Ossain e a transformação da realidade

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Ossain, conhecido também por Ossonhe, Ossãe e Ossanha é o orixá das plantas e ervas tanto medicinais como litúrgicas.

É um orixá originário da região de Iraó, na Nigéria, muito próxima com a fronteira com o antigo Daomé. Não faz parte, como muitos pensam, do panteão Jeje assimilado pelos Nagô, como Nana, Omolú, Oxumaré e Ewá. Ossain é um deus originário da etnia Ioruba. Contudo, é evidente que entre os Jeje havia um deus responsável pelas folhas, e Ágüe é o seu nome, por isso Ossain dança bravun e sató, a exemplo dos deuses do antigo Daomé.

Orixá de extrema importância, uma vez que as plantas e a folhas são imprescindíveis nos rituais e obrigações de cabeça e assentamento de todos os Orixás através dos banhos feitos de ervas. O nome das plantas, a sua utilização e as palavras mágicas (ofó), cuja força desperta seus poderes, são os elementos mais secretos e importantes do ritual de culto aos deuses iorubás.

Ossain é uma divindade que juntamente com Oxossi rege as florestas.

Seus conhecimentos sobre os mistérios das folhas se estendem sob o âmbito da utilização mágica e do uso medicinal, tornando-o um orixá da cura e da medicina, formando assim um par de oposto com Omulu, orixá das doenças.

Suas cores são o verde e o branco. Seu dia da semana é a quinta feira. Sua saudação é: Ewé ó! Seu símbolo é uma haste de ferro, tendo, na extremidade superior, um pássaro em ferro forjado; esta mesma haste é cercada por seis outras dirigidas em leque para o alto.

Conforme uma lenda de Ifá “o pássaro é a representação do poder de Ossain. É o seu mensageiro que vai a toda parte, volta e se empoleira sobre a cabeça de Ossain para lhe fazer o seu relato”. O simbolismo do pássaro é bem conhecido das feiticeiras, por esse motivo Ossain é considerado o grande feiticeiro. Aquele que por meio das folhas pode realizar curas e milagres, e trazer progresso e riqueza.

Orixá do sexo masculino, que como feiticeiro e estudioso das plantas, não possuía tempo para relacionamentos amorosos. Sabe-se que foi parceiro de Iansã, mas o controvertido relacionamento com Oxóssi, que ninguém pode afirmar se foi ou não amoroso, é o mais comentado.

Na verdade, Ossaim e Oxóssi possuem inúmeras afinidades: ambos são orixás do, da floresta, do mato, das folhas, são grandes feiticeiros e possuem ligação com as Iami Oxorongá.

Devido a sua relação com a medicina, Ossain se aproxima do grego Asclépio (ou Esculápio). Deus da Medicina. Enquanto feiticeiro, Ossain também pode ser associado ao trunfo do Tarot, O Mago. O Mago é aquele que conhece a manipulação dos elementos. É aquele que transforma um elemento em algo útil e curativo.

Em termos arquetípicos, O Mago é aquele que tem a capacidade de transformar a realidade, ele é capaz de fazer uma modificação da consciência. Ossain, pode ser considerado o representante do arquétipo do xamã, um misto de mago e  curandeiro.

 

 

Em nossa vida prática, quando o xamã é constelado, podemos ter acesso a uma transformação psíquica, uma cura mágica de uma neurose ou de um conflito. Uma vez que o xamã tem a capacidade de entrar em um estado alterado de consciência. Ele vive em um limiar entre o ego e o inconsciente coletivo, sendo uma ponte entre o consciente e o inconsciente

Além disso, começam acontecer uma série de acontecimentos sincrônicos. A vida está seguindo seu fluxo corretamente. Mas nem tudo são flores nesse arquétipo. E como todos os outros ele possui uma sombra, que deve ser reconhecida, reverenciada e compreendida.

 

 

O mago-curandeiro tem um poder maior que o rei, apesar de sua atuação ser discreta e menos evidente. Entretanto, ele é imprescindível, pois sem ele haveria muitas mortes. E esse poder gera um desejo de controlar e manipular os outros. A sua sombra, então, é justamente querer mudar o outro e manipulá-lo.

Quando aprendemos algo, ou temos uma experiência que muda as nossas vidas queremos que os outros nos sigam. E isso é um erro! Cada um tem a sua forma de viver que não está certa nem errada.

 

 

E a maior lição que Ossain nos deixa é que nosso mago, curandeiro interno deve ajudar cada um a descobrir seu próprio caminho e a entender a hora em que algo deve morrer ou ser curado. E isso só se aprende com muita sabedoria e paciência.

 

BARCELLOS, M. C. Os orixás e a personalidade humana. Rio de Janeiro: Pallas, 2010.

JUNG, C. Os Arquétipos e o inconsciente coletivo. 2 ed. Petrópolis, RJ, Vozes 2002.

VERGER, P. F. Orixás. Círculo do Livro.

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Xangô – o fogo que rasga o céu

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Xangô foi o primeiro Deus Iorubano, por assim dizer, que pisou em terras brasileiras. Talvez por isso seja um Orixá tão popular por aqui. Tanto que em Recife, seu nome serve para designar o conjunto de cultos africanos praticados no Estado de Pernambuco. Filho de Oranian (fundador da cidade de Oyó e de sua dinastia), Xangô é símbolo da realeza, sendo aquele que reina forte e imbatível, e seu grande prazer está no poder.

É o Orixá do elemento fogo, do raio e do trovão, e também das formações rochosas. Extremamente vaidoso e sensual Xangô teve várias mulheres e sempre conquistou quem ele quis. Sendo símbolo de elegância e refinamento masculino. Xangô é o bon vivant.

Pode-se afirmar que seu ponto fraco era a sensualidade devastadora e a intensa atividade sexual contadas em muitas lendas e cantigas. Xangô teve três esposas: Obá, a mais velha e menos amada; Oxum, que era casada com Oxossi e por quem Xangô se apaixona fazendo com que ela abandone o marido; e Iansã, sua primeira esposa e a única que o acompanhou em sua saída estratégica da vida, que foi raptada por ele enquanto vivia com Ogum.

Nem é necessário comentar que era odiado e invejado pelos homens.

Pierre Verger faz a seguinte descrição de Xangô:

“Xangô é viril e atrevido, violento e justiceiro; castiga os mentirosos, os ladrões e os malfeitosos. Por esse motivo, a morte pelo raio é considerada infamante. Da mesma forma uma casa atingida pelo raio é uma casa marcada pela cólera de Xangô. O proprietário deve pagar pesadas multas aos sacerdotes do orixá que vem procurar nos escombros os edùn àrá (pedras de raio) lançados por Xangô e profundamente enterrados no local onde o solo foi atingido.”

Aqui se apresenta mais uma faceta do Deus, o de justiceiro. Tanto que a ele se atribuem as questões jurídicas, onde os adeptos o buscam no intuito de resolver questões judiciais. O símbolo de Xangô é o machado de duas laminas estilizado, o Oxé. Que lembra muito o símbolo de Zeus em Creta.

Quarta-feira é o dia da semana consagrado a ele. E sua saudação é Kawó Kabiesilé (“Venham ver o Rei descer sobre a Terra!”). De acordo com uma de suas lendas à lenda, Xangô tinha o poder de cuspir fogo graças a um talismã que ele mandara Oiá-Iansã buscar em território bariba. No Brasil foi sincretizado com São Jerônimo.

Xangô era extremamente cortês e diplomático, mas não tolerava a menor contradição e mentira, deixando-se possuir por crises de cólera incontroláveis, chegando a perder o controle e ultrapassando os limites da decência. Ele é o fogo que rasga o céu, que destrói a Terra, mas que transforma e ilumina o caminho. Por isso a cor vermelha está associada a ele.

O vermelho, do fogo, é a cor da vida, da libido. Por essa razão Xangô é um orixá da vida. Ele abomina a morte e evita qualquer contato com os outros orixás que se associam a ela, como Omulu, a ponto de escolher a forma como morreu.

A associação mais óbvia de Xangô é com o Zeus grego e com Júpiter romano. Zeus, assim como Xangô é o rei poderoso, dono dos raios, autoritário, justo, voluptuoso e sensual. Outra associação seria com Baal – Hadad, o deus mais adorado entre os fenícios-cananeus. Deus das tempestades, da chuva, da névoa, do orvalho, era aquele que nutria as lavouras e trazia a fertilidade para a terra.

Outra divindade que divide com Xangô o arquétipo de senhor dos trovões é o germânico Thor. Este, assim como o Orixá, adorava disputas de poder e era o principal campeão dos deuses contra seus inimigos. Mas para compreender melhor Xangô, há que se considerar a lâmina IV do Tarot, o Imperador. Sentado em um trono com as pernas cruzadas, um rei é visto de perfil, com seu cetro na mão.

O Imperador representa a autoridade, a paternidade e a obediência. É o poder, o governo, e a proteção paternal. No Imperador, assim como em Xangô, está nossa experiência paterna, nossos ideais espirituais, nosso código de ética. Xangô pode então ser considerado o arquétipo paterno, nossa autoridade interior. A imagem arquetípica do pai nos permite ter auto-respeito e a enxergar nossa realeza, nosso lado digno, nossa nobreza.

O Imperador é o arquétipo do pai complacente e protetor, mas que pode se tornar irascível e vingativo, caso sua autoridade fosse desafiada. E ai reside a sua sombra, na rigidez e inflexibilidade. Concluindo, quando se aprende a lidar com esse arquétipo, ele pode fazer aflorar o potencial oculto de cada individuo, mas somente se o individuo estiver disposto a se submeter à disciplina, ética e justiça.

Com Xangô e necessário abrir mão de antigas crenças e preceitos ultrapassados e deixar queimá-los em seu fogo abrasador. Se assim não for sucumbiremos aos déspotas e tiranos externos e internos. Xangô também nos ensina que é necessário atender as necessidades físicas de prazer do corpo, mas que devem ser mesclados com princípios éticos provenientes do espírito. Sucumbir ao principio do prazer somente, pode nos tornar cegos, violentos e egocêntricos.

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Nanã – a mãe terra

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Nanã é um orixá muito antigo, e que está associada às águas paradas, à lama dos pântanos, ao lodo do fundo dos rios e mares. Pierre Verger ressalta que Nanã é um termo de deferência empregado na região de Ashanti para as pessoas idosas e respeitáveis e que esse mesmo termo significa “mãe” para os fon, os ewe e os guang da atual Gana.

Nanã é representada como uma senhora idosa, que quando se manifesta em seus iniciados, possui um andar lento e penoso, curvados para frente. Por essa razão é chamada carinhosamente de avó. Ela é mãe de Omulu, Ewá, Ossaim e Oxumarê. No Brasil, é sincretizada com Sant’Ana, a avó de Jesus Cristo.

O seu dia de consagração é a segunda-feira, juntamente com seu filho Obaluaê; ou o sábado, ao lado das outras divindades das águas. Sua saudação é Salubá! E seu símbolo é o Íbíri (um feixe de ramos de folha de palmeira com a ponta curvada e enfeitado com búzios). Foi o único Orixá que não reconheceu a soberania de Ogum como dono dos metais, pois seu culto é anterior à descoberta do ferro e, em seus rituais, não costumam ser utilizados objetos cortantes de metal.

Nanã é a junção dos elementos água e terra, ou seja, o barro.

Do barro surgiu o homem, portanto Nanã é o feminino ancestral, participante da criação, podendo ser comparada a Sofia. Além disso, ela é a senhora da morte, das coisas pútridas. É aquela que recebe seus filhos em seu ventre, após a morte, onde ocorre a decomposição dos corpos, para que surja nova vida. Disso surge a associação dela à operação alquímica putrefactio.

Enquanto arquétipo, Nanã corresponde a “Mãe-Terra Primordial”, Gaia.

Ela é uma figura austera, justiceira e absolutamente incapaz de uma brincadeira ou de alguma forma de explosão emocional. Ela é o feminino autoritário e controlador. A grande matriarca!

Considerada a mais antiga divindade das águas, não das ondas turbulentas do mar, como Iemanjá, ou das águas calmas dos rios, como Oxum, mas das águas paradas dos lagos e lamacentas dos pântanos, que lembram as águas primordiais que Odùduà encontrou no mundo quando criou a terra. E como divindade das águas rege os processos da fertilidade feminina, mas em outro pólo do que o referente a Oxum e Iemanjá.

Nanã rege o fim da maternidade, e do poder de procriação. Ela é encontrada na menopausa. Oxum é aquela que estimula a sexualidade feminina para que possa gerar filhos; Iemanjá estimula a maternidade e o cuidado com os filhos; e no fim está Nanã, paralisa tanto a sexualidade quanto a geração de filhos.

Ela, portanto, representa o fim de ciclos, a maturidade.

Nanã também representa o feminino ancestral que foi ferido e subjugado pelo patriarcado. Por isso ela não rende homenagens a Ogum, pois com o advento do ferro, o patriarcado se instituiu e assim sua influência foi diminuída.

Ela é a epítome do poder do Matriarcado, que possui como característica a Lei de Talião, o “olho por olho, dente por dente”. O Eu explica o seu caráter vingativo. E esse poder feminino quando destronado se tornou vingativo e rancoroso, e hoje clama por ser ouvido e reverenciado novamente.

Essa passagem do matriarcado para o patriarcado é narrado em várias mitologias. Na Mitologia grega, o mito de Orestes retrata essa passagem. Orestes matou a própria mãe Clitemnestra, para vingar a morte de seu pai Agamêmnon, assassinado por ela e o amante Egisto. Orestes recebeu ordens der Apolo, um deus essencialmente patriarcal, para matar sua mãe.

Ao matar sua mãe, Orestes é, imediatamente, envolvido pelas Erínias, as vingadoras do sangue parental derramado. Orestes então se refugia no santuário de Apolo em Delfos. Julgado por seu crime em Atenas, o voto da deusa Atena desempatou o resultado a seu favor.

O perdão e a absolvição de Orestes representam a ascensão dos valores do patriarcado, enquanto a permissão do matricídio representa o desprezo aos valores do matriarcado.

Essa passagem do matriarcado para o patriarcado foi necessária, uma vez que se fez necessário implantar a lei, a ordem e a justiça. Entretanto, isso se deu à custa e repressão dos princípios femininos. Hoje uma nova ordem se torna urgente, o que foi reprimido deve voltar a ser reverenciado e o arquétipo da alteridade, onde masculino e feminino convivem de forma harmônica, clama para vir à consciência.

De forma pessoal cada individuo pode colaborar nesse processo com o resgate da sabedoria de Nanã. A mulher quando chega à menopausa se encontra em um grande impasse, e há uma grande crise nesse processo. Sua capacidade geradora findou!

Ela pode se ressentir pela perda de poder sobre os filhos que cresceram e pela diminuição de sua atividade sexual. E é nesse momento que esse arquétipo em sua grandeza se constela, podendo auxiliá-la a encontrar um feminino mais profundo e sábio.

Quando mulheres e homens (por meio da anima) se empenham em resgatar esse poder feminino, e aprendem a honrá-lo podem encontra a verdadeira sabedoria que somente a maturidade pode trazer.

 

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Oxóssi e o arquétipo da liberdade

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Oxóssi é basicamente o Orixá da caça que vive nas florestas. E é retratado sempre munido de seu o arco e flecha. É o caçador por excelência. Conforme as lendas, teria sido o irmão caçula ou filho de Ogum.

Orixá da fartura e do sustento (pois provê os alimentos), Oxóssi está sempre presente nas refeições. Sendo o símbolo da ligeireza, da astúcia, da sabedoria e do jeito ardiloso para faturar sua caça. De acordo com Pierre Verger, em sua obra Orixás, Oxóssi significaria “o guarda noturno é popular”.

Oxossi vive na floresta e está relacionado com as árvores e os animais. As abelhas lhe pertencem e representam os espíritos dos antepassados femininos. Possui a habilidade de imitar os gritos dos animais com perfeição. E a sua principal função é propiciar, o alimento em forma de caça e proteger contra o ataque das feras.

Esse orixá tem uma estreita ligação com Ogum e Ossain, o senhor das ervas medicinais. Da sua ligação com Ogum, aprendeu a arte da caça, pois dele recebeu suas armas e com Ossain obteve o conhecimento do uso das folhas terapêuticas, atribuindo a si uma importância também de ordem médica.

Oxóssi, apesar de sua ligação amorosa com Iansã e Oxum (com quem teve um filho, Logun Edé) é retratado como um solitário, pois em sua qualidade de caçador, tem que se afastar das mulheres e de tudo que lhe atrapalhe a concentração. Orixá da mesa farta e do despojamento, não é dado a grandes conquistas, somente ao que lhe é necessário ao sustento. Sua saudação entre os adeptos é “Okê Arô” e seu dia da semana é quinta-feira.

Para começarmos a análise psicológica do arquétipo representado por Oxóssi, é importante analisarmos seu principal símbolo, o arco e flecha. Nele está contido muito da personalidade de Oxóssi. O arco e flecha pode ser caracterizado como uma das mais inteligentes invenções da história da humanidade. Com essa arma, o homem passou a evitar a luta corpo a corpo, à qual estava submetido

Na antiguidade, o homem precisava lutar corpo a corpo com os animais para caçá-los ou atirar dardos ou lanças, o que era extremamente perigoso e tornava praticamente impossível a caça às aves. O arco e flecha, então, passou a proteger o homem que podia atirar a uma distância segura e em silêncio. Levando a humanidade a um salto para frente em termos de melhoria quanto à sobrevivência.

Arco e flecha então é considerado uma invenção inteligente, fruto da função intuição, uma vez que veio se opor a força bruta. Além disso, para se utilizar o arco e flecha em uma caçada, era necessário não apenas ter uma boa pontaria, mas um estado psicológico adequado. Se antes disso o caçador houvesse tido uma briga, certamente erraria o alvo.

Portanto é necessário para se atingir um alvo buscar o equilíbrio interior. E com isso, chega-se a conclusão que Oxossi simboliza essa busca do equilíbrio interior para que se alcance uma meta. Acertar o alvo requer concentração, inteligência e intuição.

Oxóssi é o arquétipo que quando constelado, nos auxilia a encontrar o equilíbrio interior para alcançarmos uma meta. Ele auxilia no processo de individuação, pois a meta é estar consciente do Self, trazendo paciência, concentração, autocontrole. Não adianta usar de força bruta para acelerar a conscientização de aspectos obscuros. Isso demanda tempo, paciência.

Outro aspecto importante a ser analisado é a floresta. A floresta é símbolo de regiões obscuras, inexploradas e ainda primitivas. O ato de entrar em sair da floresta, do caçador, levando alimentos ao povo simboliza a entrada e saída do inconsciente em um movimento de regressão e progressão da libido.

Uma de suas lendas também mostra uma faceta de Oxóssi muito importante.

Vamos à lenda, tirada do livro Orixas de Pierre Verger.

“Olofin Odùduà, rei de Ifé, celebrava a festa dos novos inhames, um ritual indispensável no inicio da colheita, antes do quê, ninguém podia comer desses inhames. Chegado o dia, uma grande multidão reuniu-se no pátio do palácio real. Olofin estava sentado em grande estilo, magnificamente vestido, cercado de suas mulheres e de seus ministros, enquanto os escravos o abanavam e espantavam as moscas, os tambores batiam e louvores eram entoados para saudá-lo. As pessoas reunidas conversavam e festejavam alegremente, comendo dos novos inhames e bebendo vinho de palma. Subitamente um pássaro gigantesco voou sobre a festa, vindo pousar sobre o teto do prédio central do palácio. Esse pássaro malvado fora enviado pelas feiticeiras, as Ìyámi Òsòròngà, chamadas também as Eleye, isto é, as proprietárias dos pássaros, pois elas utilizam-nos para realizar seus nefastos trabalhos. A confusão e o desespero tomam conta da multidão. Decidiram, então, trazer sucessivamente Oxotogun, o caçador das vinte flechas, de Ido; Oxotogí, o caçador das quarenta flechas, de Moré; Oxotadotá, o caçador das cinqüenta flechas, de Ilarê, e finalmente Oxotokanxoxô, o caçador de uma só flecha, de Iremã. Os três primeiros muitos seguro de si e uns tanto fanfarrões, fracassaram em suas tentativas de atingir o pássaro, apesar do tamanho deste e da habilidade dos atiradores. Chegada a vez de Oxotokanxoxô, filho único, sua mãe foi rapidamente consultar um babalaô que lhe declarou: “Seu filho está a um passo da morte ou da riqueza. “Faça uma oferenda e a morte tornar-se-á riqueza”. Ela foi colocar na estrada uma galinha, que havia sacrificado, abrindo-lhe o peito, como deveriam ser feitas as oferendas as feiticeiras, e dizendo três vezes: “Quero o peito do pássaro receba esta oferenda”. Foi no momento preciso que seu filho lançava sua única flecha. O pássaro relaxou o encanto que o protegia, para que a oferenda chegasse ao seu peito, mas foi a flecha de Oxotokanxoxô que o atingiu profundamente. O pássaro caiu pesadamente, se debateu e morreu. Todo mundo começou a dançar e cantar: “Oxó é popular! Oxó é popular! Oxowussi! Oxowussi!! Oxowussi!”

As Iami Oxorongá representam as mães ancestrais. Elas são apresentadas como um misto de feiticeira e pássaro com um grito pavoroso e estão sempre iradas. São cruéis, chegando ao ponto de matar e devorar os próprios filhos. As Iami representam o inconsciente devorador, e o fato de matá-las representa o ato de se desprender do caráter regressivo e destrutivo do inconsciente. Levando a saida do paraíso representado pelo útero materno, para a vida adulta.

Esse tema do herói que mata o dragão, ou o animal terrível, é comum nas fábulas e contos de fada. E simboliza a saída do herói das garras da “mãe” terrível, possibilitando o encontro com a sua anima. Oxóssi, portanto, representa o arquétipo da liberdade. Mas a liberdade verdadeira só pode ser alcançada quando nos libertamos do caráter regressivo do inconsciente e de atitudes infantilizadas. Pois com a liberdade encontramos a responsabilidade. E Oxóssi é a responsabilidade de ganhar seu próprio sustento.

 

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Exú – o guardião dos caminhos

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 Exú é uma das figuras mais controvertidas do panteão das religiões afro-descendentes e o mais humano dos Orixás. Exú faz parte tanto do candomblé como da umbanda. No candomblé se apresenta como orixá e na umbanda se apresenta como entidade. Mesmo apresentando algumas diferenças nos rituais, esse arquétipo mantém as características básicas nas duas religiões.

O campo de ação de Exú é ilimitado. Possui múltiplas facetas dependendo da função exercida. O termo Exu em yorubá quer dizer esfera, elemento que realiza o círculo na terceira dimensão, criando o espaço em profundidade.

No candomblé, ele é o principal responsável pela ligação do mundo espiritual com o mundo material, entre os deuses e as pessoas, pois realiza a comunicação entre os homens e os Orixás, levando oferendas para os deuses e expressando suas vontades no jogo de búzios. Também é ele quem faz com que os ritos sejam cumpridos.

Segundo Pierre Verger em seu livro Orixás, antes de começar o “xirê” dos orixás no barracão de candomblé, deve-se fazer sempre o “padê”, palavra que significa “encontro” em ioruba; um encontro, principalmente com Exu, para acalmá-lo e dele obter a promessa de não perturbar a boa ordem da cerimônia que se aproxima.

É o Orixá guardião dos caminhos que levam e trazem e fazem as pessoas se encontrarem ou se distanciarem.

É conhecido como supervisor das atividades do mercado, padroeiro dos ladrões e arruaceiros, além de guardar templos e casas. Transita entre os limites do mundo, rua e casa, fora e dentro, imanente e transcendente, pessoas e deuses.

Originalmente é conhecido como um Orixá masculino, provido de um grande falo de madeira chamado opa-ogó, que teria a propriedade de transportá-lo, em algumas horas, a centenas de quilômetros e de atrair, por um poder magnético, objetos situados a distâncias igualmente grandes. Este objeto também representa a truculência e irreverência, bem como a fertilidade, que é resultado da comunicação e interação entre os princípios masculinos e femininos.

Além do opa-ogó, suas ferramentas e símbolos também são a chave e o tridente.

Sendo um orixá do fogo está ligado à criação dos seres, à procriação e à fertilidade. Ele é o primogênito da criação e o mensageiro dos orixás, quem abre e fecha os caminhos, portanto senhor das encruzilhadas, portador da fortuna ou do infortúnio.

Exú é representado como um ser impulsivo e de fácil comunicação, sabe envolver com palavras sendo irreverente e satírico. Prefere a convivência das ruas e bares, na companhia estimulante de boêmios e malandros. Apresenta caráter intelectualizado, criando intrigas e sofismas enigmáticos. Pode ficar de ambos os lados de uma questão por simples diversão, gostando de debates e discussão, tendendo a inverter a lógica de maneira criativa e zombeteira.

Apresenta qualidade de Trickster. Ou seja, é moleque, brincalhão, zombeteiro, malicioso e arrogante, e sendo somente coerente com sua própria incoerência.

É astucioso, grosseiro, vaidoso, indecente, a tal ponto que os primeiros missionários, assustados com essas características, comparam-no ao diabo, dele fazendo o símbolo de tudo o que é maldade, perversidade, abjeção, ódio, em oposição à bondade, à pureza, à elevação e ao amor de Deus.

Outra característica é a de corromper os limites do tempo e do espaço, invertendo o estabelecido e trazendo o inusitado e absurdo. Possibilitando o rompimento dos limites impostos sugerindo, por exemplo, que o sol brilhe a noite e a lua durante o dia.

Exu também não se submete ao estabelecido, pois representa todas as possibilidades e contradições.

Como princípio criador, também expressa à consumação de tudo o que foi criado. Duas lendas contam que Exú resolveu devorar todas as coisas que existem, começando por alimentos, passando por animais e plantas, até a sua própria mãe. Diante dessa ameaça, Orunmilá, seu pai, parte em seu encalço com uma espada e a cada encontro com Exú, cortava-lhe uma parte do corpo, essa perseguição se estende até aos nove níveis de Orum (céu), portanto ele é cortado em 201 pedaços. Ao chegar ao último nível eles fazem um acordo e Exú devolve tudo que havia devorado, inclusive sua mãe, com a promessa de que sempre seria servido primeiro. Em virtude disso, Exú deve ser alimentado sempre antes de qualquer atividade.

Contraditório em si mesmo, pode promover disputas e catástrofes – se as pessoas se esquecerem de lhe oferecer sacrifícios e oferendas. No entanto, dependendo de como é tratado, torna-se prestativo e protetor.

Revela-se, dessa, maneira o mais humano dos orixás, nem completamente mau, nem completamente bom – assim como seu equivalente grego Hermes, o romano Mercúrio, o hindu Ganesha e o egípcio Thot.

Exú está associado às funções de mensageiro, de condutor de mortos, transmutador de elementos; de aplicador de justiça de forma indireta, de restabelecimento da justa medida, das trocas e do comércio; dos caminhos e das entradas, das porteiras e dos umbrais, deus dos limites entre mundos, das artimanhas e dos embustes, da esperteza e da jocosidade.

Em termos psicológicos, podemos dizer que Exú representa a constelação de um arquétipo. Este arquétipo atua no sentido do desenvolvimento da psique e da construção dos aspectos pessoais de cada indivíduo, pois não pode haver troca, comunicação e criatividade onde não haja diferenciação – que é o objetivo final da psique.

O arquétipo constelado por Exu é o arquétipo do psicopompo. Psicopompo é uma palavra que tem origem no grego psychopompós, junção de psyché (alma) e pompós (guia) e designa um ente cuja função é guiar ou conduzir a percepção de um ser humano entre dois ou mais eventos significantes.

Este é um arquétipo presente na maioria dos registros mitológicos, sonhos, filmes e contos populares, e surge espontaneamente assumindo a tarefa de revelar um símbolo ou sentido de orientação, necessário para a continuidade da trajetória individual de quem o encontra.

Este guia interior pode ser de natureza humana, (na mitologia como Ariadne), animal (coelho de Alice no País das Maravilhas) ou espiritual (Hermes, Daimon).

A capacidade de lidar com os três níveis – o inferior, o terreno e o superior, o torna capaz de transitar e trazer mensagens destes planos. Em uma análise profunda, é capaz de trazer mensagens do inconsciente para a consciência, possibilitando que os conteúdos reprimidos (sombra) e o lado não digno tanto do analisando quanto do analista sejam elaborados e ressignificados.

Pessoas muito comprometidas com a vida consciente é comum serem surpreendidas por eventos que desestruturam seu frágil equilíbrio emocional. Nessas ocasiões, este arquétipo estará sempre presente, a fim de restabelecer a integridade psíquica, levando o individuo a lidar com neuroses, pânicos ou sumarizações.

Além disso, a capacidade de conduzir almas por estes planos o torna, sob o ponto de vista da psicologia analítica, um condutor dos seres em sua transmutação e em seu processo de individuação.

Portanto, a presença deste arquétipo é de importância vital para o processo psicoterapêutico, uma vez que esse é um trabalho em conjunto de negociação entre inconsciente e consciente.

O ato de se tornar consciente, portanto, deve passar pelo nosso lado menos bonito, menos digno, o nosso lado Exu, aquele que constantemente desprezamos, mas que é extremamente necessário para entrarmos em contato com outros lados de nossa personalidade.

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Órfãos de nossa própria infância: adeus Chavito

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Nesse fim de semana com a morte de Roberto Bolaños, houve uma comoção no país. Por essa razão resolvi escrever esse texto, para além de homenagear o talento criativo de Bolaños, compreender o sucesso e a emoção evocada com sua morte.

Chaves é uma série de televisão mexicana de comédia de situação criada e protagonizada por Roberto Gómez Bolaños e produzida pelaTelevisión Independiente de México (posteriormente, Televisa) e exibida pela primeira vez no Brasil em20 de junhode1971, noCanal 8.

A série relata as experiências de um grupo de pessoas que moram em uma vila, onde, o protagonista Chaves interage com seus amigos ocasionando mal-entendidos e discussões entre os vizinhos, em um tom cômico. O roteiro veio de umesqueteescrito por Bolaños, onde uma pobre criança de oito anos discutia com um vendedor de balões em um parque. Ele deu importância ao desenvolvimento dos personagens, aos quais foram distribuídas personalidades distintas. Desde o início, seu criador percebeu que o seriado seria destinado ao público adulto, não ao infantil, mesmo se tratando de adultos interpretando crianças.

Observando a série criada por Bolaños vemos os personagens em situações universais, ou seja, arquétipos: a mãe superprotetora; o homem que não gosta de trabalhar e vive endividado etc. As crianças: Chaves, Chiquinha e Quico mostram figuras infantis conhecidas de todos: o garoto pobre e sonhador, a menina que gosta de brincar com meninos e o garoto mimado, arrogante e manipulador, o famoso “dono da bola”.

Foi fácil para o público, independente da idade e da nacionalidade, se identificar com os personagens, principalmente os telespectadores latinos, que se identificam com a situação simples em que vivem os personagens. Mas o apelo mais interessante em Chaves é o do arquétipo da criança. Adultos interpretando crianças remetem ao arquétipo do puer aeternus, o deus-criança que nunca cresce.

A figura da criança apresenta um aspecto duplo: positivamente ele representa a espontaneidade, a renovação da vida e novas possibilidades; enquanto que negativamente ele nos leva de volta a infantilidade, à dependência, à preguiça, à falta de seriedade e a fuga da realidade, bem como das responsabilidades da vida.

Na vida prática, o puer aeternus é o homem que não se livrou do arquétipo da juventude eterna. Observa-se nestes indivíduos uma tendência em serem ingênuos, idealistas e a acreditarem em qualquer coisa. E assim é o personagem Chaves: ingênuo e idealista.

Não tenho como provar se Bolanõs possuía um complexo de puer aeternus (é bem provável que tivesse), entretanto se ele o possuía, foi completamente superado, conseguindo separar e eliminar o que era infantil de sua personalidade, mantendo somente sua criatividade.

Muitos artistas na história possuíam esse complexo. Alguns conseguiram superar outros não. Von Franz, em sua obra “Puer Aeternus”, cita Ghoethe como um artista que conseguiu aos poucos superar seu complexo e Saint Exupéry que, infelizmente, a despeito de sua obra “O Pequeno Príncipe”, não conseguiu se livrar do complexo, morrendo prematuramente em um acidente aéreo (típico do homempuer).

Por essa razão o personagem de Chaves tem afetado e comovido tantas pessoas, pois ele mostra a superação de um complexo e a forma criativa pelo qual se deu a elaboração desse processo de amadurecimento, tanto que, quando Bolaños pensou os personagens, ele tinha em mente os adultos que iriam interpretar aqueles papéis, e não as crianças.

Outro aspecto interessante da série é sua famosa frase: “Foi sem querer, querendo!”. Essa frase resume que apesar da ingenuidade e da inocência, características aparentes no personagem Chaves, todos os nossos atos possuem uma vontade inconsciente, logo, não somos totalmente inocentes em nossas ações. E as crianças, que se encontram em uma ligação mais próxima com o inconsciente que nós adultos, sabem muito bem disso.

Nossa sociedade costuma negligenciar o fato de as crianças, por essa proximidade com os aspectos inconscientes, também demonstram uma sombra negativa. E na série não é diferente. Podemos ver o lado negro da sombra infantil nas crianças da série de forma explicita, por meio da violência dos golpes e nos insultos entre os personagens, o que resultou em algumas críticas negativas para o seriado. Bem, as crianças possuem em seu lado sombra a agressividade. Elas aplicam bullying, colocam apelidos e pregam peças umas nas outras. Na série Bolaños mostra essa realidade com o artificio do humor.

Podemos dizer então, que o personagem Chaves é uma espécie de bobo da corte. Ou seja, ele é aquele que tem a permissão de dizer a verdade e até criticar, entretendo o rei, sem correr riscos. Muitos consideram Chaves grotesco e vulgar, mas essa é uma das características que melhor marcam o bobo, ou bufão, pois ele apontava, de forma um pouco grotesca, os vícios e as características negativas da sociedade.

Bolaños mostrou em seus personagens arquétipos presentes no nosso cotidiano: mãe devoradora, o homem vagabundo que não quer trabalhar, o garoto mimado, a menina travessa que ofendia o pai, entre tanto outros. A leveza com que ele tratava de assuntos do universo infantil tinha a capacidade de nos remeter a uma época de nossas vidas em que a inocência é nosso maior galardão. Por isso, para muitos de nós que esta semana se viram órfãos desse tão querido personagem essa perda relembra também a morte prematura de um aspecto de nossa psique que nunca queremos abrir mão: a infância perdida. É com pesar que damos adeus a este querido personagem o qual muitos de nós se encantaram, enquanto outros detestaram, mas tudo isso foi “Sem querer, querendo”!

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Jogos Vorazes: A Esperança – Parte 1

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A primeira parte de Jogos Vorazes – A Esperança mostra a heroína Katniss sendo preparada para ser o símbolo de uma revolução que irá liberta Panen do domínio da Capital.

Ela irá assumir o papel do tordo, o símbolo da resistência que irá mobilizar a população.

Portanto essa primeira parte fala sobre a força do símbolo e a capacidade que ele possui e mover uma nação toda. Entretanto antes de falar do tordo é importante compreendermos alguns símbolos em torno do filme.

Segundo a própria autora do livro (no qual se baseia a trilogia), Suzanne Collins, o nome do continente em que a história se passa, Panem, é uma referência a expressão Panem et Circenses, que no Império Romano nomeava a política que alienava a população em troca de alimentos e diversão.

Essa forma de política não é tão antiga e distante quanto nos parece e o filme faz justamente uma critica a essa política do espetáculo.

Hoje em substituição às batalhas no coliseu romano temos alguns entretenimentos que visam nos alienar: o futebol, o carnaval e a profusão de reality shows.

Nesse tipo de entretenimento escolhemos nossos heróis e projetamos nossas sombras elegendo os inimigos. Tudo isso a uma distancia segura.

O pai da psicanálise Sigmund Freud nos deixou os conceitos do principio do prazer e o principio da realidade. Que significa que quanto mais inseridos no prazer, mais distantes da realidade nos encontramos. Portanto quanto mais nos alienamos buscando o prazer momentâneo da televisão mais distantes do que ocorre conosco ficamos.

Isso acontece em Panem. O povo subjugado era controlado pelo medo e pelo espetáculo da guerra não enxerga o verdadeiro inimigo e dessa forma não se rebela. Vivendo em um estado letárgico de alienação.

Sobre a guerra apresentada em Panem entre os 24 tributos podemos observar a projeção de nossa sombra coletiva. Apesar de ser um espetáculo macabro, onde jovens são assassinados brutalmente, ele mobiliza o fanatismo que simplesmente adora a competição.

Nisso podemos observar um prazer imenso. O prazer do assassinato. Sobre esse tema Von Franz (2010) diz:

“Somos assassinos, não podemos viver sem matar, e mesmo quando somos vegetarianos não podemos mais ter a ilusão de não termos parte na roda da destruição. Toda vida natural está baseada no crime; trata-se sem duvida de um pensamento terrível, mas, a não ser que tenhamos uma natureza excessivamente sensível, ele levará, paradoxalmente, à vontade de viver. O ter consciência da destruição está estreitamente ligado a esse desejo.”

E é exatamente isso que ocorre em Panem, mesmo que de forma inconsciente. O povo, com sangue nos olhos e com sede de morte, acaba constelando a vontade de viver e de ter uma vida mais plena.

Enquanto vivermos achando que somos cheios de compaixão, iluminados, e que não possuímos em nós o instinto de destruição não teremos uma vida completa. Somos luz e sombra, vida e morte!

E é nessa disposição de espírito que surge nossa heroína.

O herói sempre é constelado quando os indivíduos não vivem sua própria vida.

Katniss é alguém que segue a sua interioridade, ela inspira as pessoas porque faz aquilo que ela deseja e não o que é imposto a ela. Ela é uma pessoa comum, simples que apenas vive conforme seus próprios anseios.

Dessa forma ela recebe a projeção de milhares de indivíduos que estão longe de sua própria natureza e acaba representando o símbolo da liberdade de ser quem se é.

Outra coisa importante sobre Katniss é que ela é uma inspiração da deusa grega Artemis. A menina – assim como a deusa – usa arco e flecha e logo na primeira cena de Jogos Vorazes a personagem é vista caçando um cervo – animal que está diretamente relacionado à deusa.

Von Franz (2010) aponta para um problema muito importante em nossa época. Ela diz que o maior mito da sociedade contemporânea: o de Cristo é um mito que mostra o Deus que encarnou em um filho. E esse filho, a despeito da repressão da igreja possui todo aspecto de totalidade, incluindo a sua sombra. Entretanto, infelizmente não possuímos um mito com a encarnação da Deusa. A única representante do feminino no cristianismo atual é a Virgem Maria, que infelizmente se apresenta com várias restrições sendo uma imagem unilateral do feminino. A imagem da Deusa foi purificada de sua sombra para agradar o patriarcado.

As antigas deusas do matriarcado como Hera e Afrodite apresentam aspectos de vingança e de sexualidade que foram destituídos da imagem da Virgem bondosa e acolhedora. Hera diante as investidas sexuais de Zeus buscava se vingar das mulheres e dos filhos inocentes, e se formos honestas conosco mesmo veremos que isso ocorre instintivamente com o feminino. A sexualidade natural e sem compromisso de Afrodite também passou a não ser bem vista na sociedade.

 

Nesse ínterim, vemos que a sombra da deusa ainda não fez a sua reaparição em nossa civilização, por meio de um mito da encarnação em uma filha humana. Entretanto, vejo um esforço da psique coletiva nesse sentido. Alguns filmes, como por exemplo, Valente e Malévola, são tentativas de trazer a sombra reprimida de volta a consciência humana.

E Katniss como representante humana de Artemis também mostra essa mudança e tentativa de inserção da totalidade feminina, uma vez que essa deusa, a despeito de ser uma representante da Grande Mãe, era uma deusa cruel, vingativa e agressiva.

E para finalizar, o tordo, símbolo da libertação é um pássaro muitas vezes usado como símbolo pelos amantes da música devido ao seu amplo repertório musical. Além disso, ele também pode representar a conciliação, a harmonia e a concordância entre partes dissonantes e opostas.

Ele representa então o símbolo da busca do equilíbrio e concordância entre os opostos. Um símbolo da totalidade.

Em meio à guerra e a destruição será possível encontrar a paz?

Guerra e paz, vida e morte encontrarão o equilíbrio na psique coletiva de Panem?

Essa é uma resposta para a segunda parte do filme.

 

FICHA TÉCNICA DO FILME

JOGOS VORAZES: A ESPERANÇA – PARTE1

Direção: Francis Lawrence
Música composta por: James Newton Howard
Ano:2014
Antecessor: Jogos Vorazes: Em Chamas
Continuação: Jogos Vorazes: A Esperança – Parte 2

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Iansã – Senhora dos relâmpagos e das tempestades

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Iansã ou Oya é um Orixá muito famoso e popular no Brasil. Oya-Iansã foi mulher de Xangô, juntamente com Obá e Oxum. É a deusa das tempestades e dos relâmpagos. Rege os ventos, o fogo e as paixões. Seus seguidores a saúdam gritando: “Epa Hey Oya!”.

É saudada como a deusa do rio Níger. E mesmo estando relacionada à água pelo rio e pela tempestade, ela também está relacionada com o fogo e com o ar (furacões, ventania). Isto indica a união de elementos contraditórios e conflitantes, o que vai influenciar diretamente a personalidade da deusa.

Domina o mundo dos mortos (Eguns), sendo o único orixá capaz de enfrentá-los e dominá-los. Para isso utiliza um instrumento litúrgico chamado Eruexim, uma chibata feita de rabo de um cavalo atado a um cabo de osso, madeira ou metal. No Brasil foi sincretizada com Santa Bárbara.

Oya é uma Orixá guerreira. Representante da força feminina e das mulheres que querem se firmar em um mundo masculino. Seu temperamento é ardente, impetuoso e transgressor. E essa tendência transgressora lhe permitiu ampliar ainda seus conhecimentos. Em Orixás, de Pierre Verger:

“Conta uma lenda que Xangô enviou-a em missão na terra dos baribas, a fim de buscar um preparado que, uma vez ingerido, lhe permitiria lançar fogo e chamas pela boca e pelo nariz. Oya, desobedecendo às instruções do esposo, experimentou esse preparado, tornando-se também capaz de cuspir fogo, para grande desgosto de Xangô, que desejava guardar só para si esse terrível poder.”

Representante da sensualidade desenfreada e das paixões avassaladoras, seus sentimentos são intensos. Não há meio termo com ela, ama e odeia com a mesma intensidade. Demonstrando seu amor e alegria da mesma forma desmedida com que exterioriza sua cólera.

Iansã, apesar de ser feminina e vaidosa se aproxima mais dos terrenos consagrados tradicionalmente ao homem. Em sua mitologia está sempre presente em campos de batalha e em caminhos onde riscos e aventuras se misturam. Enfim, não é o feminino apregoado pela cultura vigente. Não aprecia afazeres domésticos, e está sempre longe do lar. Mesmo assim, é extremamente sensual e fogosa.

Tendo muitos amores e verdadeiramente se apaixonando por eles (ela foi casada com quase todos os Orixás, adquirindo seus poderes com eles). Todavia, a fidelidade dela não está necessariamente relacionada a um homem, mas às suas convicções e aos seus princípios. Em uma de suas lendas, Iansã usava uma pele de búfalo, relacionando a deusa com antigos cultos agrários africanos ligados à fecundidade. Os chifres de búfalo, um de seus símbolos a liga à virilidade e à caça.

Iansã é aquela mulher que quer um homem ao seu lado para ser seu companheiro e não para dominá-la, nem sustentá-la. Não é dada a picuinhas, mostrando que nada nela é medíocre ou discreto. Enquanto figura arquetípica Iansã revela-se cheia de nuances. Ela pode ser associada à grega Afrodite, a suméria Inanna e a romana Vênus, enquanto deusa das paixões, do erotismo e do arrebatamento. Lembrando que Afrodite, assim como Iansã não possui pudores, sendo fiel ao principio do amor e da paixão.

Enquanto deusa ctônica e senhora dos mortos, tece paralelos com a grega Perséfone e com a suméria Ereshkigal. Perséfone era responsável por receber os mortos e encaminhá-los, assim como Iansã, que juntamente com Obaluaye servia de guia para as almas. Isso confere um caráter de psicopompo a Iansã, ou seja, de guia para as almas.  Em seu aspecto guerreiro, Iansã se aproxima da hindu Durga, que é uma Deusa Guerreira, por excelência.

A Grande Durga é extremamente bela, nascida da fusão da cólera de todos os deuses. Em alguns contos, possui 8 braços, em outros, 10, 12 ou até 18. Sempre segurando armas sagradas e realizando mudrás (gestos simbólicos com as mãos), montada em um leão, ou tigre, feroz. Assim como Iansã é representada com a cor vermelha, que simboliza movimento, ação, fogo, destruição, sexualidade.

Iansã, assim como Durga e suas armas, com sua espada está sempre em prontidão para combater o mal e a dominar os aspectos sombrios da psique. Durga matou o búfalo-demônio Mahishasura, outra ligação com Iansã, que utilizava pele de búfalo para se disfarçar. O búfalo simboliza o aspecto viril, instintivo e combativo, representa também o elemento terra, sendo dominado pelo feminino. Além disso, Durga aparece representada montada em um leão ou um tigre. Iansã também se liga ao leão, por meio de Xangô, que foi seu marido.

Essa ligação com as feras, como o leão, remete ao simbolismo do arcano 11 do tarô, a Força. E aqui o arquétipo de Oya-Iansã pode ser aprofundado e melhor compreendido. Essa lâmina do tarô apresenta uma mulher abrindo, com as duas mãos, as mandíbulas de um leão, tem como significado o domínio sobre as emoções instintivas, poderosas e selvagens.

Note que a dama não mata o leão, ela o doma; portanto o simbolismo consiste em não desprezar o inferior, em não aniquilar o que é bestial, destrutivo, mas sim aprender a utilizá-lo. A dama faz isso, de modo a conter a fera preservando o instinto criativo e instintivo presente no leão. O leão é um animal ligado a realeza, é o rei dos animais. E representa um aspecto infantilizado da psique, o egocentrismo, o “eu primeiro”, extremamente destrutivo se mal canalizado. Essa carta, então representa a coragem e a disciplina necessárias para dominar a raiva e usá-la a seu favor.

Para concluirmos esse estudo, Oya-Iansã, então representa a energia criativa do feminino. Ela destrói, por meio dos raios, para criar nova vida. Remetendo a outra lâmina do taro, o Arcano 16, A Torre. Energia que rompe padrões pré-estabelecidos. Quando a estrutura egóica está ultrapassada e cristalizada.

Iansã, em termos arquetípicos, representa também a perda do controle, por isso ela é considerada o Orixá do arrebatamento. A paixão nos toma como um relâmpago, com a força de um furacão e retira o chão de nossos pés. O ego perde totalmente seu controle. A paixão é experimentada como uma morte do ego. A perda do controle, por meio de uma paixão por alguém, ou por algo, ou por um ideal, é um baque para o ego, que muitas vezes se amedronta e foge. Entretanto, tão necessária para o processo de individuação.

Iansã é a quebra dos limites impostos pelas normas, que impedem o desenvolvimento da psique. Ela avança, de forma dinâmica, em direção aos aspectos regressivos, trazendo a uma nova vida aquilo que estava morto. Esse arquétipo, quando constelado, pode trazer a coragem para quebrar paradigmas e romper com limites já desgastados.

Pode ser conflitante e estranho o fato da deusa das paixões ser a que doma os instintos, mas somente um encontro genuíno e franco com esse aspecto instintivo pode levar a um entendimento e compreensão dessas forças. O que remete a frase de Carl Jung “O homem que não atravessa o inferno de suas paixões também não as supera.” Iansã, portanto, quando constelada, ajuda-nos a atravessar nossas paixões, mantendo a lealdade a nós mesmos, levando-nos assim a alcançar a sabedoria e a força de nosso guerreiro interior.

 

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Ogum e o arquétipo da coragem

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Ogum é um orixá muito popular e querido em nosso país. Orixá guerreiro, senhor da forja dos metais, da metalurgia e da tecnologia, possui caráter violento, impulsivo e arrebatado. É o senhor das estradas, não das encruzilhadas que é domínio de Exu, mas dos caminhos em si.

 

 

Ogum teria sido o mais enérgico dos filhos de Odùduà, o fundador do Ifé, e foi ele que se tornou regente do reino de Ifé quando Odùduà ficou temporariamente cego. Em algumas lendas é filho de Iemanjá e irmão mais velho de Exu e Oxossi.

No sincretismo religioso está associado a São Jorge ou Santo Antônio. São Jorge é um tradicional guerreiro dos mitos católicos, entretanto com Santo Antônio a associação é um pouco estranha, pois esse é um santo tem características de ser doce e benevolente.

Como deus do ferro e da metalurgia é, portanto, padroeiro dos ferreiros e de todos aqueles que utilizam esse material em suas ocupações.  Ogum está associado ao número 7, devido a uma luta com Iansã, onde ela foi cortada em 9 pedaços e ele em 7.

 

 

Em suas lendas é retratado com uma vida amorosa bastante agitada, teve relações com Oya, Oxum, Obá, além de diversas aventuras amorosas durante as guerras, se tornando em algumas lendas pai de Oxóssi. Isso lhe confere um caráter de conquistador.

Pierre Verger aponta que a importância de Ogum vem do fato de ser ele um dos mais antigos dos deuses iorubas e, também, em virtude da sua ligação com os metais e aqueles que os utilizam. Sem sua permissão e sua proteção, nenhum dos trabalhos e atividades úteis e proveitosas seriam possíveis. Ele é, então, o primeiro. E abre o caminho para os outros orixás.

A terça feira é o dia da semana que lhe é consagrado. No xire dos orixás, o primeiro a ser saudado depois que Exú se vai. Na ocasião dos sacrifícios, quando a cabeça do animal deve ser decepada, Ogum deve ser reverenciado, pois a faca utilizada pertence a ele.

Ogum é descrito com humor mutável passando de um temperamento tranqüilo a furiosos ataques de raiva, se tornando arrogante e impetuoso.  Quando apaixonado era doce e amável com sua sensualidade impetuosa que não se contenta em esperar, mas quando irado era implacável, destruidor, dramático e enérgico.

O sangue que corre no nosso corpo é regido por Ogum. Afinal ele rege o derramamento de sangue. Ogum representa a Rubedo na alquimia. Vida, libido, raiva, movimento.

 

Ogum como o deus do ferro e de sua forja é aquele que transforma o ferro em instrumento de luta, mas área de atuação de Ogum se expandiu para outros segmentos, além da guerra. É bem sabido, que em nossa sociedade ocidental, a maior parte das inovações tecnológicas vem justamente de pesquisas armamentistas, sendo posteriormente incorporada à produção de objetos de consumo civil, o que é particularmente notável na indústria automobilística, de computação e da aviação.

Portanto Ogum, em um nível coletivo, não simboliza apenas armas de destruição em massa, mas também o desenvolvimento tecnológico. Abrindo caminhos para o progresso com a atividade criador, levando a expansão de novas fronteiras.

Esse aspecto de operário que transforma a matéria-prima em produto acabado, o leva a ser associado a outros deuses da forja, como o grego Hefesto e o romano Vulcano.

Hefesto era o deus grego das forjas. Filho de Hera forjava armas para os deuses como Zeus e Atena. Hefesto era coxo, mas isso não o impedia de ser valente, destemido, engenhoso e de tomar parte ativa nos combates. Em sua mais famosa lenda, envolveu o próprio leito numa rede invisível, surpreendendo sua esposa Afrodite em flagrante adultério com seu irmão Ares.

O grego Ares, assim como seu equivalente romano Marte, possuem de longe a associação mais evidente com Ogum. Ambos são deuses da guerra, com caráter impulsivo e violento. Ogum, enquanto arquétipo representa a bravura, a virilidade, a impulsividade, a competição, a guerra. É a raiva, a ira, a indignação, mas também a coragem para a luta necessária e para a sobrevivência.

Ogum é a explosão de fúria e violência que cega o indivíduo. Um aspecto importante a ser analisado é a ligação de Ogum com o ferro, que nos da um importante dado sobre esse arquétipo. O ferro enrijecido simboliza uma raiva que se torna fria e enrijecida.

Ele representa uma fúria que ao atingir um patamar, um clímax, esfria e se torna gélida sensação de frio e mortal ressentimento. Esse amargo e sombrio ressentimento, mantém a fúria contida. É como uma lava vulcânica prestes a explodir. Se essa emoção é reconhecida pode ser transformada em algo criativo.

 

 

E o mito de Ogum-Hefesto nos aponta a saída. Aquilo que é aparentemente feio, desprezado, aleijado, como a raiva e a fúria, pode se transformar, sob o calor do fogo da forja, em algo criativo, útil e que leva ao desenvolvimento e ampliação dos horizontes do individuo. Uma nova tecnologia, ou seja, uma nova consciência, mais condizente com a realidade, mais útil para o individuo pode vir a tona, e assim o individuo estará munido de mais “armas” para lutar em seu dia a dia.

 

Referências:

BARCELLOS, M. C. Os orixás e a personalidade humana. Rio de Janeiro: Pallas, 2010.

JUNG, C. Os Arquétipos e o inconsciente coletivo. 2 ed. Petropolis, RJ, Vozes 2002.

VERGER, P. F. Orixás. Círculo do Livro.

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