Guardiões da Galáxia: a jornada do herói

Compartilhe este conteúdo:

Com duas indicações ao OSCAR:
Melhores Efeitos Especiais e Melhor Maquiagem e Cabelo

O filme conta a história de um herói atípico, Peter Quill. E é ao redor dessa figura que a análise será feita. Peter quando criança perde sua mãe e após isso é sequestrado por um grupo de piratas espaciais. Ele se torna então um fora da lei e mercenário se auto-intitulando: Senhor das Estrelas.

 

No começo do filme ele rouba uma esfera metálica para um cliente e é interceptado pelo vilão Ronan, que envia ao encalço do rapaz a assassina Gamora. É bastante comum nos contos e mitos a orfandade do herói. Isso significa que simbolicamente a mãe boa morreu e o rapaz deve deixar a casa materna para desenvolver sua masculinidade.

 

Quill como disse anteriormente não é um herói típico – ele é um ladrão! Ele pode então ser associado a um representante humano do deus grego Hermes. Deus traquinas, que adorava pregar peças nos outros. Deus da inteligência, sagacidade, da negociação e padroeiro dos ladrões. Roubou o rebanho de Admeto, guardado por seu irmão Apolo. E ainda fabricou a lira, com as tripas das novilhas sacrificadas e a carapaça de uma tartaruga. Mostrando que também está associado à música.

Sobre isso é interessante notar que Quill herda de sua mãe um toca fitas o qual nunca abandona e ouve suas músicas favoritas. Em alguns contos de fadas é comum após a morte da mãe a heroína ou o herói herdarem algo da mãe. São objetos que representam uma espécie de fetiche onde permanece o espírito da mãe. E a música torna Quill mais hermético e mais leve e divertido ainda. A música mostra a sua essência.

 

Peter é então perseguido por Gamora, uma guerreira assassina que na verdade tem a pretensão de trair Ronan, pois não quer deixá-lo usar o poder do orbe preso na esfera metálica para destruir planetas inteiros como Xandar. Ela apresenta uma personalidade bastante forte e uma ética profunda. Ele também conhece o guaxinim geneticamente modificado Rockete a árvore humanóide Groot.

 

 

Esse grupo é levado à prisão de segurança máxima Kyln. Lá eles se unem ao grandalhão Drax, que perdeu sua família em um ataque de Ronan. E assim o grupo que irá destruir o inimigo e se tornar os guardiões da galáxia está formado. Quill, que era mulherengo e não se apegava a ninguém, começa a se envolver com Gamora e a desenvolver sentimentos por ela. Esse relacionamento traz uma nova dimensão de Quill, ainda desconhecida. Gamora começa questiona a ética do herói fazendo-o olhar para si mesmo e se aprofundar e questionar o que vem fazendo. Ela possui uma função sentimento bastante desenvolvida.

Gamora pode, do ponto de vista de Quill, ser uma representação de sua anima. No processo de individuação é no contato com a anima/animus, projetados em relacionamentos amorosos, que passamos a ter um conhecimento mais profundo de nós mesmos, uma vez que essas são figuras arquetípicas que fazem a ponte entre a consciência e o Self. No filme Gamora coloca Quil no caminho de sua individuação e ele passa a seguir o caminho o qual estava destinado a seguir.

As outras figuras que o acompanham também são muito interessantes. O guaxinim que fala. Mais uma vez vemos que o herói vem sempre acompanhado de um animal “mágico” que o auxilia. O guaxinim é um animal ligado ao bom humor, inteligência, mas também ao roub, e. Rocket assim como Quill, é uma figura bastante inteligente e fora da lei.

 

Os animais que se ligam ao herói nos contos de fadas representam instintos que pertencem aquele sujeito. O instinto de roubo e inteligência de Quill agora passa a auxiliá-lo em sua jornada para salvar um planeta da devastação. Há aqui um paradoxo: o roubo e astucia características negativas agora se tornam eficientes e positivas. Mostrando que o inconsciente é amoral e que nossa vida é cheia de contradições. Vivemos cercados pelos opostos e as vezes aquilo que é ruim pode ser bom e o que é bom pode ser muito ruim.

 

A árvore Groot é retratada como um ser extremamente boçal, que diz apenas uma frase e que serve como força bruta a Rocket. Entretanto ela se faz extremamente importante para a missão, pois em determinado momento ela se sacrifica para proteger o grupo. A árvore na psicologia analítica é um símbolo do processo de individuação, pois para crescer e alcançar os céus, sua raiz deve crescer proporcionalmente até o inferno. Ou seja, para crescermos e nos expandirmos precisamos conhecer nossas sombras mais profundas, nossos medos e infernos pessoais.

A árvore também apresenta um aspecto hermafrodita, uma vez que possui um aspecto fálico ela também possui a seiva da vida e é uma dispensadora de alimentos, sendo então um símbolo da totalidade. Ela protege o grupo mostrando que juntos eles estão no caminho da inteireza e totalidade.

 

 

O grandalhão Drax pode ser interpretado como um aspecto de Quill reprimido. Ele é a força bruta, que o herói, não possui projetada, pois Quill tem desenvolvida a habilidade de pensar e negociar. Pode ser um aspecto sombrio de Quill que agora funciona em seu auxilio. É muito comum que jovens mais voltados para a intelectualidade possuírem amigos fortes e voltados a exercícios físicos, é como se um compensasse o outro.

E o grupo consegue o seu intento, destruindo Ronan e salvando o planeta Xandar da destruição. E assim eles se tornam Os Guardiões da Galáxia. Os mitos, histórias e contos que traz uma jornada do herói nos apresenta o processo de individuação. Claro que o herói é uma figura arquetípica e que não iremos sair por ai salvando galáxias em nosso processo de individuação. No entanto, os heróis nos mostram caminhos os quais podemos nos inspirar em nossa vida diária.

Nos mostram como seguir nossos instintos, como o relacionamento com o sexo oposto nos leva a dimensões mais profundas de nós mesmos e como sempre precisamos encarar nossa sombra projetada em inimigos exteriores para aprendermos mais sobre nós mesmos. E além de tudo, como é importante seguirmos nossos dons e o nosso próprio caminho e colocarmos, com a nossa própria individualidade, a serviço do coletivo.

 

Trailer:

https://www.youtube.com/watch?v=qD2KI5S0TxQ

Mais filmes indicados ao OSCAR 2015: http://ulbra-to.br/encena/categorias/oscar-2015


FICHA TÉCNICA DO FILME

GUARDIÕES DA GALÁXIA

Título Original (EUA): Into the Woods
Direção: Rob Marshall
Música composta por: Stephen Sondheim
Produção: Callum McDougall, Rob Marshall, John DeLuca, Marc E. Platt
Duração: 124 minutos
Ano: 2014

Compartilhe este conteúdo:

O Hobbit – A batalha dos cinco exércitos

Compartilhe este conteúdo:

Concorre ao Oscar 2015 de Melhor Edição de Som

O filme começa com a expulsão do dragão Smaug da montanha de Erebor, a qual pertencia aos anões e o seu furioso ataque a Cidade do Lago, pertencente aos humanos.

 

 

No primeiro filme, ficamos sabendo que reino de Erebor era poderoso e próspero, mas devido a ganância dos anões por seu ouro e riquezas, o reino foi tomado pelo dragão Smaug, que o guardou durante 60 anos.

Bem não vou entrar nos detalhes da aventura, uma vez que serão exploradas com mais detalhes na análise dos outros filmes antecessores. Mas o importante é saber que os anões, com a ajuda de Bilbo e Gandalf, conseguem chegar as montanhas e expulsam o dragão.

 

 

O pescador Bard, que também ficamos sabendo ser descendente dos nobres que tentaram aniquilar o dragão, consegue matar o dragão, com apenas uma flecha. Ele é o herói da história!

Importante aqui analisarmos o simbolismo de cada personagem.

 

 

Os anões são seres pertencentes ao mundo dos contos de fadas. E costumam ser retratados como seres muito prestativos e dóceis. São ótimos mineradores e metalúrgicos. Trabalham nas cavernas onde extraem pedras e metais preciosos e também podem confeccionar objetos mágicos com eles.

Em termos psicológicos eles podem ser considerados como uma instância psíquica que retira o que há de precioso no inconsciente (caverna) e traz a superfície dando forma e uso a esses tesouros. Mas como são pequenos podem ser facilmente esquecidos e ignorados.

 

 

O fato de haver se corrompido e deixado de serem prestativos, mostra que um aspecto da consciência coletiva está distorcido e não funciona de forma saudável.

Infelizmente vemos essa característica de ganância em nossa atual sociedade, onde o ouro (dinheiro) corrompeu nossos governantes, levando-nos a uma pobreza espiritual. A sede de poder leva a repressão do Eros e dos aspectos femininos da psique.

 

 

Observamos isso no filme pela falta de uma rainha tanto no mundo dos anões como no mundo humano. A presença feminina se faz notar no mundo dos elfos, com Tauriel e Galadriel. Os elfos costumam ser retratados como seres belos e mais desenvolvidos em termos de sentimento, tanto que na trilogia O senhor dos anéis a rainha aguardada surge desse reino.

 

 

Outra criatura presente nos contos de fadas é o dragão.

O dragão é uma fusão de serpente e pássaro. A serpente é um animal ctônico, ligada aos deuses do mundo subterrâneo. O pássaro é um animal ligado ao espírito, ao Logos e aos deuses que moram no Olimpo. Portanto é um animal ambivalente, que une masculino e feminino e o poder criador e destruidor.

Na China, local de origem dessa figura, o dragão representa a força e a glória do Imperador. Ele é considerado o protetor dos tesouros, tanto os provindos da terra (ouro e jóias), quanto os provindos do espírito (conhecimento e sabedoria).

 

 

Na sociedade cristã ocidental, que é a nossa, o dragão passou a ser visto de forma maligna, recebendo todo tipo de projeção negativa. Tanto que na psicologia matar o dragão significa superar os aspectos regressivos da psique. No entanto, analisar apenas dessa forma essa figura arquetípica no filme seria muito reducionista uma vez que o dragão apresenta várias facetas.

No filme o dragão apesar de claramente negativo e destruidor apresenta um aspecto benéfico, mesmo que de forma sutil. Ele aparece no momento em que a ganância toma conta do reino dos anões e humanos (veja que o governante da cidade do lago é bastante corrupto), com o intuito de proteger o tesouro contra a corrupção.

 

 

A mensagem que essa criatura nos traz é que somente um verdadeiro governante que superou o aspecto sombrio pode se apossar de tamanho tesouro. E vemos isso no teste que ele impõe a Thorin, o herdeiro legítimo do trono.

 

 

Smaug ataca a cidade reduzindo-a as cinzas.

As cinzas representam uma humilhação e uma descida de classe social. Mas também simbolizam a contrição, a humildade e a operação alquímica mortificatio. A consciência coletiva entrou em contato com seu lado negativo e foi aniquilada, tendo que ser reconstruída com mais humildade e respeito para com as forças do inconsciente.

O dragão é abatido por uma única flecha disparada por Bard. O tema do herói que vence o monstro com uma única flecha certeira é um tema mitológico bastante conhecido.

 

 

Na Mitologia Iorubá o orixá Oxossi matou o pássaro monstruoso enviado pelas feiticeiras, as Yami Oxorongá, com uma única flecha, enquanto os antecessores não conseguiram. O fato de matar as Yami, que representam o inconsciente devorador, simboliza o ato de se desprender do caráter regressivo e destrutivo do inconsciente.

No caso do filme, representa não apenas a libertação do inconsciente devorador, mas também a renovação da consciência, agora mais nobre. É importante observar que Bard agora tenta negociar, ao invés de ir à guerra com Thorin, isso mostra um nível um pouco mais elevado de consciência.

 

 

Mas ainda o verdadeiro regente está para se manifestar e vemos ainda que falta o elemento feminino, pois Bard é viúvo.

Enquanto a guerra dos anões e homens contra os Orcs se desenrola existe outro aspecto sombrio se manifestando na figura do Necromante, que Gandalf vai investigar. E para sua surpresa ele reconhece Suaron, o mal que será enfrentado no Senhor dos Anéis.

 

 

Vemos também que Bilbo rouba o Anel, que posteriormente seu sobrinho Frodo irá destruir.

Bilbo apesar de possuir uma função importante não é o herói da história, mas sim o ladrão. Uma manifestação de Hermes, leve, rápido e de rápido raciocínio.

O ladrão quando aparece sem sonhos mostra que aspectos da consciência estão sendo roubados e levados ao inconsciente, por isso é comum o sonhador apresentar uma apatia e uma falta de vontade em vigília contrastando com uma imensa atividade onírica. Nessa fase a profusão de sonhos é enorme.

 

Em O Hobbit o roubo do Anel vai ativar outro aspecto sombrio do inconsciente, manifesto em Sauron.

Um período de 60 anos se passa entre a aventura de Bilbo e a saga Senhor dos Anéis em uma relativa paz. Isso nos faz pensar em como se desenvolve nossa vida pessoal, pois após resolvermos um conflito e passarmos por um período de calmaria e relativa tranqüilidade somos brindados com um novo conflito enviado pelo inconsciente. E assim ocorre em toda nossa vida! O processo de individuação não tem um fim! Se não tivermos mais conflitos a resolver a vida se estagna e entramos na zona de conforto e total preguiça.

 

 


FICHA TÉCNICA DO FILME

O HOBBIT: A BATALHA DOS CINCO EXÉRCITOS

Direção: Peter Jackson
Música composta por: Howard Shore
Antecessor: O Hobbit: A Desolação de Smaug
Duração: 144 minutos
Ano:2014

Compartilhe este conteúdo:

Oxum e o arquétipo da feminilidade

Compartilhe este conteúdo:

capa face 2

Oxum é a Deusa das águas doces e frescas, divindade do rio Oxum, na Nigéria. É o orixá do ouro, do mel, da beleza, do amor e da gestação.

Exú é o orixá responsável pela fecundação. Quando ocorre a fecundação, a regência passa a Oxum, que protege o feto durante esse processo. Após o nascimento a regência passa aIemanjá.

A ela pertence o ventre da mulher (lembrando que o feto se desenvolve dentro de uma bolsa d’água). Regente também da menstruação, da gravidez e do parto. E desempenhando, assim importante função nos ritos de iniciação, que são a gestação e o nascimento. As mulheres que desejam ter filhos costumam se dirigir a ela.

Uma lenda interessante:

“Quando todos os orixás chegaram a terra, organizaram reuniões onde as mulheres não eram admitidas. Oxum ficou aborrecida por ser posta de lado e não poder participar de todas as deliberações. Para se vingar, tornou as mulheres estéreis e impediu que as atividades desenvolvidas pelos deuses chegassem a resultados favoráveis. Desesperados, os orixás dirigiram-se a Olodumaré e explicaram-lhe que as coisas iam mal sobre a terra, apesar das decisões que tomavam em suas assembléias. Olodumaré perguntou se Oxum participava das reuniões e os orixás responderam que não. Olodumaré explicou-lhes então que, sem a presença de Oxum e do seu poder sobre a fecundidade, nenhum de seus empreendimentos poderia dar certo. De volta a terra, os orixás convidaram Oxum para participar de seus trabalhos, o que ela acabou por aceitar depois de muito lhe rogarem. Em seguida, as mulheres tornaram-se fecundas e todos os projetos obtiveram felizes resultados”.

Sendo a senhora do ouro, é uma deusa da riqueza, da fartura. Oxum domina os rios e as cachoeiras, mostrando que atrás de uma superfície aparentemente calma podem existir fortes correntes e cavernas profundas.

As lendas costumam representá-la com ricas vestes, perfumes e com colares e jóias, ou seja, tudo relacionado à vaidade. Ela é também representada com uma feminilidade elegante e coquete.

Antigamente, Oxum era associada ao cobre, pois esse era o metal mais valioso do país ioruba nos tempos mais antigos. Depois sua associação passou ao ouro. Mas o que importa é que ela rege os metais preciosos.

No Brasil, o dia da semana consagrado a ela é o sábado e sua saudação é como na África, feita pela expressão “Ore Yèyé o!!!” (“Chamemos a benevolência da Mãe!!!”).

Conforme Pierre Verger

Mas Oxum também tem seu lado sombrio. E esse lado se manifesta em sua vaidade extrema, levando a competição desenfreada com outras. Em uma de suas lendas, Oxum matou Iansã, devido à inveja de sua beleza. Outra lenda muito famosa de Oxum e que mostra sua sombra é aquela em que ela manipula Obá, levando-a a cortar sua própria orelha e servir no jantar paraXangô. Oxum também podia ser vingativa, competitiva e dissimulada.

Pode-se afirmar, então que Oxum representa um arquétipo predominantemente feminino. Ela remete aos mistérios da feminilidade. É o símbolo do poder feminino da fecundação e da continuidade da vida. Sem esse arquétipo, é impossível, como descrito no mito acima, levar a cabo qualquer empreendimento. Sem ele não há fertilidade, não há prosperidade. Pois não há gestação.

Oxum é, então, a “mãe das mães”. Nos arcanos maiores do Tarot encontramos esse arquétipo no trunfo número 3, A Imperatriz. Que simboliza criatividade, sucesso, gestação, encanto, amabilidade e cortesia. Outro paralelo, enquanto deusa da fertilidade e da maternidade, pode ser feito com Demeter, a deusa grega da fecundidade da terra.

Sua sensualidade, intuição, demonstra toda sabedoria feminina, toda manifestação criativa. A ela pertencem todas as manifestações criativas, sensuais e alegres. A dança, a música, toda forma de arte, a culinária e também a cura.

Como deusa do amor, tem paralelos com Afrodite, Vênus, Ishtar, Astarte. Sendo também uma deusa alquímica, transformadora (ver post sobre Afrodite).

Como senhora do ouro, simboliza o que é incorruptível. Os nossos valores, não apenas materiais, mas valores espirituais também.

Quando esse arquétipo se torna presente na vida do indivíduo, seja homem ou mulher, traz criatividade, imaginação fecunda, alegria de viver e desfrutar os prazeres da vida. Proporciona também graça, leveza, amabilidade, diplomacia e paciência para com os dissabores da vida, trazendo a doçura do mel e frescor de suas águas.

 

Referências:

BARCELLOS, M. C. Os orixás e a personalidade humana. Rio de Janeiro: Pallas, 2010.

JUNG, C. Os Arquétipos e o inconsciente coletivo. 2 ed. Petrópolis, RJ, Vozes 2002.

VERGER, P. F. Orixás. Círculo do Livro.

ZACHARIAS, J. J. M. Oriaxé – A dimensão arquetípica dos Orixás. São Paulo: Vetor, 1998.

ZACHARIAS, J. J. M. Compadre – uma análise psicológica possível de Exu. São Paulo: Vetor, 2010.

Compartilhe este conteúdo:

Omulú e o arquétipo do curador ferido

Compartilhe este conteúdo:

Omulú ou Obaluaê, assim como Nanã Buruku é uma das divindades mais antigas do panteão iorubá.

Pierre Verger diz que a antiguidade dos cultos de Obaluaê e Nanã Buruku, frequentemente confundidos em certas partes da África, é indicada por um detalhe do ritual dos sacrifícios de animais que lhe são feitos. Esse ritual é realizado sem o emprego de instrumentos de ferro, indicando que essas duas divindades faziam parte de uma civilização anterior a Idade do Ferro e à chegada de Ogum (que veio com Odùduà).

Obaluaê (“Rei Dono da Terra”) ou Omulú (“Filho do Senhor”) são os nomes geralmente dados a Xapanan, cujo nome é perigoso pronunciar.

Omulí é a divindade da varíola e das doenças contagiosas. Ele pode tanto enviar a doença como curá-la. Sendo então, um Orixá das doenças e da saúde, e conseqüentemente da vida e da morte.

É tido como um Orixá sombrio, severo e terrível, caso não seja devidamente cultuado, porém pode ser um pai bondoso e fraternal para aqueles que se tornam merecedores, através de gestos humildes, honestos e leais.

Omulú seria, então, aquele que pune os malfeitores e insolentes enviando-lhes a varíola. Porém, mesmo com um caráter extremamente severo e punitivo é, por vezes capaz de completa abstração de seus próprios interesses e necessidades vitais em prol dos necessitados.

Em algumas lendas, é apresentado com o rosto e o corpo cobertos de palha para esconder as marcas da varíola, em outras, é também assim representado, mas já está curado, a palha seria apenas um artifício para impedir de ser olhado de frente por ser o próprio brilho do sol.

Seu símbolo é o Xaxará – um feixe de ramos de palmeira enfeitado com búzios.

É sincretizado com São Roque, na Bahia e em Cuba, e com São Sebastião no Recife e no Rio de Janeiro. Também se aproxima de São Lázaro na mitologia católica, pois como deus da varíola comumente é representado com o corpo cheio de feridas e abscessos, assim como o santo católico. Outra aproximação que pode ser feita é com o centauro grego Quiron. E sobre ele vale a pena falarmos um pouco mais.

Quíron era um centauro, considerado superior por seus próprios semelhantes. Pois ao contrário dos centauros que, como os sátiros, eram notórios por serem bebedores contumazes e indisciplinados, delinqüentes sem cultura e propensos à violência quando ébrios, Quíron era inteligente, civilizado, bondoso, e célebre por seu conhecimento e habilidade com a medicina.

Quiron é filho de Cronos e da ninfa Filira. Foi abandonado pela mãe quando nasceu que não suportou a figura de um ser metade homem, metade cavalo. Sendo posteriormente, encontrado e criado por Apolo, que como pai adotivo lhe ensinou todos os seus conhecimentos: artes, música, poesia, ética, filosofia, artes divinatóriase profecias, terapias curativase ciência.

Ele foi ferido na coxa por uma flecha lançada por Hércules. A flecha havia sido banhada no sangue da Hidra e era, portanto venenosa. Quíron não podia morrer, pois era imortal, e ficou com uma ferida incurável, se tornando impotente para curar seu próprio ferimento. Sofrendo intensamente, recolheu-se a uma gruta no monte Pélion onde, porém, continuou transmitindo seus conhecimentos aos discípulos. Teve como pupilos diversos heróis, como Asclépio, Aristeu, Ajax, Enéas, Actéon, Ceneu, Teseu, Aquiles, Jasão, Peleu, Télamon, Héracles, Oileu, Fênix, e em algumas versões do mito, Dionisio.

Quiron, assim como Omul, apresentam semelhanças em suas mitologias, como o fato de haverem sido abandonados no nascimento por suas mães, devido as suas características físicas (Omulú foi abandonado por Nanã devido às chagas que trazia em se corpo). Entretanto, Omulú foi criado por Iemanjá, diferente de Quiron que teve um pai adotivo, Apolo.

Com isso, podemos afirmar que ambos representam o mesmo arquétipo, o do curador ferido. Esse arquétipo representa aquele que mesmo ferido cura o outro. Isso porque entende o sofrimento humano.

Bons terapeutas apresentam esse arquétipo constelado, pois sem ter vivido a dor não poderá ajudar o outro em seu sofrimento. Mas há que se compreender essa dor. A dor não está tanto em suas chagas, mas sim no abandono. O fato de possuir as chagas ou a deficiência é que gera o abandono, mas é no abandono que o curador encontra a força e a compreensão que leva ao amadurecimento.

Zacharias (1998) aponta um aspecto interessante no mito de Omulú. Nanã representa outro aspecto da mãe terrível, o aspecto da mãe que abandona diferentemente de Iami Oxorongá que devora. O aspecto positivo do dinamismo materno está representado em Iemanjá, sendo aquela que cura as feridas físicas e emocionais, uma vez que ela leva Omulú novamente para Nanã para que se perdoem mutuamente. Portanto o mito aponta a solução que leva a cura. A cura está na compreensão e no perdão.

Nanã é a mãe terra que expulsa o filho de seu ventre. Se assim não o faz não há a possibilidade de amadurecimento. Querer permanecer no ventre materno, sendo aceito o tempo todo, em um paraíso utópico é um caráter regressivo, que irá nos manter refém.

Entender e compreender que no processo de individuação é necessário ser abandonado, para o desenvolvimento de nossa personalidade enquanto heróis de nossas vidas é o caminho para a cura. E em Iemanjá, que falaremos logo mais, encontra-se essa compreensão. Lembrando que estaremos novamente nos braços e ventre de Nanã em nossa morte. Seremos recebidos por ela novamente. Omulú compreendeu essa dinâmica, e isso o tornou um sábio professor da vida. Sua dor não desapareceu, mas a compreensão dela o faz transcende-la transformando o sofrimento em compaixão.

Compartilhe este conteúdo:

Oxalá e o símbolo da criação

Compartilhe este conteúdo:

Oxalá é um Orixá masculino bastante cultuado e reverenciado no Brasil, sendo considerado o Orixá mais importante do panteão africano.

Na África é cultuado com o nome de Obatalá. Quando os negros vieram para o Brasil, trouxeram consigo, além do nome do Orixá, outra forma de a ele se referirem, Orixalá, que significa orixá dos orixás. Numa versão contraída, o nome que se acabou popularizando, é Oxalá.

Oxalá é um Orixá Fun Fun. Na África, todos os Orixás relacionados com a criação são designados pelo nome genérico de Fun Fun. Eram cerca de 154 Orixás Fun Fun, mas no Brasil a quantidade reduz-se significativamente, sendo que dois, Oxalufã, valho e sábio, rei de Ifón (Oxalufã) e Orixá Oxaguiã, jovem e guerreiro, o comedor de inhame e rei de Egigbó, se tornaram as suas expressões mais conhecidas.

Oxalá é, então, o criador dos seres humanos. Diz a lenda que Olorum deus supremo dos yorubas e criador do universo enviou seu filho Oxalá para criar o mundo e os seres humanos a partir do barro (ZACHARIAS, 1998).

Outra lenda conta que Oxalá foi encarregado por Olodumaré de criar o mundo com o poder de sugerir e o de realizar. Para cumprir sua missão, antes da partida, Olodumaré entregou-lhe o “saco da criação”. O poder que lhe fora confiado não o dispensava, entretanto, de submeter-se a certas regras e de respeitar diversas obrigações como os outros orixás. Uma história de Ifa conta-nos como, em razão de seu caráter altivo, ele se recusou a fazer alguns sacrifícios e oferendas a Exu, antes de iniciar sua viagem para criar o mundo.

Oxalá pôs-se a caminho apoiado em um grande cajado de estanho, seu opáxorò ou paxorô, o cajado para fazer cerimônias. No momento de ultrapassar a porta do Além, encontrou Exu, que entre as suas múltiplas obrigações, tinha a de fiscalizar as comunicações entre os dois mundos. Exu, descontente com a recusa do Grande Orixá em fazer as oferendas prescritas, vingou-me fazendo-o sentir uma sede intensa.

Oxalá, para matar sua sede, não teve outro recurso senão o de furar, com o seu paxorô, a casca do tronco de um dendezeiro. Um líquido refrescante dele escorreu: era o vinho de palma. Ele bebeu-o ávida e abundantemente. Ficou bêbado, não sabia, mas onde estava e caiu adormecido. Veio então Odùduà, criado por Olodumaré depois de Oxalá é o maior rival deste.

Vendo o Grande Orixá adormecido, roubou-lhe “o saco da criação”, dirigiu-se à presença de Olodumaré para mostrar-lhe seu achado e lhe contar em que estado se encontrava Oxalá. Olodumaré exclamou: “Se ele esta neste estado, vá você, Odùduà! Vá criar o mundo!” Odùduà saiu assim do Além e se encontrou diante de uma extensão ilimitada de água. Deixou cair à substância marrom contida no “saco da criação”. Era terra. Formou-se então um montículo que ultrapassou a superfície das águas. Aí, ele colocou uma galinha cujos pés tinham cinco garros. Esta começou a arranhar e a espalhar a terra sobre a superfície das águas. Onde ciscava, cobria as águas, e a terra ia se alargando cada vez mais. Odùduà aí se estabeleceu, seguido pelos outros orixás, e tornou-se assim o rei da terra.

Quando Oxalá acordou não mais encontrou ao seu lado o “saco da criação”. Despeitado, voltou a Olodumaré. Este, com castigo pela sua embriaguez, proibiu ao Grande Orixá, assim como aos outros de sua família, os orixás funfun, ou “orixás brancos”, beber vinho de palma e mesmo de usar azeite de dendê. Confiou-lhe, entretanto, como consolo, a tarefa de modelar no barro o corpo dos seres humanos, aos quais ele, Olodumaré, insuflaria a vida. Por essa razão, Oxalá é também chamado de, o “proprietário da boa argila”. Pôs-se a modelar o corpo dos homens, mas não levava muito a sério a proibição de beber vinho de palma e, nos dias em que se excedia, os homens saíam de suas mãos contrafeitos, deformados, capengas, corcundas.alguns, retirados do forno antes da hora, saíam mal cozidos e suas cores tornavam-se tristemente pálidas: eram albinos. Todas as pessoas que entravam nessas tristes categorias são-lhe consagradas e tornam-se adoradoras de Orixalá.

É sempre representado com a cor branca. Verger aponta que o hábito de se vestir de branco na sexta-feira estende-se a todas as pessoas filiadas ao candomblé, mesmo aquelas consagradas a outros orixás, tal é o prestígio de Oxalá. Seu dia é a sexta feira e seu símbolo é o opaxoró (um cajado de prata, onde ele se apóia). Na Bahia é sincretizado com o Senhor do Bonfim, devido a um enorme prestígio e inspirar fervorosa devoção aos habitantes de todas as categorias sociais. Também costuma ser associado a Jesus Cristo.

No Xirê (a dança consagrada aos Orixás), Oxalá é homenageado por último porque é o grande símbolo da síntese de todas as origens. Ele representa a totalidade, o único Orixá que, como Exú, reside em todos os seres humanos. Todos são seus filhos, todos são irmãos. Oxalá representa o patriarca, o chefe da família e é o símbolo da procriação masculina e seu poder fertilizante, tanto que um de seus símbolos é o sêmen.

Orixá calmo, paciente e que abomina a guerra, pode ser associado ao trunfo do Tarot, O Hierofante, ou O Papa. Esse trunfo simboliza a moral, as regras, a santidade. Ele rege as leis que dizem respeito à boa conduta aos olhos de Deus. Ele simboliza o pai divino, as regra espirituais. Ele é a ordem pré-estabelecida.

Oxalá forma um par de opostos com Exú. Exú é o que inicia tudo, o começo e Oxalá o fim. Enquanto Oxalá é um guardião da paz, Exú fomenta disputas e catástrofes. Até no sincretismo vemos esse par de opostos: Exú foi associado ao diabo e Oxalá a Jesus. Simbolicamente, Oxalá – como orixá criador – mantém a ordem e Exu desestabiliza essa ordem de forma a criar uma nova. Ou seja, dão dois arquétipos que trabalham juntos.

Oxalá é o movimento de estabilização, de finalização (tanto que é o ultimo orixá a ser saudado no xirê). Após a finalização, um novo movimento deve começar e a velha ordem deve ser desestruturada e invertida. Conforme Zacharias (2010), a psique como um todo possui uma ação transitória. E a atuação do si-mesmo é pluralista em relação à totalidade da psique e centralizadora em função da estruturação do ego. O autor ainda aponta que mesmo em culturas politeístas a prática individual religiosa é a da monolatria, a eleição de um ou mais deuses como imagem de adoração pessoal, apesar de se reconhecer a grande quantidade de outros deuses.

Portanto Oxalá representa essa ação centralizadora, que impõe limites ao ego para que ele possa se desenvolver sem se fragmentar. É possível observar que mesmo diante de inúmeras possibilidades o ego acaba se envolvendo com apenas algumas atividades. E esses limites vêm até nós por meio das leis.

Em nossa infância, após o período matriarcal, em que somos bebês embalados no colo da mãe, começamos a nos ver diante do patriarcado como seu conjunto de regras e leis, que devemos obedecer até para nossa sobrevivência. É ai que Oxalá entra em cena, nos colocando ordens e limites centralizadores. Após isso…bem após isso é uma outra história, que começa novamente com o compadre Exú.

Compartilhe este conteúdo:

“Caminhos da Floresta” e a psicologia dos contos de fadas

Compartilhe este conteúdo:

Com 3 indicações ao Oscar 2015:

Melhor Atriz Coadjuvante (Meryl Streep); Melhor Desenho de Produção (Anna Pinnock eDennis Gassner); e Melhor Figurino.

Caminhos da floresta é uma síntese de vários contos de fadas. No filme encontramos Chapeuzinho Vermelho, Rapunzel, Cinderela e João e o pé de feijão. Todas as histórias desses personagens se entrelaçam ao redor dos personagens principais que são o Padeiro e sua Mulher, que foram amaldiçoados por uma bruxa e por isso não podem ter filhos.

 

É interessante observar que o nome do casal não é mencionado. Sobre isso podemos explorar algumas coisas. Bem os contos de fadas nos apresentam figuras arquetípicas, como o herói, a bruxa, fadas, ogros, etc. Ou seja, os contos nos apresentam figuras presentes no inconsciente coletivo, mas que não são humanas, mas representam aspectos da psique coletiva.

O Padeiro é o herói da trama e como herói ele representa um ego arquetípico que é edificado pelo Self. Ou seja, um modelo de ego ideal e um modelo de comportamento para a personalidade consciente. É aquele que age em harmonia com seus instintos e com a totalidade psíquica e que vai estabelecer o equilíbrio perdido da consciência coletiva.

 

 

O fato do padeiro não ter nome simboliza um caráter não pessoal e coletivo. Quando nomeamos algo damos forma a ele e trazemos ao nível pessoal. Essa impessoalidade do herói do filme é um pouco problemática, uma vez que não nos ligamos a ele de forma pessoal, em comparação aos outros heróis de contos de fadas, como Aladim, Peter Pan etc. Significando, então, que esse ego ideal ainda não é capaz de ser totalmente assimilado pela consciência humana.

 

 

O herói do filme é chamado pela sua função – a de padeiro. Ele não é um guerreiro, nem um nobre e não é valente. Sua função é sovar massa e assar os pães e doces do reino. O ato de sovar a massa e alimentar as pessoas está ligado a função sensação. Função essa que liga-nos à realidade, aos cinco sentidos e ao aqui e agora.

O fato de ele ser uma pessoa simples se opõe a ideia contemporânea que o homem precisa ser bem sucedido, um guerreiro másculo e viril. E essa figura do padeiro, que alimenta as pessoas e é sensível mostra justamente o que falta na nossa consciência ocidental para uma ampliação de horizontes.

 

E através dessa jornada narrada no filme, o padeiro entra em contato com a intuição (função essa que se opõe a sensação), simbolizada pela floresta e pelos seres que nela habitam. Ele como é visto terá de confiar naquilo que ele não vê. E não pode provar e a força que o impulsiona a isso é sua mulher que deseja ardentemente um filho.

A ação se inicia quando a bruxa – que também não tem nome – revela ao Padeiro e sua esposa que o pai dele roubou hortaliças de seu jardim, para satisfazer o desejo da esposa, e como punição ele teve de entregar a ela sua filha (Rapunzel), que agora vive em uma torre sem portas. Além disso, o pai do herói roubou alguns feijões do jardim da bruxa e a bruxa o puniu jogando um feitiço que deixou toda sua descendência estéril.

Mas a bruxa lhe oferece uma saída. Para reverter o feitiço o padeiro deverá conseguir quatro objetos até a meia noite. São eles: uma vaca branca, uma capa vermelha, um cabelo amarelo e um sapato que brilha como o ouro.

 

 

Bem todos os objetos solicitados pela bruxa pertencem aos personagens de contos de fadas. A vaca pertence a João, a capa a Chapeuzinho, o cabelo a Rapunzel e o sapato a Cinderela. E dessa forma todos esses personagens clássicos se fundem na história do casal e da bruxa.

Não vou entrar aqui nos detalhes da trama e nem de cada personagem de contos de fadas, pois o texto se tornaria longo demais. Os detalhes de Cinderela, Chapeuzinho, João e Rapunzel devem ser esmiuçados em textos diferentes. Vou apenas me ater ao simbolismo de cada um dos artefatos.

 

 

Bem os objetos solicitados pela bruxa são em numero de quatro. O quatro na psicologia analítica simboliza a totalidade. Dessa forma a jornada do herói no filme é em busca a totalidade. Além disso, as cores da vaca, da capa e do cabelo e sapato se referem a estados da alquimia conhecidos como albedo, rubedo e citrino.

O albedo simboliza uma purificação, um renascimento, o clareamento das ideias, a paz e a tranquilidade. É o momento no qual se ressurge das sombras. Mas é um estado impossível de ser mantido, e logo o citrino surge.

O citrino é um estágio intermediário. Nesse estágio há a transformação da prata em ouro. É o despertar do estado paradisíaco do albedo. A alma se volta para as questões mundanas, para a racionalidade.

A rubedo é o fogo, o sangue, o calor. Depois da calmaria do albedo, chegamos à paixão, ao desejo, à ação. É a transmutação através do fogo. É a vontade de agir. Nessa fase não há mais medo.

 

A cor e estado alquímico que falta nesses objetos é o negro da nigredo. Entretanto ela se apresenta simbolizada pela floresta escura, onde os personagens encaram seus medos e temores. Na segunda parte de filme, após os conhecidos finais felizes dos contos clássico terem ocorrido, a nigredo se faz presente.

Após o Padeiro e sua mulher conseguirem os objetos e a bruxa desfazer a maldição, o casal tem seu sonhado filho. E os personagens clássicos encontram seus finais felizes conhecidos. Até a bruxa consegue o que deseja, uma vez que sua intenção não era ajudar o casal, mas se tornar mais jovem e bela para que Rapunzel não tivesse mais vergonha dela.

 

 

Entretanto, um pé de feijão cresce sem o conhecimento dos personagens, e desse pé a esposa do gigante desce buscando vingança contra quem matou seu marido, ou seja, João. E após isso tudo muda, os personagens mostram seus aspectos sombrios, o príncipe, por exemplo, é infiel a Cinderela. E isso vem nos mostrar que na vida real após um final feliz vem sempre um novo desafio, um novo recomeço. A vida é cíclica e não sabemos quais novos desafios e aspectos sombrios nossos iremos encarar logo em seguida.

 

 

O fato de ninguém ter visto o feijão cair mostra que o desafio se formou no inconsciente primeiramente. Ao cair no solo ele é reprimido e pela consciência e se avoluma chegando a alcançar o céu.

Os gigantes nos contos de fadas simbolizam complexos autônomos de forte conteúdo emocional. Eles são representados como lentos e estúpidos. Psicologicamente também representam uma supervalorização de si próprio, mas que por vezes é necessária, pois caso contrário a pessoa não consegue realizar nada e assim sair de um estado que é apenas confortável. Os gigantes então representam certa megalomania do ego e por serem lentos e estúpidos mostram o tamanho do esforço que deve ser feito para sair da zona de conforto.

 

 

A gigante desce do céu, mostrando que um complexo e uma forte emoção atrelada a ele estava apenas no mundo das ideias, sendo racionalizada. Portanto, aquele final feliz escondia um segredo, uma megalomania inflacionaria que estava disfarçada e reprimida.

 

 

O feijão cai no solo e cresce atingindo o céu. Ou seja, esse pé de feijão tem a função de ligar dois mundos com a função de trazer o que há neles para o mundo humano. Na Mitologia o mundo subterrâneo e o céu representado pelo Olimpo não se misturavam. Cada um dos reinos tinha o seu deus regente e em raríssimas exceções eles iam ao reino um do outro. Apenas um deus podia transitar em todos os reinos e no mundo humano, esse deus era Hermes.

Podemos interpretar a vingança da mulher gigante como uma vingança contra a inflação humana. Uma deusa que desce dos céus para punir todos os eu tentam se igualar aos deuses.

 

 

A segunda parte do filme pode ser desconcertante para os mais sensíveis, pois mostra a noite escura da alma humana, a Nigredo. Ela mostra a vaidade, a ambição, a cobiça, a mesquinhez, o adultério, ou seja, toda a parte obscura que nossa sociedade judaico-cristã tenta de forma capenga reprimir.

 

O filme é então uma critica a essa sociedade, que busca finais felizes sem antes olhar suas mazelas, e que transfere para o outro seus aspectos sombrios ,(uma das cenas desconcertantes é quando os personagens tentam encontrar um culpado pela vinda da gigante) sem assumir seus erros e responsabilidades.

 

Enquanto olharmos apenas para a pureza, racionalidade (albedo), iluminação (citrino) e a ação (rubedo), e nos esquecermos e desprezarmos nossa sombra, não prestaremos a devida atenção aquilo que plantamos e sempre seremos pegos por gigantes vingativos. Somente com o enfrentamento dessa sombra podemos nos tornar mais humanos.

 

Trailer

 

Mais filmes indicados ao OSCAR 2015: http://ulbra-to.br/encena/categorias/oscar-2015


FICHA TÉCNICA DO FILME

CAMINHOS DA FLORESTA

Título Original (EUA): Into the Woods (Original)
Direção: Rob Marshall
Duração: 125 minutos
Classificação: 12 anos
Ano: 2015

Compartilhe este conteúdo:

Ewá e o arquétipo da castidade

Compartilhe este conteúdo:

Ewá ou Iyewa é uma divindade feminina reverenciada como a dona dos horizontes, da névoa e do cemitério. Filha de Nanã, seu nome significa mãezinha do caráter.

Ela também é um Orixá das águas, mais especificamente do rio Yewá, em lagos da Nigéria. Aparece em algumas lendas vivendo no cemitério com Iansã e Omulu, em outras na névoa e em outras com Oxumaré no arco-iris.

É representada por uma bela virgem. O próprio Xangô se apaixonou por ela, mas não conseguiu conquistá-la. Representa a castidade. Tudo o que é virgem e inexplorado contam com a proteção dela: a mata virgem, as moças virgens, rios e lagos onde não se pode nadar ou navegar. Entretanto, em algumas lendas é retratada como a esposa de Oxumaré, pertencendo a ela a faixa branca do arco-íris, em outras aparece como esposa de Obaluaiê.

Na verdade ela mantém fundamentos em comum com Oxumaré, inclusive dançam juntos, mas não fica claro em suas lendas se ela é a sua porção feminina, sua esposa ou filha. Mas juntos eles conduzem o arco íris e o ciclo da água.

Por se tratar de um Orixá pouco cultuado no país é muitas vezes identificada como uma Oxum guerreira, ou como Oxumaré fêmea, devido ao fato de também portar uma cobra.

Ewá também tem o poder da vidência, atributo que Orunmilá (com quem também já apareceu casada) lhe concedeu. É também a rainha do céu estrelado e dos cosmos, ou seja, do lugar onde o homem não alcança. Sua saudação é “Riró”!

 

Seus símbolos são o Ejô (cobra) a espada e o Ofá (lança ou arpão).Sua origem é um tanto controvertida. Alguns afirmam que tal como Oxumaré, Nanã, Omulúe Iroko, Ewá era cultuada inicialmente entre os Mahi, sendo assimilada pelos Iorubas e inserida em seu panteão.  Havia um Orixá feminino oriundo das correntes do Daomé chamado Dan. A força desse Orixá estava concentrada numa cobra que engolia a própria cauda, o que denota um sentido de perpétua continuidade da vida, pois o círculo nunca termina. Ewá teria o mesmo significado de Dan ou uma das suas metades – A outra seria Oxumaré.

Ewá enquanto deusa virgem e das florestas inexploradas pode ser comparada à grega Artemis e à romana Diana. Artemis, assim como Ewá também tinha uma intensa ligação com seu irmãoApolo. A ponto de ser a sua única relação significativa com um homem.

É importante, a partir desse ponto, analisar esse aspecto virgem da deusa.  Na Alquimia a prima-mater, a matéria prima é virgem, ou seja, é pura, mas que deve ser transformada pela Opus.

Em seu livro As deusas e a mulher, Jean Shinoda Bolen nos traz uma reflexão profunda sobre esse aspecto da virgindade. Ele é muito mais que não ser inviolada por um homem. É o aspecto de não pertencer ou ser “impenetrável” ao homem. É a mulher que não é afetada pela necessidade de um homem ou pela necessidade de ser aprovada por ele, que existe completamente separada dele, em seu próprio direito. Portanto, quando a mulher está vivendo um arquétipo de virgem, isso significa que um aspecto significativo seu é psicologicamente virginal, e não que ela seja fisicamente ou literalmente virgem.

Toda mulher carrega em si um aspecto de virgindade, mesmo que já seja casada e mãe. É o aspecto da prima mater que deseja ser fecundado para que possa gerar nova vida. É o aspecto onde a mulher é uma em si mesmo, onde não leva rótulos de esposa e mãe. O lado de sua personalidade que não foi afetado pelas expectativas coletivas sociais e culturais. É o seu trabalho criativo que deve ser fecundado por seu animus.

Mas esse aspecto, quando levado de uma forma muito radical, pode ser muito perigoso. A mulher pode se tornar alheia a relacionamentos, não se permitindo viver emoções e experiências transformadoras. Outro aspecto importante desse arquétipo, a ser explorado, e que também se liga ao tema da virgindade é o fato de Ewá ser o Orixá que transforma a água de seu estado liquido para o estado gasoso, gerando nuvens e chuvas.  Transformar a água do seu estado liquido para o gasoso remete a operação alquímica sublimatio.

A sublimação é um processo onde uma substância inferior se transforma em uma superior. Tudo o que se refere ao movimento para cima, como escadas, aviões, elevadores, etc, está diretamente ligado à sublimatio. Ou seja, o arco-íris inatingível, o céu, a névoa, campos de atuação de Ewá correspondem a essa operação alquímica.

 

Em Anatomia da Psique, Edinger, descreve essa operação alquímica como um se colocar a uma distância das emoções.

“A sublimatio é uma ascensão que nos eleva acima do emaranhado confinador da existência terrestre, imediata, e de suas particularidades concretas, pessoais. Quanto mais alto nos elevamos, tanto maior e mais ampla nossa perspectiva, mas, ao mesmo tempo, tanto mais distantes ficamos da vida real e tanto menor a nossa capacidade de agir sobre aquilo que percebemos.Tornam-nos expectadores magníficos, mas impotentes.”

Se colocar acima dos problemas, tomar distância nos ajuda a ter uma nova perspectiva sobre problema, mas também pode nos alienar dessas mesmas emoções. Esse arquétipo, representado por Ewá, não se altera por suas experiências com os outros. Nunca é dominada por suas emoções, nem por outros. É invulnerável ao sofrimento, intocáveis nos relacionamentos, sendo, portanto, inacessíveis a transformações.

Outro aspecto importante desse arquétipo é narrado em uma de suas lendas. Na qual Ewá era filha de Obatalá, e o amor de seu pai por ela era muito estranho, fazendo-a viver em seu castelo como se estivesse em uma clausura. A fama da beleza e da castidade da princesa chegou a todas as partes, inclusive ao reino de Xangô. Mulherengo, Xangô planejou seduzir Ewá, empregando-se como jardineiro no palácio de Obatalá. Um dia Ewá apareceu na janela e admirou a beleza de Xangô. Não se tem notícia de como Ewá se entregou a Xangô, no entanto, arrependida de seu ato, pediu ao pai que lhe enviasse a um lugar onde nenhum homem lhe enxergasse. Obatalá deu-lhe o reino dos mortos. Desde então é Ewá quem, no cemitério, entrega a Oyá os cadáveres que Obaluaiê conduz para que Orisá-Okô os coma.

Algumas versões desse mesmo mito, narram que Ewá se decepcionou com Xangô indo viver no cemitério. Indo morar no cemitério, Ewá se torna morta para qualquer atividade afetiva. Essa é uma das características da mulher dominada pelo animus. A possessão pelo animus, ao contrario da anima, leva a mulher à morte. A morte de sua criatividade, de sua capacidade de se relacionar e amar.

Diferentemente de Oyá, que mesmo sendo a senhora dos mortos mantinha relacionamentos e era sexualmente ativa. Para finalizar, esse arquétipo, quando constelado, pode nos ajudar a nos distanciar dos problemas e das emoções intensas, de forma a garantir que possamos ver a situação como um todo e tomarmos uma decisão mais acetada.

Ele também representa nosso aspecto virginal, puro, nossa prima-mater, que guardamos em nosso íntimo e que não deve se submeter às convenções sociais. Mas para nosso desenvolvimento pessoal, nosso processo de individuação deve se abrir para a Opus, deve se abrir à fecundação, para que possa gerar novos frutos e nos transformar.

REFERÊNCIAS

BARCELLOS, M. C. Os orixás e a personalidade humana. Rio de Janeiro: Pallas, 2010.

JUNG, C. Os Arquétipos e o inconsciente coletivo. 2 ed. Petrópolis, RJ, Vozes 2002.

VERGER, P. F. Orixás. Círculo do Livro.

Compartilhe este conteúdo:

Obá – deusa do amor e da paixão incontrolável

Compartilhe este conteúdo:

Obá é uma divindade do rio de mesmo nome, foi a terceira mulher de Xangô, junto com Oxum e Oyá, e também mulher de Ogum segundo uma lenda de Ifá.

Orixá feminino muito forte e enérgico. É extremamente temida, sendo considerada mais forte que muitos Orixás masculinos como, Oxalá, Xangô e Orumilá, os quais venceram em lutas.

Sua lenda mais famosa é a da disputa entre ela e Oxum pelo amor de Xangô.

Oxum era jovem e elegante; Obá era mais velha e usava roupas fora de moda, fato que nem chegava a se dar conta. Obá pretendia monopolizar o amor de Xangô e sabendo o quanto ele era guloso, procurava sempre surpreender os segredos das receitas de cozinha utilizadas por Oxum, a fim de preparar as comidas de Xangô. Oxum, irritada, decidiu pregar-lhe uma peça e, um belo dia, pediu-lhe que viesse assistir, um pouco mais tarde, à preparação de terminado prato que, segundo lhe disse Oxum maliciosamente, realizava maravilhas junto a Xangô. Obá apareceu na hora indicada.

Oxum, tendo a cabeça atada por um pano que lhe escondia as orelhas, cozinhava uma sopa na qual boiavam dois cogumelos. Oxum mostrou-os à sua rival, dizendo-lhe que havia cortado as próprias orelhas, colocando-as para ferver na panela, a fim de preparar o prato predileto de Xangô. Este, chegando logo, tomou a sopa com apetite e deleite e retirou-se, gentil e apressando, em companhia de Oxum, Na semana seguinte, era a vez de Obá cuidar de Xangô. Ela decidiu pôr em pratica a receita maravilhosa: cortou uma de suas orelhas e cozinhou-a numa sopa destinada a seu marido. Este não demonstrou nenhum prazer em vê-la com a orelha decepada e achou repugnante o prato que ela lhe serviu.

Oxum apareceu, neste momento, retirou seu lenço e mostrou que suas que suas orelhas jamais haviam sido cortadas nem devoradas por Xangô. Começou, então, a caçoar da pobre Obá, que furiosa, precipitou-se sobre sua rival. Segui-se uma luta corporal entre elas. Xangô, irritado, fez explodir o seu furor. Oxum e Obá, apavoradas, fugiram e se transformaram nos rios que levam seus nomes. No local de confluência dos dois cursos de água, as ondas tornam-se muito agitado em conseqüência da disputa entre as duas divindades.

Por isso quando se manifesta em seus filhos, esconde seu defeito na orelha com a mão. Seus símbolos são uma espada e um escudo. Sua cor é o vermelho, seu dia é a quarta-feira e sua saudação é Obá Xirê.

Obá é o Orixá do vigor e da coragem, e se distingue das outras Iabás pela falta de charme e feminilidade. Entretanto ela não teme nada nem ninguém no mundo. Seu maior prazer está na luta. Obá venceu todas as disputas que foram organizadas entre ela entre diversos orixás, com exceção de Ogum, que aconselhado por um babalaô, preparou uma oferenda de espigas de milho e quiabo, amassando-os em um pilão, obtendo uma pasta escorregadia, a qual espalhou pelo chão, no lugar onde aconteceria a luta. Chegado o momento, Obá, que fora atraída até o lugar previsto, escorregou sobre a mistura, aproveitando-se Ogum para derrubá-la e possuí-la no ato. Assim tornou-se esposa de Ogum.

Ela também é um orixá das águas, entretanto representa as águas revoltas e fortes dos rios, assim como as pororocas. O lugar das quedas também são considerados domínios de Obá. Ela representa também a transformação dos alimentos de crus em cozidos. Obá, enquanto orixá do elemento água, representa as emoções. Mas emoções fortes e avassaladoras, como o amargor de não ser amado, o ciúmes e a vingança.

Nesse aspecto vingativo e ciumento Obá se assemelha a grega Hera ou Juno para os romanos. Deusa do casamento e da fidelidade conjugal era constantemente traída Zeus e se vingava de todas as investidas românticas dele.

Obá é orixá do amor não correspondido, das dores de amor, assim como a vingança e o rancor decorrentes disso. Ela é capaz de sacrifícios extremos pelo ser amado, a ponto de se mutilar. De perder uma parte de si mesmo.

Representa o aquele que foi enganado e rejeitado, e que por isso tornou-se amargo, passando assim a rejeitar uma nova experiência afetiva e a se voltar à realização profissional. Mesmo sendo extremamente forte fisicamente perde a sua personalidade em função do outro.

Obá pode representar a mulher masculinizada, onde a força bruta e a disputa com os homens imperam no lugar da sedução e vaidade (Oxum), e da alegria e sensualidade (Oyá). Entretanto, ela é mais que isso. Ela é uma mulher muito forte e que foi ferida, abandonada. Ela é considerada a representante suprema da ancestralidade feminina.

Obá é saudada como o Orixá do ciúme, mas não se pode esquecer que o ciúme é o coronário inevitável do amor. Portanto, Obá é a deusa do Amor e da Paixão incontrolável, com todos os dissabores e sofrimentos que o sentimento pode acarretar.

Referências:

BARCELLOS, M. C. Os orixás e a personalidade humana. Rio de Janeiro: Pallas, 2010.

JUNG, C. Os Arquétipos e o inconsciente coletivo. 2 ed. Petrópolis, RJ, Vozes 2002.

VERGER, P. F. Orixás. Círculo do Livro.

Compartilhe este conteúdo:

Oxumaré: o símbolo da continuidade e permanência

Compartilhe este conteúdo:

Oxumaré é um Orixá complexo, suas funções são múltiplas. Na Mitologia yorubá é considerado o Orixá dos movimentos e de todos os ciclos.

Senhor da mobilidade e da atividade, é representado pela cobra e pelo arco-íris, por isso é considerado o senhor de tudo o que é alongado, como, por exemplo, o cordão umbilical.Em sua mitologia é filho mais novo e preferido de Nanã. É irmão de Omulu, Ewa e Ossain.

Representado por uma serpente que morde a própria cauda, se mostra como símbolo da continuidade e permanência. Ao mesmo tempo em que representa a movimentação e mobilidade da Terra, com seus movimentos de rotação e translação, segundo Verger, Oxumaré enrola-se em volta da terra para impedi-la de se desagregar. Se perdesse as forças, isso seria o fim do mundo. Portanto, ele controla os movimentos para que não sejam nem rápidos nem lentos demais.

Seus domínios estão nos movimentos regulares, que não podem parar, como a alternância entre chuva e sol, dia e noite, frio e calor, positivo e negativo. O arco-íris, a grande serpente colorida, representa a comunicação entre o céu e a terra, um elo entre os dois. A ligação entre o velho e o novo, entre os homens e seus antepassados é assegurada pelo cordão umbilical.

Ainda sobre Oxumaré, Verger em Orixás diz:

“Oxumaré é, ao mesmo tempo, macho e fêmea. Esta dupla natureza aparece nas cores vermelha e azul que cercam o arco-íris. Ele representa também a riqueza, um dos benefícios mais apreciados no mundo dos iorubás.”

É o Orixá da tese e da antítese. Oxumaré é então um Orixá ambíguo. Macho e fêmea, belo (arco-íris) e perigoso (serpente), céu e terra, exprime, portanto a dualidade, a união dos opostos. A vida se expressa por meio do conflito entre os opostos, estar vivo é estar em meio aos opostos, dia e noite, sofrimento e prazer, calor e frio. Podemos afirmar, então, que Oxumaré exprime a vida humana, encarnada.

 

 

Arquétipo, onde está sintetizada a duplicidade humana, seu corpo mortal e seu espírito imortal. A imagem da serpente que engole a própria cauda, enrolada ao redor do planeta pode ser comparada ao trunfo XXI do tarô, O Mundo. Neste trunfo, está representada a Ouroboros, símbolo da eternidade, dos ciclos da vida, a espiral da evolução, a dança da morte e ressurreição.

A Ouroboros está ao redor de uma figura metade macho, metade fêmea, simbolizando os opostos, o negativo e o positivo. E também aparece rodeada por quatro animais, que simbolizam os quatro elementos.

Esse trunfo, assim como Oxumaré, nos remete a um universo ordenado, em harmonia com os ciclos da vida e em consonância com o Self. É então, a totalidade, a harmonia, o equilíbrio, mas também o início de uma nova jornada, não mais centrada no ego.

Outro paralelo está na mitologia judaico-cristã, onde a serpente simboliza o mal, a queda do homem, Satanás. E no arco-íris, símbolo da aliança de Javé com o seu povo, após o dilúvio.

Oxumaré é uma imagem ideal. Como seres humanos, essa totalidade raramente é encontrada. Mas como arquétipo Oxumaré mostra a necessidade de movimento e de transformação. Ele é o movimento psíquico, a dinâmica entre o inconsciente e o consciente, a relação entre ego e Self.

Sem esse arquétipo, a vida psíquica se torna estagnada e o processo de individuação paralisado.  Esse arquétipo, quando ativado na dinâmica psíquica do individuo, leva a descoberta dos opostos dentro de si. Negá-los é negar a vida. A dualidade é condição humana e aceita-la é o princípio da individuação.

E assim é a caminhada humana, sempre mudando, crescendo, sempre em movimento. Em estado de renovação, sem nunca alcançar o centro, o Self, mas sempre em direção à totalidade.

Referências:

BARCELLOS, M. C. Os orixás e a personalidade humana. Rio de Janeiro: Pallas, 2010.

JUNG, C. Os Arquétipos e o inconsciente coletivo. 2 ed. Petrópolis, RJ, Vozes 2002.

VERGER, P. F. Orixás. Círculo do Livro.

Compartilhe este conteúdo: