Carl Gustav Jung e a Sombra

Compartilhe este conteúdo:

cats

“Todos querem o perfume das flores, mas poucos sujam as mãos para cultiva-las.” Augusto Cury

 

Tudo aquilo que não queremos ser é justamente aquilo que nos cura.

O desprezível em si e nos outros, todo comportamento que abominamos, por mais paradoxo que seja, é a nossa salvação.

Com isso inicio o famoso conceito junguiano chamado sombra.

Em geral, na Psicologia Analítica, define-se sombra como a “personificação de certos aspectos inconscientes da personalidade” (VON FRANZ, 2002).

La Sombra-Poderosa Aliada
Retirado de: encaminodelheroe.blogspot.com

Nós humanos gostamos de nos enxergar como inteligentes, generosas, de “bom caráter”, com diversas habilidades, e assim por diante. No entanto, a nossa personalidade também inclui qualidades inferiores, das quais não somos conscientes. Essas qualidades se revelam em nosso contato com o meio, com as pessoas e a tendência é “empurrar” essas características para o inconsciente, porque elas envergonham o ego e conturbam o funcionamento da persona.

E é dessa forma simplificada que se forma nossa sombra.

Pense o que detesto em mim e nos outros? O que eu digo que nunca faria?

Pois ai está o seu eu ferido!

Em nossa infância, para ampliarmos nossas chances de sobrevivência e conseguirmos aprovação, é necessário negar algumas atitudes, alguns traços de personalidade. Esses traços tidos como negativos tornam-se aquilo que chamamos “eu reprimido” as partes do falso eu que são demasiado dolorosas para serem reconhecidas.

Para Miller in Zweig e Abrams – O que a sombra sabe: uma entrevista com John A. Sanford (2011):

A definição junguiana da sombra foi muito bem colocada por Edward C.Whitmont, analista de Nova York, ao dizer que sombra é “tudo aquilo que foi reprimido durante o desenvolvimento da personalidade, por não se adequar ao ideal de ego. Se você teve uma educação crista, com o ideal do ego de ser benevolente, moralmente reto, gentil e generoso, então certamente você precisou reprimir todas as suas qualidades que fossem a antítese desse ideal: raiva, egoísmo, loucas fantasias sexuais e assim por diante. Todas essas qualidades que você seccionou formariam a personalidade secundária chamada “sombra”.

Isso é nossa sombra pessoal, que nos assusta, que causa terror, medo, angustia. Não somos o que pensamos ser, nosso ego nos ilude, criando a ilusão de sermos bem polidos, iluminados e respeitáveis.

A sombra nos assusta, pois revela-nos quem de fato nós somos. Por isso gastamos tanta energia para mantê-la oculta. Nós negamos esse lado negro com todas as nossas forças, ou então projetamos esse comportamento sobre os outros.

A sombra forma-se de nossas qualidades existentes que gostaríamos de esquecer e que nem gostaríamos de olhar de perto.

som
Retirado de: osegredo.com.br

Para Jung (2011):

A sombra constitui um problema de ordem moral que desafia a personalidade do eu como um todo, pois ninguém é capaz de tomar consciência desta realidade sem dispender energias morais. Mas nesta tomada de consciência da sombra trata-se de reconhecer os aspectos obscuros da personalidade, tais como existem na realidade.

Para aceitar e assimilar a sombra a pessoa precisa ter muita coragem, muita força e muito amor. Amor pelo seu lado negativo.

As pessoas geralmente pensam que a sombra só contém aspectos escuros e negativos da personalidade, contudo é a sombra que nos da à dimensão humana, que escancara a realidade, que coloca nossos pés no chão. Mas que também esconde potenciais ocultos, tesouros inestimáveis que foram desprezados. É um remédio amargo e necessário!

Ela também é a parte não vivida da nossa personalidade, por isso seu dinamismo pode conter tanto o bem como o mal. Essa parte não vivida é inconsciente a pessoa e por isso inquietante e se manifestam de forma extrema, primitiva e desajeitada. Mas nela, existe o potencial positivo para novos dons e talentos.

Para Zweig e Abrams (2011):

A sombra pessoal contém, portanto, todos os tipos de potencialidades não-desenvolvidas e não-expressas. Ela é aquela parte do inconsciente que complementa o ego e representa as características que a personalidade consciente recusa-se a admitir e, portanto, negligencia, esquece e enterra… até redescobri-las em confrontos desagradáveis com os outros.

A sombra costuma influenciar as relações do indivíduo com pessoas do mesmo sexo. E é comum a sombra aparecer em nossos sonhos como personagens sombrios do mesmo sexo que o nosso.

Hall e Nordiby (1972, p. 42):

Já dissemos que a sombra é responsável pelas relações entre pessoas do mesmo sexo. Estas relações podem ser amistosas ou hostis, dependendo de vir a sombra a ser aceita pelo ego e incorporada de modo harmonioso à psique, ou rejeitado pelo ego e banido para o inconsciente. Os homens tendem a projetar os impulsos de sua sombra rejeitada nos outros homens, de modo que, entre eles, surgem com frequência, sentimentos negativos.

Portanto, a sombra pode ser revelada por meio da projeção em outra pessoa do mesmo sexo geralmente.

A projeção costuma ser um mecanismo e defesa do ego contra aquilo que pode ser doloroso a ele, mas também tem um lado positivo e construtivo.

Bly in Zweig e Abrams (2011) fala sobre a projeção como algo positivo:

Mas a projeção também é uma coisa maravilhosa. Marie-Louise von Franz observou num de seus escritos: “Por que assumimos que a projeção é sempre uma coisa ruim? ‘Você está projetando’ tornou-se uma acusação entre os junguianos. As vezes a projeção é útil, é a coisa certa.”

(…) Marie-Louise von Franz nos faz lembrar que, se não projetarmos, nunca conseguiremos estabelecer uma conexão com o mundo (…).

(…) A questão não é tanto o fato de projetarmos, mas sim por quanto tempo mantemos a projeção sobre o outro. Projeção sem contato pessoal é perigoso. Milhares, milhões de homens americanos projetaram seu feminino interior sobre Marilyn Monroe. Se um milhão de homens deixou suas projeções sobre ela, o mais provável era que Marilyn morresse (…)

sombra_humana_by_fotogenia
Retirado de: www.recantodasletras.com.br

A questão é que a projeção é necessária e saudável, pois há conteúdos inconscientes que podem dissociar o ego, e um pouco de projeção é uma forma de proteção, desde que, ela seja temporária.

Além disso, conhecer esse lado da nossa personalidade implica em responsabilidade, pois o individuo fica em condição de escolher e optar o que assusta as pessoas.

Mas se existe possibilidade de escolha, a pessoa deixa de ser apenas manobrada por forças e pode optar, tendo mais liberdade de ação.

Outro aspecto importante sobre sombra é de que se trata de um arquétipo e por essa razão ela aparece como imagem arquetípica nos mitos e nos contos de fadas.

Em Jung (2011):

A sombra é, em não menor grau, um tema conhecido da mitologia; mas como representa, antes e acima de tudo, o inconsciente pessoal, podendo por isso atingir a consciência sem dificuldades no que se refere a seus conteúdos, além de poder ser percebida e visualizada, se diferencia, pois do animus e da anima, que se acham bastante afastados da consciência: este o motivo pelo qual dificilmente, ou nunca, eles podem ser percebidos em circunstâncias normais. Não é difícil, com certo grau de autocrítica, perceber a própria sombra, pois ela é de natureza pessoal. Mas sempre que tratamos dela como arquétipo, defrontamo-nos com as mesmas dificuldades constatadas em relação ao animus e a anima.

Isso significa que existe uma sombra arquetípica, que é a sombra coletiva – seja de uma família, ou nação – e essa é muito difícil de ser percebida e assimilada. Podemos apenas olhar para ela com o auxilio da Mitologia e dos Contos de Fadas.

110908cr01
Retirado de: encaminodelheroe.blogspot.com

Mesmo sendo um empreendimento que exige coragem, devemos tornar a sombra consciente, negligenciar e recalcar ou identificar-se com ela pode levar a dissociações perigosas. Como ela é próxima do mundo dos instintos é indispensável levá-la continuamente em consideração.

Finalizando, o conceito da sombra e sua assimilação remetem à flor de lótus que nasce da lama, mas não se contamina, florescendo linda e bela.

Aceitar, compreender e integrar o lado sujo e enlameado da alma humana é fazer o trabalho sujo.

Nossa sociedade nega o mal, nos faz viver de aparências. Mas somente quando decidimos limpar nossa própria fossa é que a alma pode florescer.

Do esterco pode nascer flores belíssimas, do esterco se faz adubo.

Referências Bibliográficas:

HALL, C. S.; NORDBY, VERNON, J – Introdução a Psicologia Analítica, Ed. Cultrix, São Paulo, 1972.

JUNG, C. G. Aion – Estudo sobre o simbolismo do si-mesmo. 8. ed. Petrópolis: Vozes, 2011.

VON FRANZ, M. L. A sombra e o mal nos contos de fada. 3 ed. Paulus. São Paulo: 2002.

VON FRANZ, M. L; BOA, F. O caminho dos sonhos. São Paulo: Cultrix, 1988.

WEAVER, R. A Velha Sábia – Estudo sobre a imaginação ativa. São Paulo: Paulus, 1996.

ZWEIG, C; ABRAMS, J (orgs.). Ao encontro da sombra: o potencial oculto da natureza humana. São Paulo: Editora Cultrix, 2011.

Compartilhe este conteúdo:

Carl Gustav Jung – a história de uma vida

Compartilhe este conteúdo:

cats

Carl Gustav Jung nasceu em 26 de julho de 1875 em Kesswil, aldeia pertencente ao cantão da Turgovia, Suiça. Formou-se em psiquiatra e desenvolveu a Psicologia Analítica se tornando um dos maiores psicoterapeutas do mundo.

Carl Jung propôs e desenvolveu os conceitos dos tipos psicológicos: extrovertidos e introvertidos; deu-nos os conceitos de arquétipos e do inconsciente coletivo e do processo de individuação – a base e o conceito central de toda sua teoria.

Criou conceitos famosos como o: complexos e sincronicidade.

Para Jung a psique humana tem uma “natureza religiosa”, sendo o estudo das imagens religiosas um dos focos de suas explorações. E isso o diferiu de Freud.

Ele também dedicou sua vida ao estudo da filosofia oriental e ocidental, da alquimia, astrologia, mitologia e sociologia, literatura e artes. Seu interesse pelo oculto e transcendente levaram muitos a vê-lo erroneamente como um místico.

carl-g-jung-e-seus-simbolos.html
Retirado de: lounge.obviousmag.org

Jung tinha muitas visões e sonhos mitológicos e religiosos, que estão relatadas em Memórias, Sonhos e Reflexões. Tudo isso despertou seu interesse no estudo dos mitos e religiões; transformando Jung em um grande estudioso dos símbolos.

Para ele os símbolos são fonte de transformação psicológica. Eles estão aquém da racionalidade do ego e faz a união entre a consciência e o inconsciente. No começo de sua carreira estudou alguns fenômenos parapsicológicos o que o auxiliou em suas descobertas psicológicas.

Jung dizia sentir que possuía duas personalidades: uma publica e outra interna e secreta muito próxima a Deus.

Seu pai era um pastor protestante, que tinha uma cega e isso incomodava Jung que buscou responder com uma fé renovada, buscando justamente o conhecimento mais profundo do simbolismo. Ele via no pai o homem estagnado em uma condição medíocre: o homem que não enfrentava as dúvidas religiosas que o atormentavam. Agarrava-se à fé, amparava-se na Bíblia e nos dogmas. Com sua mãe sentia mais afinidade.

Conforme Silveira (xx):

“Menino ainda, descobriu que existiam nela duas.personalidades. Uma convencional, correspondente à esposa de um pastor, que exigia do filho boas maneiras e fazia-1he recomendações impertinentes sobre o modo de usar o lenço ou coisas semelhantes. E outra, investida de estranha autoridade, misteriosa, dotada de algo que às vezes lhe infundia medo. Quando esta segunda personalidade emergia, o menino Carl Gustav percebia a voz de sua mãe que soava mais grave e mais profunda.”

Ao longo de sua carreira, estudou filosofia, em especial as obras de Pitágoras, Empédocles, Heráclito, Platão, Kant e Goethe. Mas sua maior influencia foi a obra de Schopenhauer.

Jung lamentava que a religião não buscasse o empirismo, para assim compensar a fé cega. Ele assim foi duramente criticado tanto pela igreja, quanto pela ciência, por essa tentativa de juntar ambas. Mas foi essa ânsia em unir esses opostos que levou Jung a psiquiatria.

Quando se preparava para o exame de psiquiatria do currículo médico, leu no prefácio- do tratado de Krafft- Ebing conceitos que o atingiram em cheio, abrindo-lhe a inesperada perspectiva de que, na psiquiatria, seus interesses pela filosofia, pelas ciências naturais e médicas, poderiam encontrar um foco vivo de convergência. Imediatamente e para surpresa geral. Escolheu a psiquiatria (SILVEIRA, XX).

Em 1900, Jung torna-se estagiário na Clínica Psiquiátrica Burgholzli, em Zurique, então dirigida pelo psiquiatra Eugen Bleuler, famoso pela sua concepção de esquizofrenia. É nessa época que ele inicia seus estudos com a associação de palavras e começa a perceber a força dos complexos.

Em 1902 foi a Paris estudar com Pierre Janet. A carreira de Jung, no Burgholzli, foi das mais brilhantes, no ano seguinte assumiu um cargo de chefia no hospital e em 1904, montou um laboratório experimental em que implementou o seu teste de associação de palavras para o diagnóstico psiquiátrico.

Essas experiências, iniciadas com o intento de trazer esclarecimentos concernentes à estrutura psicológica da esquizofrenia, conduziram – no à descoberta dos complexos afetivos. A conceituação de complexo, juntamente à técnica para detectá-lo, foi a primeira contribuição de Jung à psicologia moderna.

No ano de 1906, Jung publicou os ESTUDOS SOBRE ASSOCIAÇÕES; em 1907 A PSICOLOGIA DA DEMÊNCIA PRECOCE, e, a seguir, 1908, O CONTEÚDO DAS PISCOSES. Os dois últimos trabalhos demonstram que nas psicoses todos os sintomas ainda os mais absurdos, encerram significações, descrevem as frustrações, desejos e esperanças dos doentes.

Ainda em 1904, Jung entra em contato com a obra de Freud, A Interpretação dos Sonhos. Jung enviou ao pai da Psicanálise, cópias de seus trabalhos sobre a existência do inconsciente. E com isso ambos encantaram-se um com o outro, porque os dois desenvolviam trabalhos pioneiros em psiquiatria.

Freud e Jung passaram a se corresponder. Foram cerca de 359 cartas que posteriormente foram publicadas entre 1906 a 1913. O primeiro encontro entre eles, em 27 de fevereiro de 1907, transformou-se em uma conversa que durou treze horas ininterruptas. Os dois estabeleceram uma amizade de aproximadamente sete anos, durante a qual trocavam informações sobre seus sonhos, análises, trocavam também confidências e discutiam casos clínicos.

Freud logo reconheceu o alto valor de Jung e viu no suíço, e não judeu, o homem adequado para conduzir a psicanálise fora do circulo de judeus. Mas Freud também viu nele “um filho mais velho”, um “sucessor e príncipe coroado” (carta de Freud à Jung, datada de 16.4.1909).

Em 1909 viajaram juntos aos Estados Unidos, por ocasião das comemorações do vigésimo aniversário da Clark University. Freud ali pronunciou as célebres cinco conferências sobre psicanálise e Jung apresentou seus trabalhos relativos às associações verbais. Jung e Freud ainda possuíam admiração mutua.

Em 1910 foi fundada a Associação Psicanalítica Internacional. Freud usou toda sua influência para que Jung fosse eleito presidente da Associação e assim aconteceu. No entanto, já existiam entre eles diferenças conceituais e Jung questionava a falácia da teoria sexual.

carl-gustav-jung
Retirado de: www.famouspsychologists.org

Em 1912, Jung lança o livro METAMORFOSES E SÍMBOLOS DA LIBIDO, hoje conhecido como SÍMBOLOS DA TRANSFORMAÇÃO, que marcou  divergências doutrinárias profundas, levando ao rompimento definitivo dos dois. Apesar da nítida admiração mutua, existiam entre os dois, grandes diferenças fundamentais em seus conceitos sobre a psique.

Jung nunca conseguiu aceitar a insistência de Freud de que as causas dos conflitos psíquicos sempre envolveriam algum trauma de natureza sexual, e via no incesto do Complexo de Édipo um simbolismo. Para Jung, o incesto é uma regressão ao inconsciente, representado como útero materno e não algo concreto como o desejo sexual literal pelo genitor.

Para Jung isso tratava de uma projeção dos desejos dos adultos nas crianças, uma vez que a libido nelas não está ainda disponível para a atividade sexual literal.

Sobre a personalidade e jeito de ser de Jung, Silveira (xx) descreve:

“Jung era um homem alto, bem construído, robusto. Tinha um vivo sentimento da natureza. Amava todos os animais de sangue quente e sentia-se com eles “estreitamente afim”. Amava as escaladas das montanhas, porém preferia velejar sobre o lago de Zurique. Possuía seu barco próprio. Na mocidade passava às vezes vários dias velejando em companhia de amigos, que se revezavam no leme e na leitura em alta voz da Odisséia. Igualmente velejava sozinho e o fez até idade bastante avançada.”

Após a separação com Freud, Jung sentiu o chão desmoronar-se sob os pés. Ele entrou em um período de depressão, solidão e de confronto com o inconsciente.

Até então Jung havia cumprido todas as tarefas da primeira metade da vida, Constituiu família; afirmara-se no campo profissional, sendo procurado por enorme clientela que vinha de toda a Europa e da América; conquistando renome científico mundial. Com o rompimento, abriu-se uma nova fase na sua vida.

Jung decidiu-se a aceitar que as imagens do inconsciente emergissem. E através de sonhos impressionantes e mesmo de visões que Jung chegou à descoberta de um centro profundo provindo do inconsciente, centro ordenador da vida psíquica e fonte de energia.

Segundo ele os anos durante os quais se deteve nessas imagens interiores constituíram a época mais importante de sua vida e toda a atividade posterior de seu trabalho se consistiu em elaborar o que jorrava do inconsciente nesses anos.

Essas experiências com o inconsciente duraram experiências 6 anos (de 1912 a fins de 1918).

Durante esse tempo, Jung não publicou nenhum livro, escreveu, entretanto, vários ensaios da mais lúcida construção cientifica. Destacam-se duas conferências pronunciadas em Londres, julho de 1914, Sobre a compreensão psicológica e sobre s importância do inconsciente em psicopatologia; A estrutura do inconsciente. 1916, posteriormente ampliado em um livro fundamental, As relações entre o ego e o inconsciente; A psicologia do inconsciente, 1917; Sobre o inconsciente. 1918.

Em 1920, Jung nos dá a obra TIPOS PSICOLÓGICOS. Essa obra pode ser compreendida como uma forte compensação o ao período de excessiva introversão e contato com o inconsciente. Após várias viagens para a Africa do Norte, na América com os índios Pueblos, no Monte Elgon, na África Oriental Inglesa observou o inconsciente coletivo e seus arquétipos.

Os conceitos de inconsciente coletivo e arquétipos foram, na maioria, primeiro apresentados em forma de conferências (nas reuniões cientificas internacionais denominadas Eranos, realizadas em Ascona) e só publicados em livros anos mais tarde, depois de revistos e amplamente documentados.

Retirado de: todasasfacesdeeva.blogspot.com

Carl Jung também se debruçou sobre a Alquimia. Ele percebeu que a “arte” alquímica tratava de projeção sobre a matéria de processos em desdobramento no inconsciente do próprio alquimista. Com isso, em 1944 publicou PSICOLOGIA E ALQUIMIA.

Ele então publicou PSICOLOGIA DA TRANSFERÊNCIA em 1946. A obra MISTERIUM CONIUNCTIONIS, que muitos julgam sua obra máxima, no qual trabalhou durante dez anos e que foi dado à publicidade em 1955, quando o autor atingia os 80 anos.

Simultaneamente, escreveu inúmeras obras, como: RESPOSTA A JÓ em 1952, um de seus livros mais belos e mais polêmicos. PRESENTE E FUTURO, em 1957 e UM MITO MODERNO VISTO DO CÉU em 1958. Quando se poderia talvez pensar que os assuntos da pratica médica não mais o seu último livro é um livro de memórias, chamado MEMÓRIAS, SONHOS E REFLEXÕES. Nessa obra, acompanha-se a realização de uma vida e de uma obra inextrincáveis uma da outra.

O conjunto das obras completas de Jung consta, na edição inglesa, de 18 volumes afora numerosos seminários mimeografados, pertencentes ao Instituto C. G,Jung de Zurique.

A partir de 1933 correram boatos de que Jung teria simpatizado com o nazismo. O argumento contra essas acusações é, porém, a atitude dos nazistas em relação a Jung. Com a publicação do livro PSICOLOGIA e RELIGIÃO em 1940, as autoridades decidiram que toda a sua obra fosse interditada e queimada na Alemanha, bem como nos países ocupados por Hitler

Ele também foi acusado de anti-semita. Seria também extravagante e estranho que um anti-semita contasse entre seus discípulos mais próximos precisamente pessoas de origem semita. Alguns dos seus mais devotados pupilos – Erich Neumann, Gerhard Adler, James Kirsch e Aniela Jaffe – eram todos judeus

Carl Gustav Jung morreu em 6 de junho de 1961, aos 86 anos, em sua casa, nas margens do lago de Zurique, após uma longa vida produtiva. Encontra-se sepultado na Protestant Church Graveyard, Küsnacht, Zurique na Suíça.

 

Referência:

SILVEIRA, N. Jung: vida e obra – 7- ed.– Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1981.

Compartilhe este conteúdo:

Carl Gustav Jung e os Sonhos

Compartilhe este conteúdo:

cats

Carl Jung deu grande importância a análise dos sonhos no processo de psicoterapia, transformando em uma ferramenta essencial no processo de autoconhecimento.

A interpretação dos sonhos é uma ferramenta antiqüíssima utilizada por diversas culturas anteriores a nossa. Os povos primitivos, que possuíam uma mente mais mitológica que a do homem moderno, já notava sinais de que os sonhos eram mensagens. No entanto, eles analisavam os sonhos de forma literal.

A análise dos sonhos em psicoterapia, e da descoberta de algo simbólico por trás das imagens, começou com Sigmund Freud, que em 1900, lançou a obra inovadora chamada A Interpretação dos sonhos, onde ele notou que os sonhos nos mandam mensagens oriundas do inconsciente. Sendo essas mensagens provenientes de materiais reprimidos pela nossa consciência, principalmente de cunho sexual e agressivo. Ou seja, eram desejos secretos que muitas vezes, por repressão da sociedade ou da própria pessoa, não podiam ser realizados.

sonho-salvador-dali

Para Freud, então, o sonho seria a realização de forma disfarçada de desejos reprimidos.

Com Carl Jung, os sonhos adquiriram uma importância ainda maior e passaram a não se limitar a conteúdos recalcados pela consciência.

Sua definição de sonhos é a seguinte (Jung, 2009):

“O sonho é uma parcela da atividade psíquica involuntária, que possui, precisamente, suficiente consciência para ser reproduzida no estado de vigília. Entre as manifestações psíquicas são talvez os sonhos aquelas que mais nos oferecem dados “irracionais”.

Para Jung, diferentemente de Freud, o sonho é o que é, sem disfarces. O sonho possui um significado intrínseco próprio. Ele é uma força orientadora o ego.

Para a compreensão dos sonhos, é necessário que entender sua origem e que ele possui uma natureza distinta dos produtos da consciência, Jung (2009):

“A razão para a posição excepcional do sonho está na sua maneira especial de se originar: o sonho não é o resultado, como os outros conteúdos da consciência, de uma continuidade claramente discernível, lógica e emocional da experiência, mas o resíduo de uma atividade que se exerce durante o sono. Esta maneira de se originar é suficiente, em si mesma, para isolar o sonho dos demais conteúdos da consciência, e este isolamento é acrescido pelo conteúdo próprio do sonho, que contrasta marcantemente com o pensamento consciente.”

Os sonhos podem trazer imagens, detalhes e acontecimentos que provêm de impressões, pensamentos e estados de espírito do dia ou dos dias precedentes. Mesmo assim, os sonhos ainda possuem uma função de nos guiar para frente, como cita Jung (2009)

“Neste sentido, portanto, existe certa continuidade, embora à primeira vista pareça uma continuidade para trás, mas, quem quer que se interesse vivamente pelo problema dos sonhos, não deixará de notar que os sonhos possuem também — se me permitem a expressão — uma continuidade para frente, pois ocasionalmente os sonhos exercem efeitos notáveis sobre a vida mental consciente, mesmo de pessoas que não podem ser qualificadas de supersticiosas e particularmente anormais.”

Freud possuía uma concepção causal dos sonhos, em que parte de um desejo, de uma aspiração recalcada, se expressa no sonho. Esse desejo é sempre algo de relativamente simples e elementar, mas pode se dissimular sob múltiplos disfarces.

A abordagem causal parte dos elementos do sonho e, através de uma série de associações que estes despertem vai, de elo em elo, até chegar a um desejo reprimido no inconsciente.

Isso não está errado, no entanto, limita a interpretação dos sonhos e o próprio inconsciente a apenas complexos recalcados.

Jung também via os sonhos com uma finalidade, onde cada imagem onírica possui o seu valor próprio. E isso traz uma diversidade de expressões simbólicas.

dali
Retirado de: conexoesclinicas.com.br

Para Jung, então, a conjugação dos dois pontos de vista: causal e finalista — que ainda não foram desenvolvidos de maneira cientificamente satisfatória, em virtude de enormes dificuldades tanto teóricas como práticas — nos pode levar a uma compreensão mais completa da natureza do sonho (Jung, 2009).

Os sonhos então são, além de importante fonte de informação, um instrumento altamente educativo, pois mostram de forma espontânea e simbólica a situação atual do inconsciente e para onde ele pode encaminhar a consciência.

Além disso, os sonhos falam a linguagem do inconsciente, ou seja, utiliza uma linguagem simbólica, o que torna difícil para a consciência, com sua linguagem linear, interpretá-los sem ajuda.

Os sonhos carecem de lógica, tem uma moral duvidosa às vezes, apresenta alguns absurdos e conta-sensos, por essa razão ainda é desprezado pelo homem moderno pautado na lógica.

Segundo Jung, os personagens que surgem no sonho, as situações representadas, referem-se de fato à realidade objetiva. Isso acontece geralmente quando as pessoas com as quais se sonha são conhecidos: sejam íntimos ou que desempenham papel atual na vida do sonhador. Mas se os figurantes do sonho são desconhecidos, ou mesmo quando conhecidos, mas que não mantém estreitas relações, no presente com o sonhador, então adquirem significação peculiar: representam fatores autônomos da própria psique do sonhador, como sombra, anima e animus (Silveira, 1981).

Com a descoberta do inconsciente coletivo e dos arquétipos, Carl Jung percebeu que os sonhos podem trazer muito material mitológico. Como diz Joseph Campbell em O Poder do Mito: os mitos são sonhos públicos; os sonhos são mitos privados.

Entre as principais funções dos sonhos temos: a economia psíquica e orgânica. Neurofisiologistas modernos, na base de experiências, chegaram à conclusão de que não sonhar é mais prejudicial que não dormir (Silveira, 1981).

Mas a função mais importante em termos psicológicos é a de compensação. Para Jung, os sonhos funcionam principalmente como auto-reguladores de posições conscientes demasiado unilaterais ou até antinaturais. Essa compensação Poe inclusive antecipar uma realização consciente.

Sobre isso Silveira (1981) cita:

“Sempre que a atitude consciente extrema-se, seja no sentido de extroversão ou de introversão que saia fora dos ritmos peculiares ao tipo psicológico do indivíduo, ou quando uma das funções de orientação do consciente (pensamento, sentimento, sensação, intuição) torna-se demasiado hipertrofiada em detrimento das demais; sempre que o indivíduo supervaloriza ou, ao contrário, subestima a si próprio ou a outrem; sempre que necessidades especificas a cada um são negligenciadas, surgem sonhos compensadores indicando que a psique funciona como um sistema auto-regulador.”

Por essa razão deve-se conhecer a situação consciente do sonhador. A função de compensação dos sonhos pode então negar, criticar, confirmar ou modificar uma atitude consciente. Além da função compensadora, outra função importante do sonho é a função prospectiva. Ou seja, em alguns casos, ele pode trazer uma antecipação do futuro, inclusive também como forma de correção ou confirmação da atitude consciente.

Jung também cita o sonho reativo, onde acontecimentos traumáticos são revividos no sonho, tais como violentos choques de guerra, incêndios, inundações, acidentes, perdas de pessoas queridas. Esses sonhos tem como função a repetição constante de forma a levar o estimulo traumático a se desgastar. Jung também classificava os sonhos em grandes e pequenos.

Os pequenos sonhos se referem aos acontecimentos do dia a dia e a problemas ordinários.

KJ05
Foto: Brook Shaden

Os grandes sonhos são aqueles carregados de significações profundas, seja de caráter individual ou coletivo, sonhos que perturbam, infundem medo ou exaltam. São carregados de imagens arquetípicas e mudam completamente o direcionamento da atitude corriqueira. É comum no inicio da análise o paciente ter um grande sonho, que marca o inicio do seu processo.

Por vezes nossos sonhos podem nos mostrar nossos desejos ou nossos traumas, mas se analisarmos a fundo eles nos dizem coisas que não queremos ver nem ouvir. Por isso sua analise não é fácil.

A análise dos deve ser feita com seriedade, pois eles constituem as melhores fontes de informação sobre as etapas em que o sonhador se encontra em seu processo de individuação.

Portanto, se empenhar em compreender seu simbolismo pode ampliar nossa maneira de encarar nossa própria vida e o mundo. Todo aquele que trilha o caminho do autoconhecimento deve saber que o sonho é a base do desenvolvimento da personalidade. Seu significado nos faz encontrar o sentido mais profundo de nossa existência, dando sentido a ela.

Referências

JUNG, C. G. A Natureza da Psique. 7. ed. Petrópolis: Vozes, 2009.

SILVEIRA, N. Jung: vida e obra – 7- ed.– Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1981.

Compartilhe este conteúdo:

Carl Gustav Jung e a Persona

Compartilhe este conteúdo:

cats

A persona é um arquétipo, que possui como função básica a adaptação do individuo com o mundo externo. É uma função psíquica que ajuda na adaptação social, nos relacionamentos e nos intercâmbios entre as pessoas

Seu nome é inspirado pelo termo romano para designar máscara. A máscara que os atores utilizavam no antigo teatro greco-romano. Portanto, ela simboliza o rosto que usamos para o encontro com o mundo que nos cerca.

Jung (2008) define persona como:

“A palavra persona é realmente uma expressão muito apropriada, porquanto designava originalmente a máscara usada pelo ator, significando o papel que ia desempenhar. Como seu nome revela, ela é uma simples máscara da psique coletiva, máscara que aparenta uma individualidade, procurando convencer aos outros e a si mesma que é uma individualidade, quando, na realidade, não passa de um papel, no qual fala a psique coletiva.”

A persona é muito importante e não significa necessariamente falsidade. Afinal de contas nós não podemos nos comportar no trabalho da mesma forma que nos comportamos em um barzinho com os amigos. Se fizéssemos isso, perderíamos nossos empregos.

alchemy_dragon
Retirado de: thefaustorocksyeah.wordpress.com

A persona está a serviço da individuação, pelo lado positivo, pois mostra nossas aspirações, nosso desejo de reconhecimento e ela pode ser o caminho para a manifestação do Self.

Essa é construída pela educação; começando na família de origem, na escola, na cultura em que se está inserido, entre outros fatores.

A verdade é que saber usar no momento adequado a persona é educação e auxilia o individuo com uma facha mais polida, pois a vida exige diversas adaptações. Ela impulsiona a movimentação em direção ao coletivo.

Essa instância psíquica só passa a ser prejudicial quando o ego se identifica apenas com um papel. Se afastando a ponto de se esquecer de sua verdadeira essência.

Um exemplo disso é o homem de negócios que leva trabalho para a casa e não dá a devida atenção à família, a ponto de terminar sendo abandonado por ela.

Sobre outro efeito negativo da persona Jung (2008) diz:

“A persona é um complicado sistema de relação entre a consciência individual e a sociedade; é uma espécie de máscara destinada, por um lado, a produzir um determinado efeito sobre os outros e por outro lado a ocultar a verdadeira natureza do indivíduo. Só quem estiver totalmente identificado com a sua persona até o ponto de não conhecer-se a si mesmo, poderá considerar supérflua essa natureza mais profunda. No entanto, só negará a necessidade da persona quem desconhecer a verdadeira natureza de seus semelhantes. A sociedade espera e tem que esperar de todo indivíduo o melhor desempenho possível da tarefa a ele conferida; assim, um sacerdote não só deve executar, objetivamente, as funções do seu cargo, como também desempenhá-las, sem vacilar a qualquer hora e em todas as circunstâncias.”

Enquanto arquétipo, a persona está contida no inconsciente coletivo. Portanto, ela possui certa autonomia em relação ao ego, podendo “engoli-lo”, a ponto de fazer o individuo se comportar de uma forma unilateral em todas as situações externas, o que gera grandes problemas de adaptação social.

A identificação com a persona, por parte do ego leva a uma perda dela, pois ai se manifesta outro arquétipo, o da sombra, que constela de forma a compensar a atitude unilateral do ego.

pr_14_02_14-760x300

Como mediadora entre o ego e o mundo externo a persona forma um par de opostos com a anima (ou animus), que são os mediadores entre o ego e o mundo interno. A persona se ocupa com a adaptação do individuo ao coletivo, já a anima/animus estão ocupados com a adaptação àquilo que é pessoal, interior e individual.

Tanto persona, como anima, animus e sombra não são a totalidade psíquica, são complexos dentro da psique total. E como complexos eles podem nos tomar a qualquer momento.

A persona pode diferir em muito da personalidade verdadeira do ego, no entanto, estar consciente de que é apenas um papel que se está desempenhando em prol da adaptação ao coletivo e de que isso não vai interferir na vida privada, traz benefícios.

Um ego bem estruturado relaciona-se com o mundo exterior através de uma persona flexível; alavancando o desenvolvimento psicológico e o amadurecimento. A palavra de ordem, então, para o ego passa a ser flexibilidade. Flexibilidade para colocar a devida máscara no momento certo e aprender a tirá-la quando devido e relaxar dos papéis sociais.

Quando o ego se compromete excessivamente aos ideais coletivos, a persona passa a mascar a individualidade mais profunda. Nesse caso a dissolução da identificação com o papel exercido é extremamente necessária para o processo de individuação.

Ao longo da vida muitas personas serão usadas, muitas máscaras serão colocadas. Faz parte do processo de individuação reconhecer as máscaras que usamos em cada momento, mas também devemos buscar aquilo que há de mais individual em nós, aquilo que ninguém pode copiar, pois é único e exclusivo.

 

Referência:

JUNG, C. G. Os arquétipos e o inconsciente coletivo. 6. ed. Petrópolis: Vozes, 2008.

Compartilhe este conteúdo:

Carl Gustav Jung e os contos de fada

Compartilhe este conteúdo:

cats

Durante toda a história da humanidade, o homem, mesmo não tendo consciência disso, procurou manter um relacionamento com o inconsciente coletivo e seus arquétipos.

Entre os povos antigos isso se dava por meio da interpretação dos sonhos e das estórias contadas ao redor de fogueiras. Os contos de fada, assim como os mitos, as lendas e as fabulas, falam a linguagem da alma. São similares aos nossos sonhos e as nossas fantasias.

Observe qualquer menina quando tem o contato com os contos pela primeira vez. Elas se encantam com as princesas, com as fadas, com as rainhas. Elas vivem aquilo em suas brincadeiras, em sua fantasia.

figura1
Retirado de: pensesonheviva.blogspot.com

Marie Louise Von Franz, uma das maiores expoentes no estudo dos contos de fada, diz que os contos são a expressão mais pura e mais simples dos processos psíquicos do inconsciente coletivo, pois eles representam os arquétipos na sua forma mais simples, plena e concisa (VON FRANZ, 2005).

Quando nos tornamos adultos perdemos esse contato, dando primazia à consciência, e parte desse mundo arquetípico vai para o inconsciente. Mas retomar a leitura e a compreensão dos contos, pode se tornar um refrigério para a alma. Neles podemos resgatar impulsos, sonhos e instintos perdidos.

Em sua obra A interpretação dos contos de fada, ela distingue os contos dos mitos.

“Nos mitos, lendas ou qualquer outro material mitológico mais elaborado, atingimos as estruturas básicas da psique humana através de uma exposição do material cultural. Mas nos contos de fada existe um material cultural consciente muito menos específico e, conseqüentemente, eles espelham mais claramente as estruturas básicas da psique.”

Portanto, os contos estão em uma camada mais profunda da psique coletiva.

Ainda na mesma obra Von Franz (2005) diz:

“Para mim os contos de fada são como o mar, e as sagas e os mitos são como ondas desse mar; um conto surge como um mito, e depois afunda novamente para ser um conto de fada. Aqui novamente chegamos à mesma conclusão: os contos de fada espelham a estrutura mais simples, mas também a mais básica — o esqueleto — da psique.”

Mas as diferenças são ainda mais visíveis, pois nos contos o herói ou a heroína não agem em nome, ou sob a ação de algum Deus. Aliás, seu mundo não é governado por essas forças, mostrando que os contos estão destituídos do aspecto cultural.

voynich_dreams_vi_by_dantesangreal-d5c19ff-768x1024
thefaustorocksyeah.wordpress.com

Além disso, nos mitos o herói geralmente é punido por haver desrespeitado alguma lei divina, já nos contos não há essa espécie de moralidade. O herói é impelido à ação por outros motivos, que podem ser até inusitados.

Entretanto Eliade (1972) aponta nem sempre é verdade que o conto indica uma “dessacralização” do mundo mítico, mas está mais para uma camuflagem dos motivos e dos personagens míticos; mostrando que houve uma “degradação do sagrado”.

Os deuses podem ser discernidos nas imagens dos protetores, adversários e companheiros dos heróis. Mesmo camuflados continuam cumprindo sua função.

Os contos apesar de terem se tornado entretenimento para crianças atualmente apresentam um conteúdo que se refere a uma realidade séria: a iniciação, ou seja, a passagem, através de uma morte e ressurreição simbólicas, da ignorância e da imaturidade infantil para a idade espiritual do adulto.

Neles encontramos temas como: provas iniciatórias, descida ao inferno e ascensão ao céu, morte e ressurreição, casamento com a princesa ou príncipe. No trabalho psicoterápico, as imagens dos contos servem para ilustrar situações de vida, nas quais as pessoas passam. Muitos se identificam com determinada situação ou personagem levando a uma compreensão do que deve ser feito no momento.

Os contos possuem a mesma função dos sonhos. Eles podem confirmar, criticar, compensar e até mesmo curar uma atitude consciente, desde que o individuo se abra àquele ensinamento. Nessas narrativas podemos observar que o inconsciente quer compartilhar conosco uma experiência original, ou seja, uma experiência arquetípica.

Segundo, Von Franz (2005), eles descrevem apenas um fator psíquico desconhecido chamado Self. Mas como ele é extremamente complexo são necessárias milhares de versões para que esse fato se manifeste na consciência e mesmo assim, quando se manifesta ainda não se esgota.

Como o conteúdo dos contos trata de um material tão afastado da nossa consciência, tão primevo, tão comum a humanidade que sua linguagem é muito diferente da qual a consciência está habituada. O que deixa sua interpretação mais difícil.

Por isso, o conto de fada, e seus personagens, sempre mostram um pouco de com cada um de nós, mesmo que não queiramos reconhecer as bruxas, ogros, madrastas e vilões dentro de nós, eles estão ali, nos mostrando nossas sombras, medos e conflitos internos.

nigredoalbedorubedo-copia1
antharez.com.br

Essas estórias, portanto, trazem o mundo dos arquétipos para o nosso dia a dia, trazendo sentido a vida! Mostram-nos como viver o nosso destino, que passamos por momentos felizes, de conflitos, de perdas, mas que se nos abrirmos ao aprendizado desses momentos iremos encontrar o tesouro interno. Aquele que irá enriquecer as nossas vidas e nos encher de significado.

Cada conto de fadas com sua linguagem simbólica possibilita que a psique se manifeste. Fornecendo às energias instintivas uma direção simbólica e um conteúdo cheio de sentido. Sua leitura reaviva conteúdos inconscientes, possibilitando sua integração na consciência, e assim apontando o caminho para a resolução de conflitos.

Infelizmente hoje nossa sociedade está mais focada nas notícias do dia e nos problemas do momento, e nos esquecemos da literatura do espírito. Aquela que fala direto à alma. Perdemos com isso, algo de nossa infância que é a capacidade de nos encantar, de nos surpreender.

Se hoje os contos representam um divertimento ou uma evasão, é apenas para a consciência banalizada do homem moderno; pois na psique profunda, os enredos iniciatórios conservam sua seriedade e continuam a transmitir sua mensagem e a produzir mutações.

Portanto, os contos, assim como os mitos, oferecem um modelo para a vida, um modelo vivificador e encorajador que permanece no inconsciente contendo todas as possibilidades positivas da vida. Por essa razão, conhecer os contos nos ajuda compreender as nossas razões de viver e isso muda toda a nossa disposição de vida, podendo muitas vezes mudar nossa própria condição psicológica (VON FRANZ, 2005).

Quando a pessoa se identifica com um conto passa a perceber que seu problema não é único e já foi resolvido de diversas formas ao longo da historia da humanidade. Isso diminui a pretensão do ego, torna o individuo mais humilde e aberto as repostas do inconsciente e mesmo que o conto tenha muitos séculos de existência ele terá um efeito estimulante e novo na psique levando o individuo a uma compreensão e entendimento de seu conflito.

Compartilhe este conteúdo:

Carl Gustav Jung e os Arquétipos

Compartilhe este conteúdo:

cats

Antes de iniciar a definição do conceito de arquétipo é importante entender como Jung dividiu a psique.

Para Jung o inconsciente possui duas camadas. À camada mais superficial do inconsciente ele denominou de inconsciente pessoal cujos conteúdos foram adquiridos individualmente e que formam as partes constitutivas da personalidade individual, sendo passiveis de se tornarem conscientes. À segunda camada, mais profunda, Jung denominou de inconsciente coletivo. Nessa camada os conteúdos são de ordem impessoal e coletiva, e representam uma base da psique universalmente presente em todas as culturas e povos e sempre idêntica a si mesma.

Em O Eu e o Inconsciente Jung diz:

“Já propus antes a hipótese de que o inconsciente, em seus níveis mais profundos, possui conteúdos coletivos em estado relativamente ativo; por isso o designei inconsciente coletivo.”

O inconsciente coletivo é formado pelos instintos e pelos arquétipos.

Os arquétipos são componentes de ordem impessoal e coletiva que se apresentam sob a forma de categorias herdadas. São sedimentos de experiências constantemente vividas pela humanidade em um processo repetitivo.

Em Psicologia do Inconsciente, essa ideia da repetição é encontrada.

“O arquétipo é uma espécie de aptidão para reproduzir constantemente as mesmas idéias míticas; se não as mesmas, pelo menos parecidas. Parece, portanto, que aquilo que se impregna no inconsciente é exclusivamente a ideia da fantasia subjetiva provocada pelo processo físico. Logo, é possível supor que os arquétipos sejam as impressões gravadas pela repetição e reações subjetivas.”

Portanto, são qualidades e traços herdados e compartilhados por toda a humanidade.

jung-red-book-twk1
http://puro.cc/o-indecifravel-mapa-de-uma-jornada-criativa/

Ao contrário do inconsciente pessoal, o inconsciente coletivo não se desenvolve individualmente, ele é herdado.

Os arquétipos, enquanto imagens primordiais, são freqüentemente encontrados na mitologia, nos contos de fadas e lendas populares de diversas culturas. Neles encontramos situações similares como “a jornada do herói”, “a luta contra o monstro (dragão) para salvar a donzela”, etc. Bem com encontramos nos diversos panteões mitológicos imagens como o “o deus guerreiro”, “a deusa do amor”, “a grande mãe”, etc.

Para o mesmo arquétipo pode haver uma variedade de símbolos associadas a ele. Um dos arquétipos mais comentados e analisados é o arquétipo da Mãe, que não corresponde somente à mãe real de cada indivíduo. E em relação a ele há uma infinidade de símbolos, como a bruxa, a nutridora, a virgem, a natureza, etc.

Esses símbolos são capazes de ativar os complexos impulsionando a psique para a evolução, como um principio ordenador e mobilizador, mas também podem destruir e paralisar gerando neuroses, caso o indivíduo não aceite os complexos.

Sobre isso Jung (2012) diz:

“O fato de ter complexos, ao invés não implica uma neurose, pois normalmente são os complexos que deflagram o acontecimento psíquico, e seu estado dolorido não é sinal de distúrbios patológicos. Sofrer não é uma doença, mas o pólo oposto normal da felicidade. Um complexo só se torna patológico quando achamos que não o temos.”

É conveniente esclarecer, devido à grande confusão existente a respeito desse conceito, que os arquétipos são possibilidades de representação das imagens.

1977430_539408932841675_145807540_n
pensesonheviva.blogspot.com

Em Arquétipos e o inconsciente coletivo, Jung diz:

“Há tantos arquétipos quantas situações típicas na vida. Intermináveis repetições imprimiram essas experiências na constituição psíquica, não sob a forma de imagens preenchidas de um conteúdo, mas precipuamente apenas formas sem conteúdo, representando a mera possibilidade de um determinado tipo de percepção e ação, Quando algo ocorre na vida que corresponde a um arquétipo, este é ativado e surge uma compulsão que se impõe a modo de uma reação instintiva contra toda a razão e vontade, ou produz um conflito de dimensões eventualmente patológicas, isto é, uma neurose.”

Os arquétipos, portanto, são formas preexistentes que só podem ser nomeados e representados quando acessam a consciência, por meio de imagens. A manifestação do arquétipo é pessoal, entretanto a base instintiva é a mesma para todos os seres humanos.

Assim como os antigos deuses necessitavam dos humanos para adorá-los, nomeá-los e para simplesmente existir em um mundo em três dimensões, os arquétipos universais necessitam da experiência humana para tomar forma em cada existência de modo único.

 

Bibliografia

JUNG, C. G. Aion – Estudo sobre o simbolismo do si-mesmo. 8. ed. Petrópolis: Vozes, 2011.

JUNG, C. G. Arquétipos e o inconsciente coletivo. 6. ed. Petrópolis: Vozes, 2008.

JUNG, C. G. A Natureza da Psique. 7. ed. Petrópolis: Vozes, 2009.

JUNG, C. G. O eu e o Inconsciente. 21. ed. Petrópolis: Vozes, 2008.

JUNG, C. G. Psicologia do inconsciente. 18. ed. Petrópolis: Vozes, 2008.

JUNG, C. G. A prática da psicoterapia. 15. ed. Petrópolis: Vozes, 2012.

Compartilhe este conteúdo:

Carl Gustav Jung e o Processo de Individuação

Compartilhe este conteúdo:

cats

O processo de individuação começa com um choque de realidade para o ego, que começa a perceber que não é o “dono de sua própria casa”. Existem outras forças que até então permaneciam ocultas no inconsciente e que são mais fortes do que, os chamados complexos. É nesse momento, no confronto com essas forças, que a máscara da ilusão cai. O ego precisa aceitar sua parte sombria e aceitar que não é o centro da psique.

Nos contos de fadas o início do processo de individuação ocorre quando a mãe boa morre e entra em seu lugar uma madrasta ou bruxa, obrigando o herói ou heroína a ir embora em busca de sua autonomia e autoconhecimento.

1537559_346502112157561_1296932436_oPodem aparecer também o diabo, bruxos e outras figuras maléficas. Mas o começo da individuação se dá com a retirada da identificação parental.

O objetivo de tudo isso é fazer com que o indivíduo se torne a pessoa que realmente é. É o momento de busca de si mesmo do autoconhecimento. Nesse instante começa um relacionamento entre o inconsciente e consciente, que se concretiza por meio de um símbolo, que os une.

Mas esse não é um processo de aceitação de si mesmo apenas. O indivíduo, além de se conhecer, deve se colocar no mundo. Ele deve buscar o equilíbrio entre as demandas do mundo interno e externo. Sua individualidade deve estar a serviço de um bem maior. Uma vez que, individuação não é individualismo.

Em Tipos Psicológicos JUNG diz:

“A individuação é um processo de diferenciação que tem por meta o desenvolvimento da personalidade individual. Assim como o indivíduo não é um ser isolado, mas supõe uma relação coletiva com sua existência, do mesmo modo o processo de individuação não leva ao isolamento, mas a um relacionamento coletivo mais intenso o geral.”

Se tornar si mesmo não significa tornar-se perfeito, mas pleno, completo, com as dores e delicias de ser quem se é. Aceitando-se e se corrigindo.

ego
pensesonheviva.blogspot.com

Primeiro há o encontro com nossa sombra – aquilo que queremos esconder do mundo e de nós mesmos; depois o encontro com o outro diferente de nós (anima e animus) e também com a força que nos sustenta e que é maior que nós; a força que impulsiona ou trava o nosso caminho, mas que insiste em nos levar ao nosso destino, o Self. Depois disso temos que nos relacionar com o coletivo e saber incorporar em nossas vidas todo o aprendizado que tivemos com esses aspectos interiores.

A humildade é primordial nesse processo. Ela nos faz lembrar que o importante não é não errar, mas procurar não cometer o mesmo erro. É sempre buscar erros novos, para uma ampliação de consciência. Não esquecendo que a mudança é sempre provisória.

O processo de individuação é constante, não tem fim e seu objetivo máximo é nos tornar mais humanos.

A individuação é inevitável e seu resultado é incerto. É mais fácil idealizá-la do que realizá-la. Porém, mesmo sentindo-se pequeno para empreender essa árdua tarefa, lembre-se que cada indivíduo possui recursos suficientes para tanto e que seu esforço gerará frutos para uma transformação tanto pessoal quanto coletiva.

Compartilhe este conteúdo:

Carl Gustav Jung e a Alquimia

Compartilhe este conteúdo:

cats

A alquimia é uma arte antiquíssima que deu origem a conhecida Química clássica.

Não se tem uma data precisa de quando começaram os estudos alquímicos, contudo os alquimistas já eram conhecidos na Antiguidade, sendo o mais famoso, o egípcio Hermes Trismegisto (três vezes grande) e seus ensinamentos da Tábua de Esmeralda. Mas também existe uma alquimia árabe, grega e uma chinesa, que apesar de apresentar diferenças sutis possuem a mesma essência, que é a de transformar chumbo em ouro para a obtenção do Elixir da Vida ou A Pedra Filosofal; um remédio que curaria todas as coisas e daria vida longa àqueles que o ingerissem.

Carl Jung consagrou muitos anos de estudo a este tema. E em seu livro Psicologia e Alquimia introduziu, a alquimia na psicologia, demonstrando a importância que possui esse tema, e quanto o que tem para dizer ao homem moderno. Ele começou a estudar alquimia devido a semelhança entre o material produzidos pelos sonhos de seus pacientes e a alquimia.

alchemy
Retirado de: elementaharmonica.blogspot.com

A alquimia é, em si mesmo, tremendamente obscura e complexa, e os textos muito difíceis de ler, mas seu conteúdo é de extremo valor para o autoconhecimento. Ela é uma palavra árabe alkhimiya, derivada do substantivo khemi que significa terra preta e assim a arte da alquimia consiste na transmutação da matéria original negra em ouro, depois de passar pelo branco e vermelho.

Ao estudar a Alquimia, Jung percebeu que havia algo mais e que o alquimista projetava o seu inconsciente durante o processo alquímico. Além disso, a alquimia traz um material mais depurado de qualquer traição religiosa ou cultural e que por isso está muito mais próxima do inconsciente coletivo do que os mitos e as religiões.

A alquimia oferece uma base bastante objetiva para a análise de sonhos e de outros materiais do inconsciente que aparecem na terapia e na vida cotidiana.

Os-quatro-elementos12
Retirado de: www.amigodaalma.com.br

Mas no que consiste a alquimia?

A ideia central da alquimia é a ideia da Opus. Basicamente um trabalho sagrado que visa a busca do valor supremo e essencial. Essa busca do essencial e do que é mais sagrado e valoroso simboliza a nossa busca pelo autoconhecimento.

Essa Opus era uma arte laboriosa e exigia muita paciência e coragem. Mostrando que nossa busca por melhoria interna e pelo autoconhecimento exigem de nós muito empenho e perseverença.

A Opus também nos leva a ter consciência de um nível transpessoal, além do nosso ego. Isso significa que temos que nos apoiar no Self (centro da totalidade transpessoal) e ser orientados por ele e não pelos desígnios do ego.

Os alquimistas desenvolviam esse trabalho de forma muito solitária, e o processo de autoconhecimento é bastante solitário. Ninguém pode fazer isso por nós e quem se encontra fora desse processo não entende pelo que se está passando. O processo de autoconhecimento gera uma alienação temporária em relação ao mundo exterior. É um nadar contra a maré do coletivo!

Resumindo: a ideia da Opus é criar uma substancia miraculosa e transcendente, conhecida como Pedra Filosofal ou Elixir da Vida e para isso deve-se, em primeiro lugar, descobrir o material adequado, chamado de prima mater (matéria prima). Esse material será submetido a uma série de operações a fim de alcançar a Pedra Filosofla.

Nenhum alquimista realmente conseguiu alcançar a Pedra Filosofal. Todavia, o que importava para eles era o processo em sim e não a meta.

Mas o que seria essa matéria prima?

A matéria prima remonta desde os filósofos pré – socráticos. Esses antigos filósofos diziam que o mundo é gerado de uma matéria única original, a qual chamaram de a primeira matéria. Eles divergiam no tocante a forma dessa primeira matéria: uns diziam que era a água (Tales); ou o ilimitado (Anaximandro); o ar (Anaxímenes) e também o fogo (Heráclito). No entanto, ambos concordavam que ela existia.

alquimia-transfigura-amor-em-privilegio-alimento-em
Retirado de: www.publikador.com

Simbolicamente essa matéria prima somos nós mesmos e todo o trabalho é feito em algo desconhecido, que é a personalidade humana e precisamos ser reduzidos a essa primeira matéria para encontrar o essencial.

Descoberta então essa prima mater, deve-se submetê-la a uma série de procedimentos químicos. E as principais operações alquímicas são: calcinatio, solutio, sublimatio, coagulatio, mortificatio, separatio e coniuctio.

E basicamente a matéria prima consistia na interação de dois metais: o enxofre e o mercúrio, unidos por um sal. O enxofre era considerado “macho”, fixo, ativo e que representa a combustão e corrosão dos metais; o mercúrio “fêmea”, passivo, volátil, inerte; e o sal é o solvente universal.

Os dois metais combinados constituíam o que os alquimistas chamavam de “coito do Rei e da Rainha“. Simbolizando que em nossa alma existem esses dois princípios: masculino e feminino.

Os dois metais também simbolizam o corpo e a alma e o sal seria o meio de ligação entre eles, ou seja, nossa energia vital. Portanto, corpo e alma caminham juntos  e participam do processo de autoconhecimento em concomitância. Não podemos separar corpo e alma e não podemos cuidar apenas de um e deixar o outro no esquecimento.

Há muito que se falar ainda sobre alquimia, pois se trata de um assunto muito amplo e profundo. Mas a essência de todo esse conhecimento é que estamos em busca daquilo que transcende nossa vida egóica e que traz sentido para o sofrimento humano. Essa Pedra Filosofal é aquilo que nos traz energia, renovação e paz interior.

Compartilhe este conteúdo:

Brooklin: o amor e o processo de individuação

Compartilhe este conteúdo:

Com três indicações ao OSCAR:

Filme,  Atriz (Saoirse Ronan), Roteiro Adaptado (Nick Hornby)

Banner Série Oscar 2016

A narrativa do filme Brooklin tem uma linguagem leve e envolvente. Uma jovem irlandesa chamada Ellis (Saoirse Ronan) se muda de sua terra natal para o Brooklyn, na busca pela realização de seus sonhos. No inicio de sua jornada nos Estados Unidos, ela sente muita falta de sua casa, de sua irmã e mãe, mas ela vai se ajustando aos poucos até conhecer e se apaixonar por Tony, um bombeiro italiano.

Conforme Carl Jung o processo de individuação ocorre de maneira espontânea e inconsciente e faz parte da natureza inata do indivíduo. Entretanto, esse processo só se torna significativo na medida em que o indivíduo se torna consciente e se compromete com ele. O processo é desencadeado pelo Self, centro da totalidade psíquica e também é exatamente o Self a meta da individuação. Ou seja, ele é o inicio e a meta.

Brooklyn1122

Nesse processo é importante a participação ativa do ego, que com as imagens e o conhecimento provindo do inconsciente vai ampliando a sua consciência e conseqüentemente auxiliando no processo de individuação. As relações amorosas ao longo da historia da humanidade possibilitam o encontro com o Self, pois ao se apaixonar o outro se torna sagrado, um objeto de adoração. Projetamos então o sagrado e divino em nós em outro ser.

Na Mitologia Grega, temos a figura do deus grego Eros, que representa o amor como força transcendente que leva a alma humana para o auto-desenvolvimento e para o mais profundo do seu ser. Eros é representado, algumas vezes, por um menino rechonchudo, com asas, que sai atirando suas flechas inconseqüentemente. E às vezes representado por um belo homem, como no mito de Eros e Psique. Algumas vezes também é retratado como filho do Caos, sendo um deus primordial. Outras vezes é filho da bela Afrodite.

149291

A verdade é que essas imagens destoantes e sua origem diversa causa certa confusão, mostrando o quanto ficamos confusos diante do tema amor. Ellis então é flechada por Eros e se apaixona. A moça que antes estava soturna se torna ativa e com sentido de viver em uma terra estranha e nova. Vemos no jovem casal o estado inicial do relacionamento.

Nesse estado, o de paixão, comum no inicio de namoro, os indivíduos ficam indiferenciados, encantados, conectados e vulneráveis à projeção do que imaginam e desejam ser o outro, sem condições conscientes de perceber o outro como ele realmente é. Um estado paradisíaco, no qual o outro se torna tudo o que vínhamos buscando até então.

O difícil nesse estado é perceber que o que vínhamos buscando é a nós mesmos. O que Ellis mais deseja, e que é a maior falta que ela sente em sua alma é de força. E Tony possui essa força. O rapaz banca suas escolhas, seus sentimentos e sua condição de imigrante. Essa força é que falta em Ellis para prosseguir em sua jornada de individuação e construir sua carreira, seus conceitos e sua própria família. Ela ainda é uma garota indefesa e insegura.

brooklyn-3

Eros é quase sempre um Deus traquinas, inconseqüente e subversivo, mas também belo e irresistível. Ele muitas vezes causa discórdia e subverte a ordem. Mas também gera nova vida, e possibilita a unificação de opostos, sendo um elemento de transformação. Ser flechado por Eros pode nos levar a uma compreensão mais profunda de nós mesmos, pois somente o amor possibilita nos vermos através dos olhos do outro.

O tempo passa e o relacionamento dos dois vai se transformando. As projeções começam a se retirar. Ambos precisam sair dessa unicidade para se tornarem indivíduos autênticos dentro da relação. É a queda do Paraíso! Ellis passa uma vez por essa expulsão do paraíso ao sair da casa de origem. Ela sai do conforto original, do estado urobórico e precisa buscar sua autonomia.

E agora novamente precisa sair essa unidade com o ser amado. Sair da prisão da paixão e da indiferenciação. A paixão é de extrema importância, sem ela Ellis não teria suportado a vida em um país diferente e longe da casa materna. Esse amor a impulsionou a buscar seus sonhos e ampliar seu horizonte.

brk

É esse amor que fez Bela suportar a vida longe da casa e origem e amar a Fera. No entanto, assim como Bela, a mocinha faz um movimento de volta ao lar de origem. Ela realiza um movimento de regressão de libido após a morte de sua irmã. Quando uma projeção se retira, a libido antes investida em um objeto se volta para o inconsciente e ativa complexos arcaicos e mais primitivos.

Ellis retorna a casa da mãe e lá fica dividida com um novo interesse amoroso. Ela se encontra então dividida entre dois países e entre o amor e o dever. Esse é um momento delicado em qualquer relação, pois o individuo pode não aceitar o processo e tentar buscar aquela sensação de unidade em uma nova relação sem antes compreender o que é necessário para si.

O filme trata então de uma jornada de iniciação da mocinha. De amadurecimento e crescimento. Recolher suas projeções não é uma tarefa fácil. Nesse processo de crise, Ellis fica dividida entre dois opostos. O outro rapaz é o oposto de Tony e representa a zona de conforto da moça.

04BROOK-master675

Ao retornar ao lar original, ela já não é mais a mesma. Já não se encaixa mais no padrão anterior. Mas algo ainda a segura ao que é conhecido: o medo. O medo da grande transformação. Essa expulsão do estado indiferenciado e retorno, ou seja, progressão e regressão da libido é comum. Passamos por essa dinâmica diversas vezes em vários níveis.

Ao se relacionar com esse outro rapaz, Ellis volta a estar indiferenciada, mas não mais como anteriormente. Algo nela já mudou. Nesse instante Ellis passa a conhecer o bem e o mal em si. Ela passa a se questionar e encontra o insight de crescimento. Ao se confrontar com a megera para quem trabalhava, ela se conscientiza de que precisa retornar, que já não cabe mais ali. Ela precisa fazer o sacrifício de abandonar as emoções infantilizadas.

Brooklyn-RDP

Ela retorna ao Brooklyn e agora ao seu amor por Tony renovado e mais consciente e diferenciado. Ela percebe que essa relação a transformou em quem ela é e nas possibilidades de crescer ainda mais. Não há relação ideal e ela passa a perceber isso. É nesse separar e retornar com mais consciência que o Self começa a se manifestar.

Quando Eros aparece com suas asinhas e seu arco e flecha, ele vem nos ensinar que é necessário que conheçamos um novo centro. Se estivermos disponíveis à reflexão e abertos à experiência podemos encontrar nosso eu mais profundo e iniciarmos nosso processo de individuação.

FICHA TÉCNICA DO FILME:

brooklyn

BROOKLYN

Direção: John Crowley
Elenco: Saoirse Ronan, Emory Cohen, Domhnall Gleeson, Julie Walters;
País: EUA
Ano: 2015
Classificação: 14

Compartilhe este conteúdo: