detrimento das outras – é a chamada função principal. A função oposta a essa (em um intuitivo será a sensação, em um pensador será o sentimento, por exemplo), Jung denominou de função inferior. A função inferior é a quarta função, a menos desenvolvida das quatro. Nos contos de fadas a vemos na figura do Tolo. No filme, Lucia não é tola, é só a caçula, mas nos contos o caçula também pode representar a base arquetípica da função inferior.

A função principal se constrói na primeira metade da vida humana servindo à adaptação coletiva. É uma tendência natural nossa, para se fazer sempre aquilo que sai melhor e negligenciar o outro lado. Essa perspectiva unilateral, sem dúvida, aos poucos formará a função principal, que é aquela função com a qual as pessoas se adaptam às necessidades coletivas. Mas com o tempo precisamos olhar para aquilo que não desenvolvemos e que se encontra na função inferior. Essa função é a que traz a renovação, e Lucia é quem faz esse papel. Nossa função inferior mostra aquilo que não valorizamos e que desprezamos em nós mesmos. Lucia é desacreditada, mas ela tem força para acreditar no inconsciente e se arriscar.

As crianças se encontram em uma situação difícil, a de guerra. Encontrar o guarda roupa e o reino de Nárnia pode ser uma forma de fugir da realidade difícil e dolorosa em que se encontram. Em épocas de crise, tanto coletivas quanto individuais, acontece esse movimento natural, que é o da regressão da libido. Pode ocorrer em forma de fuga da realidade de um lado negativo, mas também como forma de buscar algo no inconsciente que está fazendo falta, e que é necessário resgatar.

As crianças então em Nárnia descobrem uma profecia narniana que diz que quando dois filhos de Adão e duas filhas de Eva aparecerem e se tornarem reis de Nárnia, o governo da Feiticeira irá terminar. Aqui vemos uma compensação. As crianças são na consciência pobres e estão sem seus pais, mas no inconsciente eles buscam a forma de serem reis e heróis. Vemos a partir daqui imagens arquetípicas interessantes e que misturam aspectos pagãos e cristãos ao mesmo tempo.

tumblr_ltmqopemf21r252ng

Fonte: http://migre.me/wAIA7

Fauno, por exemplo, cujo nome vem do latim Faunus, “favorável”, ou também de Fatuus, “destino” ou ainda “profeta”, é um ente que vem da mitologia romana. No mito ele era um rei de Lácio que foi transmutado em deus e, a seguir, sofreu diversas modificações e também sincretismo com seres da religião grega ou mesmo da própria romana. Foi sincretizado com Pã e com Silvano. No filme se trata de uma criatura que se assemelha aos sátiros gregos, possuíam um corpo meio humano, meio bode. Eram semideuses e, portanto, mortais, porém tinham vida longa. Eram intermediários entre os animais, representando os instintos – neste caso o bode – e as divindades. Costumavam, assim como Fauno em Roma e Pã na Grécia, tocar flauta atividade induz a um estado de sono semelhante a um transe, quando tocada muito alto. E é isso que Tmnuz faz com Lucia.

O fato de encontrar um fauno pode significar um encontro novamente com um aspecto que faz ligação com os instintos perdidos. É Tumnuz que avisa Lúcia sobre a feiticeira e a profecia. Ele faz o papel de mensageiro. Os irmãos conhecem a Feiticeira Branca, que se assemelha muito com a Rainha da Neve do conto homônimo de Hans Christian Andersen.  O conto trata da luta entre o bem e o mal, da luta entre as trevas da razão fria e o calor do sentimento humano. No conto a rainha seqüestra o menino Kai e sua irmã precisa resgatá-lo.

No filme a Rainha seduz o menino Edmundo e o leva para seu reino gelado, assim como no conto. Seus irmãos o salvam e nesse tempo o inverno vai aos poucos se desfazendo. O autor deve ter usado esse conto também como referência para mostrar nossa luta eterna entre os opostos em nós. Nossa mente lógica e racional muitas vezes exclui os sentimentos e a valorização do outro. Tanto o fauno quanto a Rainha são imagens de um passado nosso pagão.

320339

Fonte: http://migre.me/wAIAA

Primeiramente ele é um leão. O leão é o rei das selvas e símbolo da realeza. Ele é o símbolo arquetípico do rei na alquimia, mas que deve morrer. Um símbolo que deve ser enfrentado. O rei é o símbolo da manifestação do Self na consciência coletiva e é um símbolo que se desgasta. O rei ou chefe incorpora um princípio divino, do qual depende o bem-estar físico e psíquico de toda a nação. O rei representa o princípio divino na sua forma mais visível, é sua encarnação e sua moradia. Mas esse símbolo tem necessidade de renovação constante, de compreensão e contato, pois, de outro modo, corre o perigo de se tornar uma fórmula morta.

O leão representa o lado terreno do Rei, pois ao morrer o rei vai para o interior da terra, para o reino do leão e lá vai ser renovado. Ele precisa transformar seu principio do poder encarando o Leão. Aslan, como rei está doente e fraco (não consegue superar a feiticeira). Ele se oferece em troca de Edmundo para ser sacrificado na Mesa de Pedra, local onde os traidores são entregues à Feiticeira para sacrifício.

A Feiticeira parece encarnar o principio do mal. Na simbologia cristã o mal entrou pela mulher (Eva) e depois houve salvação por meio dela (Maria). No filme o mal em Nárnia vem pela Rainha e encontra a salvação graças a Lucia, que encontra o reino. O feminino está mais próximo ao mal em nossa sociedade patriarcal judaico-cristã, por isso nos contos de fadas como João e Maria, as meninas são mais astutas em relação à bruxa. A consciência patriarcal costuma excluir o mal em detrimento da perfeição. A consciência matriarcal inclui o mal, não há separação, é Eros.

Nárnia e Aslan precisam das crianças, eles precisam de um equilíbrio entre essas duas energias. Feminino (Rainha) e masculino (Aslan). Aslan sabe que precisa morrer, se sacrificar. Significa que nós precisamos, em prol do nosso desenvolvimento, sacrificar nosso leão, nossos desejos, paixões, raivas e cobiças pautadas no ego. Então, com a ajuda do grande e poderoso Aslan ressurgido e renascido (aqui uma alusão às mitologias onde o deus morre e renasce, como Dioniso, Mitra, Horus e Jesus), os irmãos enfrentam a terrível feiticeira e trazem a paz de volta à Nárnia e a todos os que nela habitam.

tumblr_mymn5nn6d81scjxdko1_500

Fonte: http://migre.me/wAIBi

Com a vitória, os quatro irmãos são coroados reis e rainhas de Nárnia. Eles governam por muitos anos, iniciando a Época de Ouro. Os quatro irmãos recebem os títulos de: Grande Rei Pedro, o Magnífico; Rei Edmundo, O Justo; Rainha Lucia, A Destemida; E Rainha Suzana, A Gentil. Eles então reinam durante vários e vários anos, em um período de paz e prosperidade nunca antes vivido por Nárnia. Tal período foi considerado a “Era de Ouro”, ou o “Apogeu” de Nárnia.

Entretanto, o reinado dos quatro irmãos acaba e eles acabam de volta ao nosso mundo, acidentalmente. Como o tempo em Nárnia e no nosso mundo são paralelos e correm numa velocidade própria, eles voltam com a mesma idade e exatamente no mesmo dia em que tinham entrado no guarda-roupa, como se tivesse de fato se passado apenas alguns minutos desde que entraram, o que para os irmãos pareciam muitos anos. Ninguém ficou sabendo das aventuras deles em Nárnia, a não ser o professor que os hospedou.

Eles retornam a realidade para voltar depois. Aqui na volta vê-se a chamada dificuldade do regresso, quando o herói precisa retomar sua vida. Quando empreendemos uma jornada iniciática no inconsciente, temos dificuldade de retornar e aplicar aquele aprendizado na vida cotidiana, mas essa é uma jornada necessária. No processo de individuação temos que colocar a serviço do coletivo aquilo que aprendemos e nossos dons. Os quatro irmãos ainda voltariam juntos mais uma vez a Nárnia, conforme é narrado no conto O Príncipe Caspian. Mas essa é uma outra história.

FICHA TÉCNICA DO FILME:

20103781

AS CRÔNICAS DE NÁRNIA: O LEÃO, A FEITICEIRA E O GUARDA-ROUPA

Direção: Andrew Adamson
 Série de filmes: As Crônicas de Nárnia
 Elenco: Georgie Henley, Skandar Keynes, William Moseley,  Anna Popplewell;
 País: EUA
 Ano: 2005
Classificação: Livre
Compartilhe este conteúdo:

A Origem dos Guardiões: a relação com o inconsciente na infância

Compartilhe este conteúdo:

A Origem dos Guardiões é um filme de animação estadunidense. Lançado em 21 de novembro de 2012, o filme traz como personagens principais figuras do folclore famosas: Papai Noel, Fada do Dente, Jack Frost, Sandman e Bicho Papão. Papai Noel, Fada do Dente, Coelho da Páscoa e Sandman, são responsáveis por garantir a sobrevivência da inocência das crianças e das lendas infantis. Até que aparece um inimigo Breu (Bicho papão) que pretende transformar todos os sonhos das crianças em pesadelos, despertando medo em todas elas.

A inocência da criança, que ainda possui uma forte ligação com o inconsciente, e o encantamento com histórias, fábulas e contos de fadas é algo que perdemos quando nos tornamos adultos. Na Psicologia Analítica a criança possui um ego incipiente que se encontra ainda “mergulhado” no inconsciente coletivo. Seu pensamento é ainda simbólico e não linear. A infância é um período de grande intensidade emocional. E a juventude caracteriza-se por um despertar gradativo, um estado no qual o indivíduo se torna, aos poucos, consciente do mundo e dele mesmo.

585498

Fonte: http://migre.me/wAIFX

Ao chegar à idade escolar a criança começa a fase de estruturação do seu ego e de adaptação ao mundo exterior. Esta fase em geral traz um bom número de choques e embates dolorosos. E nessa fase o ego começa a se estruturar e a iniciar uma separação do inconsciente.  Conforme JUNG (2002)

“Ao mesmo tempo, algumas crianças nesta época começam a sentir-se muito diferentes das outras, e este sentimento de singularidade acarreta certa tristeza, que faz parte da solidão de muitos jovens. As imperfeições do mundo, e o mal que existe dentro e fora de nós, tornam-se problemas conscientes; a criança precisa enfrentar impulsos interiores prementes (e ainda não compreendidos), além das exigências do mundo exterior.”

Na segunda metade da vida, após ter se estabelecido no mundo exterior, o ego então recebe um “apelo” do inconsciente para se voltar a ele.  Este “apelo” se inicia com um choque inicial, apesar de nem sempre ser reconhecido como tal, causando sofrimento.  Ao contrário, o ego sente-se tolhido nas suas vontades ou desejos e geralmente projeta esta frustração sobre qualquer objeto exterior. Isto é, o ego passa a acusar Deus, ou a situação econômica, ou o chefe, ou o cônjuge como responsáveis por esta frustração (JUNG, 2002).

O filme então retrata esse momento da infância onde ainda nos “relacionamos” com o inconsciente. Os guardiões seriam então, uma espécie de apelo para que a nossa sociedade ocidental e industrializada não deixássemos as crianças perderem esse contato. Hoje nossas crianças têm cada vez mais acesso às informações, e sua infância fica cada vez menor. Isso por um lado desenvolve seu raciocínio, mas por outro lesa seu lado lúdico e estruturador da personalidade – que são os arquétipos do inconsciente coletivo.

Além disso, nós ocidentais – enquanto consciência coletiva – nos afastamos demais do inconsciente. Com isso ficamos longe do irracional e dos processos que ocorrem nas camadas mais profundas do inconsciente coletivo. Esse movimento de desenvolvimento da consciência foi até certo ponto importante, mas como hoje se tornou unilateral, precisamos encontrar um equilíbrio entre essas duas instâncias. Pois o processo de individuação consiste no desenvolvimento do eixo Ego – Self, e da relação entre os dois.

 Esse desprezo pelo inconsciente aparece simbolizado pela figura de Breu. Breu é o Bicho Papão que se esconde debaixo das camas das crianças e simboliza o medo de sermos engolidos, caso não nos comportemos. No filme, vive em um covil subterrâneo, que é o espelho maléfico dos reinos dos Guardiões. Ou seja, ele é o aspecto sombrio dos Guardiões.

Breu tem suportado gerações de pais que dizem aos filhos para não acreditarem nele, enquanto os demais Guardiões recebem toda a aclamação. Então ele decide mudar esta situação. Cria um plano para convencer as pessoas a acreditarem nele em vez de acreditarem nos Guardiões. Ele tenta fazer desaparecer sistematicamente os Guardiões, um a um, e o que eles representam, até não restar nada mais a não ser o medo.

breu

Fonte: http://migre.me/wAIG9

O Bicho Papão com o qual lidamos em nossa infância, simboliza nossos medos e aspectos sombrios reprimidos da consciência. Nossa sociedade Ocidental judaico – cristã também acabou menosprezando a questão do mal. A imagem de Deus foi dissociada de sua sombra e tida como modelo de perfeição. Isso acarretou alguns problemas para o processo de individuação do homem ocidental, pois esse se trata de um processo eu visa a completude e não a perfeição. A individuação visa a assimilação dos conteúdos do inconsciente na personalidade, e isso engloba também aspectos sombrios.

Breu é a noite, a sombra e o medo. Ao ser reprimido pela consciência coletiva é investido de mais energia e vem cobrar seu preço por ser negligenciado. Nós precisamos aprender a lidar com nossos medos e com nossos aspectos devoradores. Os outros Guardiões simbolizam outros aspectos da psique coletiva, bem como anseios infantis nossos. Além de serem figuras conhecidas do nosso folclore, as quais aceitamos de bom grado sem questionar e entender o porquê elas estão em nossa cultura.

Norte (Papai Noel) não é como o Papai Noel com o qual estamos familiarizados. Norte é um antigo cossaco russo que possui a palavra “mal comportado” tatuada em um braço e “bem-comportado” no outro. Os Cossacos são muito famosos pela sua coragem, bravura, força e capacidades militares (especialmente na cavalaria), mas também pela capacidade de auto-suficiência.Ele é impetuoso, exigente e impulsivo. Consegue ver tudo. Tem grande capacidade de estratégia e é o líder dos Guardiões. Ele emana felicidade e se acredita em uma causa, não há nada nem ninguém que o consiga segurar.

O Papai Noel tradicional é uma figura lendária que, em muitas culturas ocidentais, traz presentes aos lares de crianças bem-comportadas na noite de Natal. Foi inspirado por São Nicolau, arcebispo de Mira na Turquia, no século IV. Nicolau costumava ajudar, anonimamente, quem estivesse em dificuldades financeiras. Colocava o saco com moedas de ouro a ser ofertado nas chaminés das casas. Foi declarado santo após muitos milagres lhes serem atribuídos. Sua transformação em símbolo natalino aconteceu na Alemanha e daí correu o mundo inteiro. Esse caráter belicoso, cheio de força e bravura, atribuído a Norte no filme, é um aspecto valorizado pela consciência coletiva ocidental; muito diferente do caráter pacífico de São Nicolau.

A-Origem-dos-Guardioes-arte-conceitual-07nov2012-03

Fonte: http://migre.me/wAIGN

O outro personagem é Coelhão. Ele é o Coelho da Páscoa, um australiano querido e calmo, mas seco como o interior australiano. Um guarda-florestal por excelência, sempre pronto para o trabalho, além de ser um protetor da natureza duro e brusco. Segue os ritmos da natureza e quando chega a oportunidade de ação, espera pelo momento certo para agir. O Coelhão é completamente imperturbável. A única

coisa que o consegue deixar louco é a constante provocação do Norte, sempre a afirmar que o Natal é mais importante do que a Páscoa. Ele mede 1,80 metros de altura, e entra em sua toca abrindo buracos mágicos no chão que chegam de qualquer parte do mundo.

A tradição do Coelho da Páscoa foi trazida para a América pelos imigrantes alemães, entre o final do século XVII e o início do século XVIII. A Páscoa simboliza a ressurreição, vida nova, tanto entre os judeus quanto entre os cristãos. No entanto, o coelho e os ovos tratam de um costume pagão. No Antigo Egito, o coelho representava o nascimento e a nova vida. Além disso, coelhos são notáveis por sua capacidade de reprodução, e geram grandes ninhadas.

De acordo com a mitologia germânica, o coelho era um dos símbolos da deusa da fertilidade Ostara, deusa da primavera, ressurreição e renascimento. O culto a essa deusa costumava ser feito durante a primavera e uma das principais tradições desse festival é a decoração de ovos. O ovo representa a fertilidade da Deusa e do Deus, onde havia a tradição de esconder os ovos e depois achá-los. A partir desta mesma lenda mítica, surgiu entre os alemães a tradição de entregar ovos (de galinha) pintados de várias cores para as crianças.

E por este motivo os cristãos, para evitar as celebrações pagãs, os cristãos associaram o coelho e a tradição da “coleta dos ovos” à Páscoa Cristã. Portanto, o Coelho representa aspectos pagãos que ainda sobrevivem em nossa cultura e que são necessários. Os ritos de fertilidade e nova vida são de imensa necessidade

A Fada dos Dentes recolhe os dentes de leite que as crianças colocam debaixo dos travesseiros. No filme é meio humana e meio colibri. Representada como uma criatura iridescente, elegante, com tons azuis e verdes. Tem imensa energia, não para de se mexer, os seus pés nunca tocam no chão. Ela expressa um vasto cortejo de emoções através das penas e da cauda.

Na Europa Ocidental, antigamente, acreditava-se que os dentes deveriam ser guardados ou queimados para que não os procurássemos após a morte ou para que não caíssem no poder de bruxas, que poderiam usá-los em feitiços. Era dever dos pais cuidar para que os dentes dos filhos não caíssem em mãos erradas. Alguns pesquisadores acreditam que a lenda tenha apenas cerca de 200 anos e que descendeu do conto francês “O Bom Ratinho”, escrito por Madame D’Aulnoy em 1697, que conta história de uma Fada que se transforma em um ratinho para ajudar uma rainha escapar de um rei malvado que invadiu seu reino. Na história, o ratinho se esconde no travesseiro do rei para atormentá-lo. Trocar “dentes de leite” por presentes é algo que remonta aos vikings, mais de mil anos atrás.

A Fada do Dente simboliza um rito de passagem, quando começamos a sair do paraíso e encarar a realidade. Os dentes permanentes mostram que agora vamos crescer e nos tornar adultos. As fadas possuem poderes sobrenaturais, capazes de interferir na vida dos mortais em situações-limite. Por isso trocar os dentes, tenha um caráter mágico, pois esses novos dentes marcam nossa mudança e saída do uroboros, da inconsciência e o ego começa a se estruturar.

No filme esses dentes guardam as mais preciosas memórias de infância, e a Fada guarda-os no seu palácio, para quando mais tarde, na vida, precisarmos dessas memórias. Talvez essa seja a personagem mais importante e mais rica em termos simbólicos e sensibilidade. Esse banco de dados de memórias da infância seria a nossa ligação com aspectos de nossa formação e estruturação da personalidade. Acessar esse banco de dados pode trazer informações sobre nós riquíssimas. Emoções esquecidas, aspectos da personalidade e desejos reprimidos, podem nos auxiliar na expansão de nossa consciência.

O personagem Sandman é o arquiteto e portador de bons sonhos. Ele é mudo, comunica através de imagens de areia expressivas, que conjetura em sua mente. Existe um elemento de sábio e ancião neste personagem. No filme é quem mostra aos outros Guardiões o que é realmente importante. Sandman é uma figura do folclore europeu, conhecido como João Pestana em Portugal e Brasil. Ele vem para as pessoas no momento em que fechamos os olhos pela última vez antes de dormir.

É retratado com uma cabeça em forma de uma lua crescente, e às vezes com um gorro. Seus olhos são escuros e fundos, e dentro dele há estrelas, veste um casaco de seda, que muda de verde para vermelho e de azul para amarelo a cada vez que muda de posição. Ele carrega um guarda-chuva com a parte de dentro cheia de ilustrações das historias que gosta de contar e também um saco ou bisnaga com areia mágica, para jogar nos olhos das pessoas em pequenas quantidades; essa areia é cintilante como purpurina, e faz barulhos como uma caixinha de música ou o bater de asas de pequenas Pixies.

Sandman é então o guardião do sono e dos nossos sonhos. Ele é o guardião dos processos inconscientes que se manifestam nos sonhos. Ou melhor, ele é o arquiteto desses sonhos. Aquele que tece com suas areias o material necessário para compensar a consciência. No filme ele precisa ser resgatado pelos outros, o que simboliza que precisamos regatar a importância dos sonhos e da sua compreensão para a consciência. As crianças, assim como os povos mais antigos, dão muita importância às mensagens dos sonhos. Elas ficam muito assustadas com sonhos ruins. Com o tempo nossa sociedade deixou de acreditar nos sonhos e somente com a Psicanálise e a Psicologia Analítica sua mensagem pode ser resgatada.

Para combater Breu, a Lua então designa um novo guardião para ajudar o grupo: Jack Frost, um garotinho invisível que controla o inverno. Sem conhecer sua própria vocação de guardião, ele embarca em uma aventura na qual vai descobrir tanto sobre as crianças quanto sobre seu próprio passado. Jack Frost representa o inverno e o frio. Figura lendária do folclore anglo-saxão, ele era responsável por criar neve e condições típicas para o inverno. Ele costuma ser retratado como um velho, um jovem ou um espírito invisível. Embora amigável, ele se provocado pode matar suas vítimas soterrando-as na neve.

tumblr_n19q94XjTv1rkj2efo1_500

Fonte: http://migre.me/wAIH5

Também é uma figura do paganismo antigo que tem se tornado popular, sendo considerado um dos integrantes da comitiva do Papai Noel. E assim se tornando uma figura Natalina. Jack na verdade é tido como um demônio do frio e da vida congelada, mas no filme é o heroi principal, mostrando um verdadeiro paradoxo. No filme Frost é um ser sobrenatural solitário, o clássico rebelde sem causa. É imortal, eternamente jovem, carismático e esperto. Lembrando uma versão do Puer Aeternus. Tem incríveis poderes climáticos, que controla com a ajuda do seu bastão mágico. Pode evocar o vento, a tempestade, o frio e a neve e viaja pelo vento como um snowboarder.

No filme, ele é humanizado. Salvou sua irmã quando a levou para brincar no gelo e esse estava tão fino que foi se quebrando. Ao resgatá-la de lá com auxilio de seu bastão mágico ele acabou caindo na água congelada. O homem na lua então o  transformou em um guardião. O homem da Lua já é algo bastante incomum na cultura Ocidental, que associa a Lua ao feminino e a mãe. Em culturas mais antigas, como a nórdica, a Lua era representada por um Deus. Vemos aqui resquícios de culturas antigas pagãs e a um retorno da valorização de conhecimentos perdidos.

Contudo, Frost representa – por mais humanizado que seja no filme – a vida congelada que o homem atual vive. Congelados em uma normose e na vida pautada em aquisições de bens materiais e conquistas externas. A falta de compromisso e a imaturidade que permeia o homem moderno congelam sua visão para novas formas de realização e para uma vida mais plena.

tumblr_meqruuYh3p1qjkolgo1_500

Fonte: http://migre.me/wAIHh

A Humanização de Frost congelante e seu aspecto Puer, representam a humanização da alma do homem. A Lua, símbolo dos sonhos, dos mistérios da alma, da ligação com o inconsciente traz esse novo guardião. Os aspectos congelantes dos complexos e a paralisação da vida na neurose devem ser levados a sério e olhados com a alma. Somente trazendo-os à consciência podem ser humanizados e assim perdendo sua força demoníaca.

REFERÊNCIAS:

JUNG, C; VON FRANZ, M. L…(et al.). O homem e seus símbolos. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2002.

FICHA TÉCNICA DO FILME:

aodg

A ORIGEM DOS GUARDIÕES

Direção: Peter Ramsey
Elenco: Hugh Jackman, Chris Pine, Isla Fisher, Jude Law;
País: EUA
Ano: 2012
Classificação: Livre

Compartilhe este conteúdo:

Carl Gustav Jung e os Complexos

Compartilhe este conteúdo:

cats

É comum ouvirmos – e falarmos também – que alguém tem um complexo de inferioridade, ou de superioridade. O complexo de Édipo também já virou um jargão habitual em nossa comunicação.

Mas o que significam os complexos?

Quando dizemos que uma pessoa tem um complexo de superioridade, queremos com isso afirmar que esse é alguém que se sente superior a todos os outros. É alguém que age com superioridade, arrogância e despreza as habilidades dos demais, por se achar mais inteligente, mais criativo, ou mais forte que o mundo todo. Parece que todo o seu ser é movido por esse sentimento. É uma espécie de possessão que a pessoa não enxerga, mas que os que estão de fora notam de forma acintosa.

É isso o que um complexo faz. Ele “possui” a personalidade da pessoa, transformando a personalidade. Na verdade não “temos” complexos; eles nos “tem”.

Jung verificou nas experiências de associação de palavras, cujo objetivo era determinar a velocidade média das reações e de suas qualidades, acabou sendo um resultado relativamente secundário, comparando-se com a maneira como o método tem sido perturbado pelo comportamento autônomo da psique. Foi então que descobriu os complexos de tonalidade afetiva que anteriormente eram registrados sempre como falhas de reação (Jung, 2000).

E com isso Jung, descobriu uma infinidade de complexos que podem perturbar a personalidade consciente.

Ele percebeu nessas experiências um fenômeno chamado constelação. Onde situação exterior desencadeia um processo psíquico que consiste na aglutinação e na atualização de determinados conteúdos. A constelação é um processo automático que ninguém pode deter por própria vontade. Esses conteúdos constelados são determinados complexos que possuem energia específica própria. Portanto, os complexos quando nos tomam são constelados.

self-actualization
Retirado de: www.conhecendojung.com

Os complexos provocam reações perturbadas. E isso pode acontecer em qualquer conversa entre duas pessoas. Os complexos então constelam e assimilam o interlocutor frustrando as intenções dele, podendo mesmo colocar em seus lábios outras respostas que ele mais tarde não será capaz de recordar.

Os complexos rompem com o postulado ingênuo da supremacia da vontade.

Toda constelação de complexos implica um estado perturbado de consciência. Rompe-se a unidade da consciência e se dificultam mais ou menos as intenções da vontade, quando não se tornam de todo impossíveis. A própria memória, como vimos, é muitas vezes profundamente afetada (JUNG, 2000).

Os complexos nos deixam em um estado de não-liberdade, nossos pensamentos se tornam obsessivos e nossas ações compulsivas, porque eles têm muita energia. Eles fazem as pessoas enlouquecerem por motivos pouco aparentes, tendo comportamentos inexplicáveis. Os complexos muitas vezes se formam devido experiências dolorosas que haviam sido enterradas no inconsciente, e que afetam inconscientemente por meio dos complexos a personalidade consciente.

Conforme Stein (2006), complexos são entidades psíquicas fora da consciência, as quais existem como objetos que, semelhantes a satélites, gravitam em torno da consciência do ego mas são capazes de causar perturbações no ego de uma forma surpreendente e, por vezes, irresistível. São os diabretes e demônios interiores que podem pegar uma pessoa de surpresa.

As áreas da psique carregadas de complexos são como “botões”, que quando apertados disparam os complexos. Quando se aperta um desses botões, obtém-se como resposta uma reação emocional. E assim, constela-se um complexo.

As reações aos complexos são bem previsíveis, uma vez que se saiba quais são os complexos específicos que estruturam o inconsciente de um indivíduo. Depois que convivemos com uma pessoa por algum tempo, sabemos quais são alguns desses botões e podemos ou evitar essas áreas sensíveis ou fazer o possível e o impossível para tocar-lhes, tirando a pessoa do eixo.

Todos nós já tivemos a experiência de perda de controle sobre as emoções e, em certa medida, também sobre o seu comportamento. Reage-se irracionalmente e, com freqüência, lamenta-o, arrepende-se ou pensa melhor sobre o que fazer na próxima oportunidade.

O pior é que reagimos exatamente da mesma maneira em muitas ocasiões e, no entanto, temos uma sensação de profunda impotente para conseguir abster-se de fazer a mesma coisa de novo na próxima vez. Quando o complexo se constela, é como se a pessoa estivesse em poder de um demônio, uma força muito superior à sua vontade.

piedrafilosofals
Retirado de: genericwords.blogspot.com

Para compreender melhor um assunto tão difícil Stein (2006) faz uma comparação bastante didática:

“Os complexos têm energia e manifestam uma espécie de “rodopio” eletrônico próprio como os elétrons que rodeiam o núcleo de um átomo. Quando são estimulados por uma situação ou evento, soltam uma rajada de energia e pulam sucessivos níveis até chegarem à consciência. Essa energia penetra na concha da consciência do ego e inunda-a, influenciando-a assim para rodopiar na mesma direção e descarregar parte da energia emocional que foi liberada por essa colisão. Quando isso acontece, o ego perde por completo o controle da consciência ou, quanto a isso, o do próprio corpo. A pessoa fica sujeita a descargas de energia que não estão sob o controle do ego. O que o ego pode fazer, se for suficientemente forte, é conter em si mesmo parte da energia do complexo e minimizar assim os súbitos impulsos emocionais e físicos.”

Esse núcleo onde “rodopia” o complexo é o arquétipo. Ele é a base do complexo. Por isso existe uma infinidade de complexos, pois existem inúmeros arquétipos.

Nossa psique, então, é composta de muitos centros, cada um deles possuidor de energia e até de alguma consciência e intenção próprias.

Mas como lidar com os complexos que nos tomam?

O ego da maioria das pessoas é normalmente capaz de neutralizar, em certa medida, os efeitos de complexos. Essa capacidade serve aos interesses da adaptação e até da sobrevivência.

Por exemplo, na vida profissional, é essencial que coloquemos de lado os complexos pessoais no interesse do bom desempenho de suas tarefas. Os psicoterapeutas precisam ser capazes de colocar em segundo plano suas próprias emoções e conflitos pessoais quando estão atendendo seus pacientes. Para que sua presença seja eficaz em face de um paciente cuja vida está em total desordem, o terapeuta deve manter-se calmo e frio, ainda que esse seja um momento de caos na sua própria vida.

No entanto, não conseguimos anular por completo o efeito dos complexos e por isso é necessário muito autoconhecimento para conhecermos aquilo que nos toca profundamente e causa emoções fortes e descontroladas.

Conforme Jung (2000) os complexos constituem objetos da experiência interior e não podem ser encontrados em plena luz do dia, na rua ou em praças públicas. É dos complexos que depende o bem-estar ou a infelicidade de nossa vida pessoal. Por isso é tão importante estar ciente deles. Até porque os complexos não são totalmente de natureza mórbida, mas manifestações vitais próprias da psique, seja esta diferenciada ou primitiva.

Portanto conhecer nossos complexos nos auxilia também a conhecer nossas potencialidades e talentos.

Referências

JUNG, C. G. A Natureza da Psique.  Petrópolis: Vozes, 2000.

STEIN, M. Jung – O Mapa da alma – Um Introdução. São Paulo: Cultrix, 2006.

Compartilhe este conteúdo:

O Corvo – Conto dos irmãos Grimm

Compartilhe este conteúdo:
opening-titles-10-1024
Retirado de: drunkwookieblog.wordpress.com

Houve, uma vez, uma rainha cuja filhinha pequena, ainda de colo, era impertinente até não se aguentar. Certo dia, a menina estava tão mal humorada que era impossível aturá-la; a mãe lançou meio de todos os recursos para acalmá-la, mas em vão.

Querendo distraí-la, a rainha abriu a janela e, vendo alguns corvos esvoaçando em volta do castelo, disse, num assomo de impaciência:

– Gostaria que fosses um corvo, pelo menos estarias voando e brincando lá com os outros e me deixarias em paz.

Mal acabou de pronunciar essas palavras, eis que a menina se transformou, subitamente, num corvo e saiu dos braços da mãe pondo-se a voar pela janela fora. Foi voando diretamente para a floresta, onde ficou durante muito tempo e seus pais nada mais souberam dela.

Passados alguns anos, certo dia um jovem atravessava a floresta e, de repente, ouviu uma voz; olhou para todos os lados sem descobrir ninguém. A voz tornou a fazer-se ouvir, então olhando naquela direção, viu, pouco distante, um corvo e compreendeu que era ele quem estava falando.

– Escuta, meu jovem, – dizia o corvo; – eu sou filha de um rei e alguém me encantou, transformando-me em corvo. Tu, se quisesses, poderias libertar-me!

– E que devo fazer para isso? – perguntou o jovem.

– Continua andando sempre para diante na floresta; lá ao longe, encontrarás uma casinha habitada por uma velha. Ao chegares lá, ela te virá ao encontro e te oferecerá de comer e beber, mas nada aceites; pois, se comeres ou beberes alguma coisa, cairás em sono profundo e perderás a oportunidade de me libertar. No jardim atrás da casa, há um montículo de tufo, senta-te lá em cima e fica esperando por mim. Durante três dias, às duas horas da tarde, chegarei numa carruagem. No primeiro dia, a carruagem virá puxada por quatro cavalos brancos; no segundo dia, por quatro cavalos alazões, e no terceiro dia, por quatro cavalos negros. Porém, se não estiverdes acordado e eu te encontrar dormindo, não me poderei libertar.

O jovem prometeu fazer tudo quanto ela lhe pedia, mas, ao despedir-se, o corvo disse, suspirando:

– Prevejo que não me libertarás; acabarás por aceitar qualquer coisa da velha e cairás em sono pesado!

O jovem protestou, dizendo que nada aceitaria e, mais uma vez, reiterou promessa de ajudá-la. Mas quando chegou à casa indicada, saiu de dentro a velhinha, dizendo:

– Ah, pobre homem! Como estás esfalfado! Descansa um pouco e come alguma coisa para refazer as forças.

– Não, – disse o homem, – não quero comer nem beber nada.

A velha, porém, insistiu com muita habilidade até que, sem jeito de continuar recusando, o homem aceitou um gole de bebida. Depois agradeceu e foi postar-se no monte de tufo a fim de aguardar a chegada do corvo. Assim que sentou, foi tomado de tal canseira que teve de deitar-se um pouco para descansar, mas com a firme intenção de não se deixar vencer pelo sono. Os olhos, porém, logo se lhe fecharam e ele caiu em sono tão pesado que nada deste mundo conseguiria acordá-lo. Às duas horas em ponto, chegou o corvo, na bela carruagem puxada por quatro cavalos brancos, mas vinha muito triste, dizendo para si mesmo: eu sei que o encontrarei dormindo! De fato, quando chegou ao jardim viu que ele estava dormindo realmente. Então, desceu da carruagem e, aproximando-se dele, sacudiu-o várias vezes, chamando-o em voz alta, mas em vão; o homem não acordou.

No dia seguinte, ao meio-dia, a velha foi levar-lhe comida e bebida mas ele não queria aceitar nada; contudo, a velha tanto fez e tanto disse que ele acabou por beber um pouco do copo que ela lhe apresentava. Por volta das duas horas, ele dirigiu-se ao monte de tufo no jardim a fim de aguardar o corvo; mas, também dessa vez, a canseira era tão grande que não conseguia ficar de pé, obrigando-o a deitar-se. Imediatamente, ferrou em sono profundo. As duas horas, chegou o corvo na carruagem puxada por quatro cavalos alazões; vinha tristonho, pois sabia que o encontraria dormindo. Desceu da carruagem e tentou despertá-lo; chamou-o, sacudiu-o, em vão; nada o despertava.

No dia seguinte, a velha censurou-o porque não queria comer nem beber, dizendo:

– Onde já se viu, passar tanto tempo sem comer nem beber! Quer por acaso morrer?

O homem continuava a recusar tudo; a velha, porém, colocou em frente um prato bem cheio de comida e um copo de vinho; ao sentir aroma tão apetitoso, o homem não resistiu e bebeu um gole de vinho. Em seguida, foi ao jardim a fim de aguardar a princesa encantada; mas sentiu ainda maior cansaço que nos dias precedentes; então, deitou-se um pouco e não tardou a adormecer como uma pedra. As duas horas, chegou o corvo na carruagem puxada por quatro cavalos pretos; desceu dela e fez o impossível para despertá-lo; sacudiu-o, chamou-o, inutilmente. Então, colocou junto dele um pão, um pedaço de carne e uma garrafa de vinho, que tinham a propriedade de nunca acabar. Depois, enfiou-lhe no dedo um anel, dentro do qual havia o seu nome gravado e, por último, deixou-lhe uma carta, explicando direitinho tudo o que lhe deixava e tudo o que havia acontecido, dizendo mais: “vejo bem que aqui não és capaz de me libertar; contudo, se desejas realmente fazê-lo, vem ter comigo no castelo de ouro de Stromberg. Podes bem fazê-lo, eu sei com toda a certeza.” Em seguida, voltou para a carruagem coberta de luto e rumou, velozmente, para o castelo de ouro de Stromberg. Assim que acordou, percebendo que dormira bastante, o jovem ficou extremamente aflito e murmurou:

– Certamente ela já passou por aqui e deve ter ficado aborrecida, pois não a libertei!

Nisso, caiu-lhe sob o olhar as coisas aí deixadas; pegou imediatamente na carta e leu o que continha; assim ficou sabendo o que acontecera e, também, o que ainda podia fazer. Levantou-se depressa e pôs-se a caminho em procura do castelo de ouro, embora não sabendo onde o mesmo se situasse. Já havia corrido mundo a valer, quando chegou a uma floresta muito densa; vagueou por ela durante quinze dias sem encontrar o caminho de saída. Uma tarde, em que as sombras da noite baixavam muito rapidamente, deixou-se cair junto de uns arbustos, para descansar, pois já não podia mais de tão cansado, e não tardou a adormecer. Pela manhã do dia seguinte, continuou a perambular e, ao anoitecer, quis novamente deitar-se ao pé de uma moita para descansar e dali a pouco ouviu gemidos e lamentos tão altos que o impediram de dormir. Na hora em que é costume acenderem-se as luzes, ele viu uma luzinha brilhando não muito distante; levantou-se depressa e dirigiu-se em sua direção. Andou um pouco e chegou a uma grande casa que, de longe, porém, parecia pequena, porque estava meio escondida atrás de um gigante. O jovem estacou, pensando: “Se entras e o gigante te descobre, és um homem liquidado!” Todavia, armando-se de coragem, foi-se aproximando. Assim que o gigante o viu, gritou:

– Oh, chegas em boa hora; já faz muito tempo que não como nada! Vou engulir-te já como jantar.

– Deixa disso, – respondeu o jovem, – não gosto de ser engolido; se queres comer tenho aqui o bastante para te satisfazer o apetite.

– Se é verdade o que dizes, então podes ficar sossegado que não te comerei; falei em engolir-te porque estou com muita fome e nada tenho para comer.

Sentaram-se à mesa e o homem pôs-se a servir pão, carne e vinho até não acabar mais.

– Gosto muito disto, – disse o gigante, e comeu à vontade.

Daí a pouco o jovem perguntou:

– Podes indicar-me onde fica o castelo de ouro de Stromberg?

– Vou procurar no mapa que tem todas as cidades, aldeias e casas. Foi ao quarto buscar o mapa e procurou o castelo, mas não constava.

– Não importa, – disse o gigante, – tenho outros mapas mais completos lá no armário; talvez encontremos o que procuras.

Procuraram inutilmente, o castelo não constava. O homem queria continuar o caminho, mas o gigante pediu- lhe que esperasse ainda alguns dias, até seu irmão voltar; não demoraria, fora aí por perto em busca de víveres.

Quando o irmão do gigante voltou, perguntaram-lhe se sabia onde ficava o tal castelo; ele respondeu:

– Depois do almoço, quando matar a fome, procurarei no mapa.

Mais tarde subiram os três ao quarto do segundo gigante e procuraram em todos os mapas aí existentes, em todos os velhos papéis, e tanto procuraram que acabaram por descobrir o castelo de Stromberg. Mas ficava a muitas e muitas milhas de distância.

– Ah, – disse tristemente o jovem, – como poderei chegar lá?

– Eu tenho duas horas de tempo disponíveis, – disse o gigante, – posso levar-te só até às vizinhanças, porque preciso estar de volta logo para amamentar o menino que temos.

287015_Papel-de-Parede-Corvo-Arte-Digital_1920x1080
Retirado de: ultradownloads.com.br

Assim fizeram. O gigante levou-o até um lugar que ficava a duzentas horas do castelo, dizendo que o resto do caminho podia fazê-lo sozinho. Com isso voltou, e o homem continuou a andar dia e noite até que por fim chegou ao castelo de ouro de Stromberg. O castelo porém, fora construído sobre uma montanha toda de vidro. A princesa encantada tivera de percorrer, em volta, toda a montanha até poder entrar. O homem ficou muito contente vendo-a lá e queria subir até ela, mas, cada vez que tentava subir, tornava a deslizar pelo vidro abaixo. E, vendo que não o conseguia, pensou consigo mesmo: “ficarei esperando por ela aqui em baixo.” Então, construiu uma pequena cabana e ficou aí um ano inteiro; todos os dias avistava a princesa passeando de carruagem no alto da montanha, mas ele não podia ir ter com ela. Certo dia, estando na choupana, viu três bandidos brigando e se esmurrando; então gritou-lhes:

– Deus esteja convosco!

Ao ouvir esse grito os bandidos estacaram, olhando de um lado para outro, mas, não vendo ninguém, recomeçaram a esmurrar-se com mais vigor. O homem gritou pela segunda vez:

– Deus esteja convosco!

Os bandidos tornaram a olhar em volta, mas, não vendo ninguém, voltaram à luta. O homem gritou pela terceira vez:

Deus esteja convosco! – pensando: “vou lá ver por que é que estão se esmurrando.”

Foi e perguntou aos bandidos a razão daquela luta; então um deles disse que tinha achado um pau que tinha o poder de abrir qualquer porta em que batesse. O segundo disse que tinha achado um capote e quem o vestisse se tornaria invisível, e o terceiro disse que tinha achado um cavalo com o qual era possível ir a qualquer lugar, mesmo ao cimo da montanha de vidro. E agora estavam brigando porque não chegavam a um acordo: não sabiam se ficar com os objetos em comum, ou reparti-los e cada qual ir-se com o seu achado. O homem então propôs:

– Eu quero fazer uma troca com esses objetos; dinheiro, na verdade, não tenho; mas possuo algo que vale muito mais. Antes porém, quero experimentar se o que dissestes é realmente certo.

Os três bandidos aceitaram a proposta. Deixaram- no montar no cavalo, vestiram-lhe o capote e puseram-lhe na mão o pau; de posse de tudo isso, o homem tornou-se invisível; então pegou no pau e espancou valentemente os três bandidos, gritando: – Ai tendes o que mereceis, seus vagabundos! Estais satisfeitos?

E saiu a correr pela montanha acima; quando chegou ao alto, encontrou o portão do castelo fechado; bateu-lhe com o pau e logo ele se escancarou. Entrou e subiu as escudas indo até onde se encontrava a princesa, que estava sentada numa sala, tendo em frente uma taça de ouro cheia de vinho. Como, porém, ele estivesse com o capote mágico que o tornava invisível, ela não podia vê-lo; por isso, chegando à sua presença, o homem tirou do dedo o anel que ela lhe dera e atirou-o dentro da taça, que tilintou. A princesa exclamou alegremente:

– O meu anel!… O jovem que me vem libertar deve estar aí!

Correu a procurá-lo por todo o castelo sem conseguir encontrá-lo. Ele saíra do castelo e, montando no cavalo, despira o capote. Quando a princesa foi lá fora deu com ele e ficou radiante de alegria.

Descendo do cavalo, o jovem tomou a princesa nos braços e ela beijou-o muito feliz, dizendo:

– Agora me libertaste do encanto; amanhã realizaremos nosso casamento.

__________________________________________________________________________

ravens_16516_lg
Retirado de: fairytalelandstories.wordpress.com

Esse conto mostra o motivo de redenção da princesa de sua forma animal, mostra o tema do sono paralisante, mas sendo aqui o masculino que dorme e como atua o complexo materno negativo na psique feminina e masculina.

Vou iniciar a análise do conto com a questão do complexo materno negativo. Conforme Jung (2008) o arquétipo materno é a base do chamado complexo materno. Nos contos de fadas vemos os arquétipos em sua forma mais concisa e pura (VON FRANZ, 2005). Por essa razão temos nas bruxas, madrastas e mães terríveis o lado negativo do arquétipo materno.

No inicio do conto é a própria mãe que usa enfeitiça a filha. A mãe profere as palavras e a transformação ocorre. Em termos pessoais, vemos manifesto na psique da mulher um complexo materno negativo. Essa mulher então desenvolverá uma defesa muito forte contra tudo o que é materno.

Confome Jung (2008):

“Todos os processos e necessidades instintivos encontram dificuldades inesperadas; a sexualidade não funciona ou os filhos não são bem-vindos, ou os deveres maternos lhe parecem insuportáveis, ou ainda as exigências da vida conjugal são recebidas com irritação e impaciência.”

Vê-se no inicio do conto que a rainha tem dificuldade na questão maternal. Ela não consegue aguentar impertinência infantil. Seu instinto materno é ferido. E a mulher com esse lado ferido irá passar isso para sua filhinha, como forma de maldição. Ela não reconhece seu valor enquanto mulher e acaba transmitindo isso para a filha. A maldição é que esse tipo de mulher precisa de uma grande quantidade de calor e atenção, que não encontraram como convinham em suas mães. Elas são suscetíveis e se sentem e constante estado de estarem sendo abandonadas.

the_seven_ravens_by_dunechampion-d3d3ayj
Retirado de: cadernodepoesiaseafins.blogspot.com

A maior dificuldade está em superar a ferida e o ressentimento. Carl Jung (2008) ressalta que ela casar-se por acaso, seu casamento serve apenas para livrar-se da mãe ou então o destino lhe impinge um marido com traços de caráter semelhantes ao da mãe.

O conto então mostra como a mulher com complexo materno negativo pode atravessar uma jornada iniciática e desenvolver sua personalidade entrar em um relacionamento de forma mais plena e inteira. Esse aspecto negativo do arquétipo materno irá reaparecer no conto na forma da velha que lança o feitiço do sono no rapaz.

Rainha e velha mostram o aspecto sombrio do feminino. O aspecto imperfeito da mãe natureza negligenciado pela consciência coletiva e que refletem nas mães pessoais. O rapaz também possui um complexo materno que o deixa paralisado em sua masculinidade e ação.

Esse conto então mostra uma iniciação dupla, pois ambos caem em maldição. A princesa que procurou seu salvador também terá de salvá-lo. Esse conto mostra tanto uma jornada feminina, quanto uma masculina que também está amaldiçoada. Aqui anima e animus se encontram também sob os domínios do arquétipo sombrio da mãe.

Sobre o corvo é interessante ressaltar que se trata de um animal que simboliza a morte, a solidão, o azar, o mau presságio. Mas, pode simbolizar a astúcia, a cura, a sabedoria, a fertilidade, a esperança. Essa ave está associada ao profano, à magia, à bruxaria e à metamorfose.

Vemos aqui um simbolismo profano e pagão que foi reprimido pelo cristianismo. A bruxaria e a magia na verdade se tratavam de um conhecimento da terra e não do alto; o conhecimento das ervas e dos elementos. Na verdade o corvo sempre teve uma conotação positiva para as tradições da antiguidade. O cristianismo foi um dos propulsores da acepção negativa atribuída ao corvo e, atualmente, espalhada pelo mundo. Desde então, para esse animal necrófago (que se alimenta de carne putrefata) é considerado como mensageiro da morte e então associado ao mal.

Isso mostra a maturidade do Ocidental cristão diante da morte. Na Mitologia Grega, o corvo era consagrado a Apolo, e para eles essas aves desempenhavam o papel de mensageiro dos deuses visto que possuíam funções proféticas. Por esse motivo, esse animal simbolizava a luz uma vez que para os gregos, o corvo era capaz de conjurar a má sorte.

Na Mitologia Nórdica, encontramos o corvo como o companheiro de Odin (Wotan), deus da sabedoria, da poesia, da magia, da guerra e da morte. Na Mitologia Escandinava, dois corvos aparecem empoleirados no Trono de Odin: “Hugin” que simboliza o espírito, enquanto “Munnin” representa a memória; e juntos simbolizam o princípio da criação.

Toda essa sabedoria foi perdida com o desenvolvimento de nosso lado racional, intelectual, pois com o advento do Cristianismo o homem moderno passou a ter uma atitude bastante infantil diante do mal, do feminino e da morte. Reprimimos nossa intuição e passamos a desconhecer os ciclos da vida, onde a morte e a putrefação o corpo ocorrem.

Além disso, na Índia, a caça ao corvo é proibida, já que essa ave representa a alma dos mortos, e dar de comer a um corvo significa alimentar os antepassados (Paz, 1995). Sozinha então a princesa, carrega em si a alma de seus antepassados, fazendo não apenas uma redenção pessoal, mas uma coletiva e familiar.

Ela pede ajuda a um jovem (animus) que enfrenta a velha (arquétipo materno negativo). Pois, bem para ajudar a princesa ele deve ir à casa da velha e não comer nada durante a estadia lá. Mas ele falha e por três vezes a princesa parece e ele está dormindo. Ela prevê que isso iria ocorrer e mesmo assim continua sua jornada, sabendo que a falha dele faz parte de sua iniciação e redenção.

Essa é uma compreensão difícil para um ego imaturo. Queremos resultados rápidos e instantâneos e temos pouca consideração pela falha, principalmente quando se trata de relacionamentos. Saber que se está no caminho certo, mesmo diante de obstáculos e desafios e mesmo assim manter a integridade e a certeza é um empreendimento para poucos.

NigredoAlbedoRubedo copia
Retirado de: themaskofgod.blogspot.com

Ela chega a primeira vez com uma carruagem com quatro cavalos brancos, depois com cavalos alazões (avermelhado) e por fim com cavalos pretos. Temos aqui alusões a uma transformação alquímica que ocorre com o sono do jovem. O número quatro para Jung está associado a totalidade. O cavalo está associado ao instinto sexual, libido. Suas acepções simbólicas são provenientes de figuras lunares, em que associa a Terra ao seu papel de mãe suprema, e à Lua, por isso relaciona-se com a vegetação, as renovações cíclicas, a sexualidade, os sonhos e as adivinhações.

O branco, o vermelho e o preto fazem uma alusão as fases alquímicas denominadas: albedo, rubedo e nigredo. A Albedo é um estado de paz, paradisíaco, de inocência. Simboliza a purificação. No entanto, esse estado não é passível de durar, pois é irreal. Representa a brancura, o clareamento, o entendimento, o conhecimento, a tranqüilidade. Mas essa fase não deve durar para sempre, ela deve ser colorida por outra cor, para incitar vida.

A Rubedo é a fase do vermelho, que significa vida, paixão e fogo. É a libido em atuação plena. Simboliza a iluminação, pois passar pelo fogo é deixar queimar as escórias que ainda existem. A Nigredo significa a ignorância e o acordar, bem como as fases críticas, como nascimento e morte, ou as transformações que o corpo sofre na transição entre a infância e a adolescência e, ou deste a jovem e daí à clássica crise dos quarenta ou à velhice. Psicologicamente está associada à morte, mas a morte das ilusões egóicas.

Durante vidas nos identificamos a uma infinidade de conceitos e costumamos tomá-los como verdade absoluta; rígida e estática. Na Nigredo há a morte desses apegos ilusórios e padrões que já não nos servem mais. Isso significa que a consciência entra então na Nigredo, na noite escura da alma. A moça deixa para o rapaz uma garrafa de vinho, um pedaço de pão e carne. E lhe escreve dizendo que esse alimento era inesgotável. Esta parece ser uma alusão ao mito de Cristo e a Santa Ceia, onde comemos o pão e a carne, que simbolizam a carne e o sangue de Cristo. E assim foi instituída a eucaristia.

Aqui então temos uma alusão ao alimento espiritual, onde se alimenta do próprio Deus. Além do Cristianismo, nos Mistérios Eleusinos, os adeptos consumiam o pão, alimento associado à Deméter (a deusa arquetípica do poder materno da terra), e o vinho – associado a Dioniso – a bebida divina que eleva a pessoa, mediante a embriaguez extática, a um estado de júbilo que a destacava de sua condição comum do cotidiano, ou, em outras palavras, a eleva a uma fusão com o divino; tal experiência sagrada seria proporcionada pela ação dionisíaca.

Isso representa a assimilação da potência simbólica da divindade. Em termos psicológicos é o contato com o Self. O rapaz ao se alimentar anteriormente cai no sono, pois aquele alimento não o satisfaz. Isso significa que enquanto a consciência se alimenta de algo transitório, como os desejos egóicos, ela cai no sono da inconsciência e se sente constantemente insatisfeita. O propósito advém desse centro da totalidade.

Ela lhe da um anel com seu nome. O anel também é um símbolo do Self e simboliza o casamento, o compromisso que ele precisa estabelecer com a anima. Após isso ele sai em busca dela e segue em direção ao castelo de ouro de Stromberg. Aqui temos um caso de redenção dupla. A princesa enfeitiçada precisa libertar seu salvador, para que ele possa cumprir sua missão. O herói nesse caso precisa antes da ajuda da anima, pois ele ainda se encontra preso a um complexo materno, onde a anciã lhe oferece prazer. Esse prazer infantil o deixa na preguiça e na inconsciência.

Ele então encontra um gigante que quer devorá-lo. Ele lhe dá a comida e o gigante lhe indica o caminho até a princesa. Os gigantes representam a natureza em estado selvagem, em seu estado primitivo antes de ter sido anexada à civilização. É a força da natureza que pode ser destrutiva, pois gigantes são muitas vezes desajeitados e mal-intencionados. Representa então a força da nossa própria natureza que foi reprimida e renegada. Nossa parte destrutiva, devoradora, desajeitada, mas que possui muita força.

2015 Outubro 02 Alquimia IMG 12
Retirado de: maiconttamps.blogspot.com

E o herói faz dessa parte de sua natureza sua amiga, pois o gigante não comia, ou seja, a consciência parou de alimentar esses aspectos e assim ele se tornou perigoso. Então o gigante lhe indica o caminho do castelo. Ele passa a viver ao sopé da montanha a espera do momento certo, e aguarda por um ano. Até que ele engana três ladrões e adquire um cajado que abre as portas, capa que o torna invisível e o cavalo que vai a qualquer lugar. E assim culmina na libertação e casamento.

O número três se repete nesse conto, e em outros contos também é bem recorrente. O três é o número da salvação, resolução harmônica do conflito da queda, é o desdobramento do Uno em trindade. Isso significa que em cada alma humana, existe a possibilidade de salvação. Aqui Logos – animus e Eros – anima se encontram em conflito. O Logos preso no complexo materno e imaturo e Eros amaldiçoado pelo mesmo complexo materno disfuncional.

Um ano – tempo que o salvador aguarda – simboliza os 12 meses do ano. Na Astrologia, o tempo que o Sol leva para passar pelas 12 casas zodiacais. Isso significa passar por uma iniciação e realizar um ciclo de conhecimento da vida. O amadurecimento que antes não havia. Apenas após aprender os mistérios da vida nos 12 meses, ele está apto a agir.

REFERÊNCIAS:

EDINGER, E.F. – Anatomia da psique: O simbolismo alquímico na psicoterapia. São Paulo, Cultrix: 2006.

JUNG, C. G. Os arquétipos e o inconsciente coletivo. 6. ed. Petrópolis: Vozes, 2008.

PAZ, N. Mitos e ritos de iniciação nos contos de fadas. Cultrix – Pensamento. São Paulo: 1995.

VON FRANZ, M. L. A interpretação dos contos de fada. 5 ed. Paulus. São Paulo: 2005.

Compartilhe este conteúdo:

Carl Gustav Jung – Anima e Animus

Compartilhe este conteúdo:

cats

 Os termos anima e animus são amplamente conhecidos por aqueles que estudam, ou apreciam, a teoria de Carl Jung.

Para entendermos esses termos é importante lembrar que todos nós carregamos uma quantidade pequena de hormônios do sexo oposto em nosso organismo.

Consciente disso, Carl Jung teve a percepção de que todos nós também carregamos em nossa psique nossa contraparte sexual, e nelas estão encerradas as qualidades inerentes ao sexo oposto, mas que não são conscientes. Jung percebeu também que conforme os traços psicológicos de cada indivíduo, as tendências do sexo oposto vão sendo reprimidos e se acumulando no inconsciente.

Anima e animus foram então definidos para designar essas partes reprimidas do sexo oposto em nossa psique. Sendo a anima a contraparte feminina da psique do homem e animus a contraparte masculina na psique da mulher.

Jung (o eu e o inconsciente) diz que a anima, sendo feminina, é a figura que compensa a consciência masculina. Na mulher, a figura compensadora é de caráter masculino e pode ser designada pelo nome de animus.

As palavras anima e animus vêm do latim animare, que significa animar, avivar. Pois tanto a anima quanto o animus se assemelham a espíritos e alma vivificadores para homens e mulheres.

Entramos em contato com a anima e o animus com a projeção sobre uma pessoa do sexo oposto. São eles os responsáveis pela paixão súbita e a sensação de destino que isso acarreta. Por essa razão, o ato de se apaixonar é tão vivificante para as pessoas.

A anima está ligada à emotividade e a capacidade para proximidade e receptividade do homem. Já o animus está ligado às convicções, opiniões e princípios da mulher. Ela é responsável pelo Eros e ele pelo Logos.

Anima e animus precisam ser desenvolvidos, pois eles são personificações o inconsciente. E quando afloram à consciência suscitam no homem e mulher qualidades irritantes e desagradáveis. Não que o inconsciente tenha essas características, mas quando eles começam a influenciar a consciência se apresentam ainda como uma personalidade parcial e ainda não refinada e primitiva. O animus se apresenta como um homem inferior e primitivo, e a anima como uma mulher inferior.

UNION-bom
Retirado de: unusmunduspsicologia.blogspot.com

Assim como a sombra eles precisam ser compreendidos, reconhecidos e integrados.

No homem a anima suscita caprichos ilógicos e humores intoxicantes. Ele se torna hiper sensível.

O animus negativo na mulher suscita opiniões ilógicas. Ela se torna arrogante e prepotente, mesmo que ela não queira transparecer isso. Ela fica cheia de opiniões insensatas e obstinadas. Suas opiniões não exprimem o essencial, só conceitos vazios e destituídos de sentido. É como se estivesse tomada por um juiz arbitrário, e tentar convencê-la de que suas opiniões não possuem fundamento é apenas dar murro em ponta de faca.

No entanto, esses aspectos psíquicos precisam ser desenvolvidos. Eles precisam se tornar guias interiores para o desenvolvimento psíquico do ego humano.

Esse outro interior, esse “não eu”, simboliza a nossa alma, aquilo que de mais profundo temos em nós, por isso são tão inspiradores. Essas imagens internas precisam ser integradas e compreendidas, a fim e que se tornem parceiros invisíveis e apoiadores de nossa jornada e não

O animus quando se apropria de uma mulher, age como um demônio e a anima ao se apropriar do homem se comporta como uma bruxa manipuladora, ou como uma sereia sedutora, mas destruidora.

O animus destrói os relacionamentos e os valores do Eros. A anima destrói a auto-estima do homem, sua virilidade, objetividade e poder de decisão. Ele se torna extremamente sensível e perturbado.

Essas más disposições podem levar o homem a vícios, como alcoolismo e drogas, ou a depressão profunda. E em casos mais graves ao suicídio.

Espiral da Vida II

Isso acontece devido à falta de percepção e desvalorização do homem em relação ao feminino, e do desconhecimento da mulher do seu lado masculino. Atualmente observo também, uma supervalorização do aspecto masculino que leva a mulher a uma identificação igualmente perigosa com ele.

Uma das formas de conhecer a anima e o animus para que eles possam se desenvolver é através do relacionamento com a mulher e o homem reais.

O relacionamento com pessoas reais podem apontar essas disposições negativas, como os humores opressivos do homem e a falta de calor e afeto da mulher.

A mulher interior e o homem interior podem mostrar que não estão gostando da forma como o homem e a mulher estão levando suas vidas. Eles podem estar sendo lesados e assim as pessoas se distanciam de sua alma.

Ambos precisam de manifestação, precisam se manifestar na vida humana. E a única maneira de isso acontecer é por meio do tipo de vida do homem e da mulher exterior.

Portanto anima e animus podem mudar completamente o rumo de nossas vidas. Se nos dispusermos a escutá-los e nos abrirmos a esses ensinamentos, podemos ter uma vida mais plena de sentido.

Compartilhe este conteúdo:

Carl Gustav Jung e a importância psicológica dos mitos

Compartilhe este conteúdo:

 

http://encenasaudemental.com/post-destaque/carl-gustav-jung-e-os-tipos-psicologicos/

É de nosso amplo conhecimento que os povos antigos, principalmente que marcaram de forma intensa a humanidade, como os Gregos, Egípcios, entre outros, possuíam a sua própria mitologia, povoada de deuses com diversas funções diferentes.

Cada mitologia demonstra a forma como cada uma dessas civilizações pensava a respeito de suas origens e também como imaginavam a estrutura fundamental de sua existência. A Mitologia está muito próxima da Cultura da civilização a qual pertence, revelando assim os processos psíquicos, não apenas da humanidade, mas da civilização a qual pertence.

Conforme Carlos Byington, os mitos nos mostram os caminhos que percorrem a Consciência Coletiva de uma determinada civilização durante a sua formação, e também a delineação do mapa do tesouro cultural através do qual a Consciência Coletiva de um povo pode, a qualquer momento, voltar para realimentar-se e continuar se expandindo.

8430mino
Retirado de: procrastination.com.br

Conforme Campbell (1990) os mitos nos trazem a percepção das ideias simbólicas e alegóricas e não são histórias literais. Não se apreende o mito via intelecto, pois o mito fala a linguagem da alma.

Eles também não são arquétipos puros, pois os arquétipos não são apreendidos pela consciência. Contudo, eles dão formas aos arquétipos, fornecendo uma roupagem a eles de forma que a consciência possa assimiliar o conteúdo. Os arquétipos não podem ser contatados diretamente pela psique, pois no inconsciente coletivo eles não possuem formas definidas.

Os mitos “transmitem mais do que um mero conceito intelectual, pois, pelo seu caráter interior, eles proporcionam um sentido de participação real na percepção da transcendência”.

Transpondo para o nível individual pode-se afirmar que os mitos nos levam a experiência de nos sentirmos vivos. Traz-nos a sensação de que nossa vida no plano físico tem ressonância com nosso mundo interior, aquele mundo que habita nosso ser mais profundo.

Conforme Campbell (1990):

“Quando a história está em sua mente, você percebe sua relevância para com aquilo que esteja acontecendo em sua vida. Isso dá perspectiva ao que lhe está acontecendo. Com a perda disso, perdemos efetivamente algo, porque não possuímos nada semelhante para pôr no lugar. Esses bocados de informação, provenientes dos tempos antigos, que têm a ver com os temas que sempre deram sustentação à vida humana, que construíram civilizações e enformaram religiões através dos séculos, têm a ver com os profundos problemas interiores, com os profundos mistérios, com os profundos limiares da travessia, e se você não souber o que dizem os sinais ao longo do caminho, terá de produzi-los por sua conta. Mas assim que for apanhado pelo assunto, haverá um tal senso de informação, de uma ou outra dessas tradições, de uma espécie tão profunda, tão rica e vivificadora, que você não quererá abrir mão dele.”

O estudo da Mitologia dos diversos povos nos faz conhecer um pouco melhor os processos psíquicos do inconsciente coletivo. Em termos individuais a Mitologia fornece uma base para o estudo dos sonhos, pois ambos são expressões da atividade inconsciente.

A Mitologia então fornece um material comparativo, fornecendo analogias para os processos que se distinguem da vida cotidiana e que ocorrem em nossos sonhos, em sincronicidades e em fantasias.

Portanto com o conhecimento da Mitologia, o analista consegue auxiliar o paciente a encontrar uma resposta ao que, de outro modo, poderia parecer um indecifrável enigma.

tumblr_mpku2sRTOW1swfs7to1_1280
Retirado de: portal-dos-mitos.blogspot.com

Nossa sociedade Ocidental é intensamente afetada pela Mitologia Grega, que com seu panteão aponta para o caminho de desenvolvimento do individuo no ocidente. Além disso, o brasileiro é fortemente afetado em seu inconsciente pelos mitos indígenas e africanos, que povoam nosso imaginário de forma marcante.

Conhecer e buscar o significado desses mitos que dão base a nossa sociedade nos auxilia em nossa jornada enquanto Ocidentais e brasileiros. E de forma individual cada imagem arquetípica se associa a vivências, dons e determinados problemas associados aos deuses mitológicos.

Quando nos identificamos e reconhecemos esses dinamismos atuando em nós, diminui nossa presunção de sermos o centro e alcançamos um significado que emerge das profundezas de nossa alma, nos auxiliando em nossas escolhas de forma mais satisfatória e coerente com a nossa estrutura psíquica. Ou seja, o mito traz o símbolo que une a consciência e o inconsciente, o que traz uma satisfação e um sentido de paz de espírito imenso.

Referências:

BOLEN, J. S. Os deuses e o homem: uma nova psicologia da vida e dos amores masculinos. São Paulo: Paulus, 2002.

CAMPBELL, J. O Poder do Mito. São Paulo: Palas Athena, 1990.

Compartilhe este conteúdo:

Carl Gustav Jung e os Tipos Psicológicos

Compartilhe este conteúdo:

cats

 Em 1921, Carl Jung escreveu a obra Tipos Psicológicos e trouxe para a humanidade termos usados até hoje.

É comum definirmos pessoas como extrovertidas e introvertidas, pois todos nós conhecemos pessoas fechadas, ariscas, difíceis de conhecer (introvertidos) e pessoas abertas, sociais, joviais e que sempre estão se relacionando (extrovertidos).

Conforme Carl Jung (1991), extroversão e introversão mostram tipos gerais de atitudes, e elas se distinguem pela direção de interesse e movimento da libido, ou seja, da energia psíquica. Em outras palavras, a atitude da consciência será determinada pela direção de interesse em relação ao objeto. Por objeto, entendemos tudo aquilo que não é o sujeito e que não se liga a pessoa e seu mundo interior, seus desejos e seus medos, incluindo pessoas e estímulos externos.

Os introvertidos são aqueles que hesitam, recuam e enxergam o contato com o objeto com receio e como se fosse algo pesado, massacrante. O mundo externo os desgasta e isso faz com que ajam de forma a atribuir ao objeto um superpoder.

Já os extrovertidos partem rápido e de forma confiante ao encontro do objeto. Aparentemente o objeto tem para ele uma importância enorme, mas no fundo o objeto não tem tanto valor assim e por isso é necessário aumentar a sua importância.

avatar
Retirado de: oglobo.globo.com

Resumindo, conforme Silveira (1981) na extroversão a libido fui sem embaraços ao encontro do objeto. Na introversão a libido recua diante do objeto, pois este parece ter sempre em si algo de ameaçador que afeta intensamente o individuo.

Jung tentou, com isso, ilustrar como a consciência se mostrava na prática e como atuava de forma diferente nas pessoas. Não é possível manter as duas atitudes, elas são excludentes. No entanto, é positivo e saudável fazer o uso das duas atitudes.

Nessa obra Jung também definiu as funções psíquicas da consciência: sensação, pensamento, sentimento e intuição. Por função psíquica, entende-se a atividade da psique que apresenta uma consistência interna e que estabelece habilidades, aptidões e tendências no relacionamento do indivíduo com o mundo e consigo mesmo.

Essas quatro funções são classificadas em dois grupos: Irracionais e Racionais.

As irracionais são: Sensação e Intuição. E as racionais: pensamento e sentimento.

A função Sensação privilegia os órgãos dos sentidos; é a função da percepção da realidade. Ela nos diz que algo existe.

Todos nós possuímos essa função, pois todos nós possuímos os 5 sentidos. No entanto, existem pessoas que são guiados de forma mais marcante pela sensação. Essas pessoas são voltadas para o aqui e agora. São práticas e realistas – “Pé no chão”. Mas não utilizam muito a imaginação.

A Intuição percebe as coisas ao redor mediante processos inconscientes e conteúdos subliminares. Pessoas intuitivas, vão além dos fatos, sentimentos e idéias para encontrar a essência da realidade.

Representa o palpite, pressentimento e inspiração. Com ela vemos o todo e não só as partes.

O Pensamento esclarece o que são as coisas. Ela auxilia a julgar, classificar e discriminar uma coisa da outra sem interesse pelo seu valor afetivo.

Pessoas fortemente guiadas pelo pensamento são lógicas, impessoais, intelectuais e objetivos. Lidam melhor com tarefas lógicas e formais. Chamados de reflexivos, são grandes planejadores.

O Sentimento esclarece o valor das coisas. Também há julgamento, mas com outra lógica: a do coração. É importante não confundir sentimento com emoção. Essa função nos dá a noção das experiências subjetivas: prazer, dor, raiva, medo, etc.

Pessoas sentimentais, utilizam seus valores pessoais e os dos outros, para tomarem decisões, mesmo não tendo lógica. Levam em conta o que sentem por alguém ou situação. Tem facilidade no contato social e preocupam-se com a harmonia do ambiente.

cores-personalidade2-1125x750
Retirado de: www.fasdapsicanalise.com.br

As quatro funções proporcionam a pessoa certa totalidade, dando condições ao ser humano de se posicionar no mundo de forma segura. Além de capacitar o ser humano a se orientar de todas as formas.

Todos nós possuímos as quatro funções, contudo elas não são desenvolvidas da mesma forma. Uma, ou duas, delas acabam se desenvolvendo de forma mais plena em detrimento das outras.

A meta do desenvolvimento humano, com o processo de individuação, seria então a integração de todas as funções, ou seja, um processo de reunir o que está dividido. Bem como do desenvolvimento da introversão e extroversão de forma a chegar a uma harmonia entre essas duas atitudes.

Conhecer o seu tipo psicológico, então, é importante, para que se conheça aquilo que não está desenvolvido e que termina por se tornar mal desenvolvido, atrapalhando a vida cotidiana e os relacionamentos.

Referências:

JUNG, C. G. Tipos Psicológicos 8. ed. Petrópolis: Vozes, 1991.

SILVEIRA, N. Jung: Vida e Obra. 7 ed. Rio de Janeiro. Paz e Terra, 1981.

Compartilhe este conteúdo:

Carl Gustav Jung e o Self

Compartilhe este conteúdo:

cats

Conforme Carl Jung, o Si-mesmo, ou Self, é uma imagem arquetípica do potencial mais pleno do homem, ou seja, da totalidade. Ele ocupa a posição central da psique como um todo e, portanto, do destino do indivíduo.

É mais abrangente que o ego, que a ele encontra-se subordinado. O ego, então está para o Self, assim como a parte está para o todo.

É muito difícil definir conceitualmente o Self, mas uma definição mais aproximada, mesmo que limitada, seria a da “divindade interior“, a Imago – Dei que cada indivíduo carrega em seu íntimo. Essa imago, então é capaz de produzir sentimentos maravilhosos de êxtase, mas também o mais assombroso temor e respeito.

self_destruction-other
Retirado de: www.bhmpics.com

E essa imagem é comumente projetada em divindades externas, dentro dos sistemas religiosos.

Jung foi intensamente criticado por apresentar esse conceito de Self. Foi criticado tanto por religiosos como por médicos cientistas. Os religiosos acusaram-no de tentar deduzir Deus a uma função psicológica, ao passo que os médicos estudiosos da época acusaram-no de tentar substituir a ciência pela metafísica, o tornando um místico.

Ele, infelizmente, nunca conseguiu fazer seus críticos entenderem que estava definindo uma realidade psicológica, e não de uma realidade religiosa, nem material ou metafísica.

O que ocorre é que mesmo que exista ou não um Deus literal, e mesmo que o individuo não acredite em nenhum Deus, o arquétipo do numinoso é um recurso inato da humanidade, e extremamente necessário à totalidade psicológica. Todos os indivíduos se sentem impulsionados a buscar essa totalidade, cada um com sua forma peculiar e particular de encarar o numinoso.

É uma força tremenda e compulsiva que leva o ser humano em direção ao significado, ao encontro fatídico do seu destino. Não que o eu não possua livre arbítrio, ele possui e por vezes suas escolhas atrapalham o processo de desenvolvimento da personalidade, porém seu campo de escolha é limitado dentro da órbita da consciência.

A criança, antes da formação do seu ego consciente, possui esse sentido de totalidade inato. Quando adultos esse sentimento é alcançado através de uma união do consciente com os conteúdos inconscientes da sua mente, ou seja, por meio da função transcendente, que nada mais é que o Self.

592180_091a_2
Retirado de: www.udemy.com

Sobre essa função Jung comenta em A Natureza da psique.

“Por “função transcendente” não se deve entender algo de misterioso e por assim dizer suprasensível ou metafísico, mas uma função que, por sua natureza, pode-se comparar com uma função matemática de igual denominação, e é uma função de números reais e imaginários. A função psicológica e “transcendente” resulta da união dos conteúdos conscientes e inconscientes.”

O Self é tanto a fonte do processo de individuação com seu fim último.

No processo de individuação há confronto do ego com o Self, onde o mesmo deve ser reconhecido, integrado e realizado.

Entretanto, o ego, só irá se defrontar com um fragmento dessa totalidade que irá se manifestar na Imago – Dei, ou seja, na imagem arquetípica do Self. Por isso não se deve confundir o arquétipo do Self com o inconsciente tal e qual. O Self é um conteúdo especial e uma imagem arquetípica da totalidade, do potencial mais pleno do homem, a unidade da personalidade como um todo.

Quando ocorre esse encontro entre ego e essa imagem arquetípica, ele é geralmente carregado de muito temor. O ego assimila esse encontro como uma espécie de morte, pois ele terá de abdicar de ser o centro (e foi assim ele se sentiu até então!). E é nessa hora que o ego pode se esquivar do processo.

Não é nada fácil esse encontro! É por meio do Self, que o individuo é posto em confronto com o bem e mal, com o humano e divino, com o finito e o infinito. O ego compreende a sua finitude e a sua incompletude. O Self é inumano, amoral, pois nele não há divisão entre opostos, não há bem e mal, não há masculino e feminino. Portanto, ele não se limita as nossas expectativas de moralidade.

O meio dito “junguiano” tem deturpado a noção do Self e ingenuamente falam desse encontro, descrevendo-o como um encontro com o anjo da guarda e com seres de luz. E com isso negligenciamos e negamos as trevas, buscando cada vez mais uma perfeição impossível de ser alcançada.

No dicionário crítico junguiano, é dito que Jung enfatizava que o Self deveria ser comparado a um demônio, um poder determinante sem consciência, onde as decisões éticas são relegadas ao homem, à consciência, e, com relação a intervenções do Self, que podem advir através de sonhos, por exemplo, Jung advertia que uma pessoa deve, tanto quanto possível, estar cônscia daquilo que ela decide e do que faz. Depois, se responde positivamente, não está simplesmente submissa ao arquétipo nem obedecendo a seu próprio capricho; ou, se se desvia, fica consciente de que pode estar destruindo não apenas alguma coisa de sua própria invenção, mas uma oportunidade de valor indeterminado. O poder de exercer tal discriminação é a função da consciência.

O Self, portanto, é uma realidade psicológica. Cada indivíduo possui uma imagem do divino em seu intimo, é uma imagem interior particular, influenciada pela cultura e pelo meio onde vive. O encontro com essa imagem leva ao processo de individuação, que consiste em desempenhar seu papel único na sociedade.

Self-Esteem
Retirado de: www.selfimpro.com

Mas um dos maiores perigos desse encontro é o da inflação. O ego pode se identificar com a divindade e sucumbir ao complexo de Deus. Por isso o eu precisa ser o mais flexível possível, para estabelecer fronteiras individuais e conscientes para não sucumbir à força das imagens arquetípicas e inconscientes.

A interação entre o ego e o Self é um processo incessante, que irá se expressar na individualidade da vida de uma pessoa. O Self fala conosco por meio dos sonhos, e escutar esses sonhos pode trazer desenvolvimento e amadurecimento à personalidade.

Em O homem e seus símbolos, Von Franz diz:

“Tudo acontece como se o ego não tivesse sido produzido pela natureza para seguir ilimitadamente os seus próprios impulsos arbitrários, e sim para ajudar a realizar, verdadeiramente, a total idade da psique.”

O Self está ai para nos dizer, que simplesmente não possuímos controle de nada. Ouvir os sonhos é procurar saber o que a totalidade quer de nós. Não estamos ao nosso próprio serviço, mas temos escolha entre realizar nosso potencial, contribuindo assim para uma sociedade mais consciente, ou atrapalhar nosso desenvolvimento e o de outros.

Compartilhe este conteúdo: