O filme Secretary (2002), dirigido por Steven Shainberg e estrelado por Maggie Gyllenhaal e James Spader, é uma obra provocativa que explora dinâmicas de poder, submissão e desejo em um relacionamento BDSM (Bondage, Dominação, Submissão e Masoquismo). No entanto, sua representação desse universo pode gerar reflexões controversas sobre consentimento, saúde mental e preferências sexuais, além de reforçar o tabu em torno dessas práticas.
Uma das principais críticas ao filme é a forma como a saúde mental de Lee Holloway é retratada em relação à sua inclinação ao BDSM. A personagem apresenta um histórico de automutilação e um estado emocionalmente fragilizado, o que pode reforçar a visão equivocada de que o BDSM é uma expressão de trauma ou desvio psicológico. Ainda que algumas pessoas possam encontrar nessas práticas um espaço para exploração de fantasias e sublimação, a vinculação direta com patologias psicológicas pode ser reducionista e problemática.
Fonte: Lionsgate Films
Outro aspecto que levanta questionamentos é a forma como o consentimento é trabalhado na narrativa. No BDSM, o consentimento é um dos princípios fundamentais, e sua ausência pode distorcer a percepção do público sobre essas práticas. Em Secretary, não há um diálogo claro entre Lee e o Sr. Grey sobre os limites e acordos da relação, o que pode levar a interpretações equivocadas sobre a dinâmica BDSM e sua diferença essencial para relações abusivas.
Apesar dessas críticas, Secretary também oferece uma perspectiva interessante sobre a submissão feminina como uma escolha consciente. Diferente de narrativas que colocam a mulher submissa como vítima, Lee encontra no BDSM um meio de expressar seus desejos e identidade. Isso desafia a ideia de que submissão é sinônimo de fragilidade, mostrando como a entrega pode, paradoxalmente, ser uma forma de empoderamento.
A transgressão das normas é outro ponto central no filme, funcionando como um processo de reinvenção pessoal. Ao quebrar padrões convencionais, Lee encontra uma nova forma de existir no mundo. O ato de desobedecer normas pode ter esse papel catártico, funcionando como uma válvula de escape para transformação moral e, acima de tudo, pessoal. Nesse sentido, a sublimação aparece como um processo importante na jornada da personagem: sua energia psíquica antes direcionada à autolesão passa a ser canalizada na dinâmica BDSM, onde ela encontra um espaço para expressão emocional e autonomia.
Ao tratar o BDSM como um tabu e associá-lo à problemática psicológica da protagonista, Secretary pode reforçar estereótipos prejudiciais. Entretanto, também é possível enxergar na narrativa um questionamento das convenções sociais sobre desejo, controle e identidade. A evolução de Lee, quando analisada sob a ótica da sublimação e da autoaceitação, permite uma leitura mais complexa do filme, que vai além da relação superficial entre transtornos psicológicos e práticas sexuais não convencionais.
Ficha Técnica
Título Original: Secretary
Ano de Lançamento: 2002
País de Origem: Estados Unidos
Gênero: Drama, Romance, Comédia
Duração: 104 minutos
Classificação Indicativa: 18 anos
Direção: Steven Shainberg
Roteiro: Erin Cressida Wilson (baseado no conto Bad Behavior de Mary Gaitskill)
Produção: Steven Shainberg, Andrew Fierberg, Amy Hobby
Produtora: Slough Pond, TwoPoundBag Productions
Distribuição: Lionsgate Films