Doença Mental e Personalidade – o ser diante da patologia ou a patologia inerente ao sujeito

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Michel Foucault, atendendo a encomenda realizada por Louis Althusser (1918-1990), filósofo francês de vertente marxista, realizou uma pesquisa que resultou na primeira edição de um livro que foi denominado “Doença Mental e Personalidade”, em que mostrou que o homem se considerava racional caso fosse aceito pela sociedade e inscrito na normalidade socialmente aceita, além de tecer crítica ao psicologismo das categorias do adoecer e afirmar ser necessário contextualizar essas categorias, observando o homem em suas condições sociais e reais de vida, caso tenha como finalidade a desalienação do homem (KATZ, 2000).

Em sua segunda edição, o livro foi denominado “Doença Mental e Psicologia”, e Foucault conclui, após dar-se conta de que incidia no que criticava na primeira edição que eram as diferenças que se davam em relação aos concretos culturais, que a questão não era somente a questão de pensar as diferenças culturais, mas o estabelecimento dos fundamentos que permitem o surgimento da norma que regula os comportamentos, não se restringindo somente à analise da organização psicológica e existencial das personalidades, mas buscando analisar também os mecanismos que permitiriam o surgimento e a emergência da constituição científica das psicologias e dos destinos de tais personalidades.

Segundo Katz (2000), isso se dava em decorrência de que, ao mesmo tempo, estes produtos psíquicos se apresentavam, enquanto multiplicidade e diferença, em todos os grupos e também nos indivíduos assujeitados, o que implicaria não estar a questão vinculada àquela concretude que ele previa quando falava das condições sociais enquanto organizadoras da psicologia dos sujeitos, sendo necessário, mas a analise concomitante dos mecanismos de emergência desta constituição.

Depressão, Van Goh (1890)

Aqui pode-se afirmar que Foucault passa da simples avaliação da cura das doenças mentais para aprofundar a questão indo participar da discussão da fundamentação da loucura, de sua história, que posteriormente dará um novo contorno com o lançamento de sua História da Loucura.

Começando Doença Mental e Psicologia, Foucault já se lança a pergunta sob que condições se pode falar de doença no domínio psicológico? Quais os limites em que se tocam a patologia mental e a patologia orgânica?

E encontra um inapropriado uso do conceito de doença e patologia de sentido organicista para cotejar os adoecimentos, as patologias mentais que terminam por não ser condizentes com uma realidade. Principalmente quando o autor verifica o contingente de “patologias” que foram sendo incluídas no domínio da doença que antes ainda permitiam “o convívio social”.

Dessa forma a constituição pura e simples de uma sintomatologia correlacional entre um tipo de doença e alguma manifestação mórbida e uma nosografia em que demonstra a evolução da doença, e descrição em termos de alternância de sintomas em geral não correspondem sempre à possibilidade de classificação e sofrem de pré-conceitos que estão localizados exatamente no seu estatuto epistemológico, que tem por base postulados sobre a natureza da doença.

Uma delas se vincula com a visão de que a doença é uma essência, que possui índices, signos e sintomas descritores; e uma compreensão naturalista com nosografia unicista e unívoca, ainda que apresente variantes.

Dessa forma se poderia utilizar do mesmo estatuto epistemológico para seu estudo das doenças independentemente destas serem orgânicas e fisiológicas ou mentais e psicológicas, que consideraria a unidade humana e sua totalidade psicossomática.

Vejamos o que o próprio Foucault vai dizer: “Entre estas duas formas de patologia, não há então unidade real, mas somente, e por intermediário destes dois postulados, um paralelismo abstrato. Ora o problema da unidade humana e da totalidade psicossomática permanece inteiramente aberto”.

Dessa forma, ele afirmará que a noção de uma totalidade orgânica e psicológica ficará completamente comprometida por considerar a doença como uma realidade independente e uma entidade específica, vez que compreende a doença como inerente ao processo vital, não se impondo como uma realidade autônoma, mas parte do devir do indivíduo doente.

Assim, para o campo da patologia mental, ele advoga que “quanto mais se encara como um todo a unidade do ser humano, mais se dissipa a realidade de uma doença que seria unidade especifica; e também mais se impõe, para substituir a análise das formas naturais da doença, a descrição do indivíduo reagindo a sua situação de modo patológico”.

Foucault irá, então, buscar demonstrar sua concepção de que para as patologias mentais exigem métodos de análise diferentes das patologias orgânicas, indo contra a ideia ainda hegemônica de uma teoria organicista, considerando a visão de que a concretude de uma patologia unitária e essencial, logo ontológica, só pode existir na ordem do mito, não sendo possível a utilização de tal pré-conceito sobre a doença enquanto uma das condições epistemológicas da psicopatologia.

Aponta ainda sua lente o autor para a questão já em discussão por Canguilhem sobre o normal e o patológico, fazendo afirmações sobre a progressiva assimilação de que os quadros clínicos não são coleções de fatos anormais, mas constituídos em parte pelos mecanismos normais e reações de adaptação de um organismo funcionando segundo a sua norma particular, como respostas sistêmicas, como seriam os casos das doenças autoimunes. Ao mesmo tempo ele contrapõe-se a Canguilhem, que termina por considerar ainda incipiente, por manter uma consideração muito organicista sobre a patologia, não se aplicando completamente às patologias mentais.

Esse contraponto é lançado tendo em vista considerar Foucault que a ideia de solidariedade orgânica permitiria distinguir e unir dano mórbido e resposta adaptada, ao passo que em psicopatologia o exame da personalidade antecede a análises que pudessem permitir tal procedimento de distinção e união entre dano e resposta.

Foucault ainda demonstra que em psicopatologia não se tem como proceder como na visão organicista que consegue separar, na prática médica, o sujeito da coletividade, ressaltando sua individualidade. Em patologias mentais, a realidade do doente não pode e não se tem como ser separada das práticas do meio a seu respeito, apontando as relações de internamento e tutela impostas ao alienado (doente mental), sendo a dialética das relações do indivíduo e seu meio bastante diferentes em estilo em fisiologia patológica e psicologia patológica.

Tratar sobre dimensões psicológicas da doença para o autor impõe-lhe discutir que na realidade o adoecimento não se restringe ao déficit de determinadas funções, mas no déficit de determinadas funções e acentuação de outras ou outros fatores que passam a se destacar, demonstrando haver não somente fatos negativos, mas fenômenos positivos do adoecimento em termos psicológicos, onde o autor faz criticas à psicologização que imperava naqueles tempos em muitos meios que se permitiam somente uma visão negativa e organicista da doença mental.

Para Foucault o adoecimento faz exagerar os fenômenos mais estáveis e suprimir aqueles que aparecem mais lábeis, suprimindo as funções complexas, instáveis e voluntárias e exaltando as funções simples, estáveis e automáticas, funcionando de uma maneira que se torna peculiar ao sujeito adoecido, que não retorna a fases anteriores de seu desenvolvimento, mas implementa formas de agir peculiares que possuem características inerentes a todo o desenvolvimento do sujeito e não como perda da sua capacidade pura e simples, mas como solução de mediação entre o sujeito complexo (sua individualidade na complexa estrutura social em que vive e convive ou da qual é retirado) e a realidade com a qual lida em sua existência adoecida, o que nos permite ver que não ontológica sua doença, mas existencial e fenomenológica.

Para esse fato diz Foucault:

Não se trata de invalidar as análises da regressão patológica, mas é preciso somente libertá-las dos mitos dos quais nem Janet nem Freud souberam decantá-las. Seria inútil, sem dúvida, dizer, numa perspectiva explicativa, que o homem, adoecendo, volta a ser uma criança: mas do ponto de vista descritivo, é exato dizer que o doente manifesta, na sua personalidade mórbida, condutas segmentarias, análogas as de uma idade anterior ou de uma outra cultura; a doença descobre e privilegia condutas normalmente integradas. A regressão só deve então ser entendida como um dos aspectos descritivos da doença (…) a análise da evolução situava a doença como uma virtualidade; a história individual permite encará-la como um fato do devir psicológico. Mas é preciso agora compreendê-la na sua necessidade existencial.

A loucura enquanto fato cultural termina por ser uma questão que permeia a futura discussão realizada por Foucault quanto à história da loucura, que foi sendo incrementada em termos nosológicos e nosográficos, mas e com o intuito de retirar do convívio aqueles que não fossem produtivos ou que demonstrassem diferenças em relação à norma e ao considerado comum, crescendo exponencialmente o número de entes nosográficos que eram utilizados para classificar os sujeitos e buscar sua descrição, internamento e alienação do convívio, docilizando sujeitos que até tempos anteriores eram permitidos ao convívio.

Dessa forma o autor denota suas ideias já neste ensaio primevo em que perfaz dados sobre a loucura, seu desenvolvimento histórico, cultural, político (com o indícios de sua biopolítica do poder) indicando que talvez fosse necessário um dia “tentar fazer um estudo da loucura como estrutura global, da loucura liberada e desalienada, restituída de certo modo à sua linguagem de origem”.

Não podemos deixar de apontar que Foucault demonstra em suas análises nesta obra ainda de sua juventude acadêmica pontos fundamentais para uma psicopatologia fundamental, que não seja pura e simplesmente nosológica, nosográfica, e centrada na caracterização pura e simples ou mesmo de uma psicologização das compreensões humanas; que considera o desenvolvimento complexo e fenomenológico do sujeito e suas relações de encontro com uma realidade que lhe é  única e que deve ser considerada para sua avaliação e proposta de tratamento.

Ele aborda questões epistemológicas fundamentais para que construamos uma psicopatologia menos vinculada a índices, signos e sintomas, mas que seja fundamentada no estudo de um funcionamento particular do sujeito em processos patológicos que não são, por assim dizer, mas representam processos de adoecimento e que suas características serão sempre próprias e singulares.

 

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Ser bancário: o sujeito, o sofrimento e seus destinos

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O ser bancário: sujeito em constante adaptação

O trabalhador bancário é sujeito que em muitos aspectos se tornou docilizado pelas constantes investidas do discurso hipermoderno da flexibilidade/superadaptação e da responsabilidade pelo destino de sua empregabilidade e do super-executivo de sucesso, dando a impressão de ser glamouroso o ser trabalhador bancário.

A categoria dos bancários é extensamente estudada sob diversas abordagens, sendo analisados como uma categoria única, sujeita a uma mesma organização do trabalho, o que não se pode caracterizar como completa verdade, tendo em vista que existem várias condições do ser bancário na atualidade (existem os bancários que atuam nas atividades finalísticas e em atividades que são voltadas às questões de direção e organização deste trabalho, numa clara manutenção da divisão social do trabalho).

Não obstante já estarmos nas organizações financeiras em patamares que de longe ultrapassam uma visão taylorizada e fordista da simples produção, é perceptível que essa organização do trabalho tende a se parecer com uma construção de uma estrutura organizacional influenciada pelas novas tendências de gestão do processo toyotista de organização da produção e do trabalho, sendo uma modalidade híbrida de organização, que possui centros organizados no modelo taylorista/fordista, mas com modelos de gestão e de exigências de perfis profissionais ao modo toyotista.

Isso implica em que o trabalhador bancário fica exposto à condição de ter que ser flexível e adaptável, por vezes com o uso do discurso de que na era pós-moderna, que em verdade tem sido denominada hipermoderna, o profissional tem que ser generalista, pensando globalmente e agindo localmente. É forçoso, então, que o profissional em suas rotinas de trabalho lance mão de ter que fazer as atividades especificamente de sua área e complementarmente aquelas que são voltadas ao suporte operacional de seu trabalho.

O que motiva tal processo é a busca desenfreada no contexto organizacional de fazer mais com menos, utilizando-se de um discurso e de uma ideologia proveniente da cultura da excelência.

As instituições financeiras modernas apresentam uma estrutura organizacional que divide o trabalho basicamente em dois grandes segmentos: o segmento de atendimento ou relacionamento, responsável pela implementação das estratégias de relacionamento e negócios com os clientes, sejam pessoa física, pessoa jurídica ou governo, divididos em carteiras segundo classificações oriundas questões de marketing de relacionamento; e o segmento de suporte ou serviços, responsável pela condução de atividades relacionadas às operações de suporte ao negócio e pela condução dos processos internos da unidades de negócio, com uma divisão entre módulos de pagamento e recebimento, em que temos os caixas, modulo administrativo e modulo tesouraria.

O trabalhador, não obstante apresentar, principalmente no começo de sua carreira, o interesse em galgar novos postos, costuma encontrar-se em situações de mobilidade que são complicadas de ultrapassar a depender do segmento em que trabalhar, devendo responsabilizar-se pela sua carreira, mas encontrando barreiras para a mobilidade entre os segmentos.

Sente-se, muitas vezes tolhido em suas possibilidades, não obstante o discurso de existência de oportunidades para aqueles que buscam melhoria em sua carreira através do autodesenvolvimento e da aprendizagem e flexibilidade diante das situações novas que lhe são impostas, mas muitas vezes sem o suporte institucional e condições favoráveis necessários.

O sofrimento: lidando com as intempéries no ambiente físico e psíquico

Dessa forma, cercado de glamour durante anos, o sonho de vários jovens em se tornar bancário era precedido por um profundo reconhecimento social, pois a profissão garantia um salário considerado bom e também trazia status social e a sonhada estabilidade financeira. Com o passar dos anos e após diversos ajustes no ambiente econômico, com a inserção do processo de flexibilização da economia, o trabalho bancário tornou-se profundamente precarizado e esse glamour foi-se apagando, sendo a profissão agora sujeita ao gerencialismo, ao desgaste, à frustração, ao medo e à sua gestão (Resende, 2003; Antunes, 2005). As organizações que agora preconizam a flexibilização acabam por sujeitar o indivíduo a processos de gestão e de controle rígidos e, muitas vezes, sem margem para negociação, o que no caso do trabalho bancário é potencializado em função de os bancos serem os baluartes do capitalismo, considerados fonte misteriosa de multiplicação do capital (Jinkings, 2006).

Nos anos 90, quando se intensificaram as políticas de liberalização, desregulamentação e privatização, houve um maior impulso no processo de reestruturação produtiva nos diversos setores da economia, houve também um movimento complexo e acelerado de transformações o Sistema Financeiro Nacional que resultou na mudança das condições de trabalho, emprego e salário dos trabalhadores nos bancos (Jinkings, 2002).

Segundo Rossi, Mendes, Siqueira e Araujo (2009, 316), “nesse contexto pós-fordista, as formas de controle tornam-se mais sutis, substituindo, progressivamente, a vigilância hierárquica e o poder disciplinar pela mobilização psíquica do trabalhador. O que se deseja é a canalização da energia libidinal, em prol dos objetivos organizacionais. Assim, o adestramento do indivíduo, na organização, e o controle pela via afetiva, passam a ocupar um espaço mais evidente”.

A tecnologia de informação viabilizou a coordenação e controle da força de trabalho que a organização taylorista e burocrática não abrangia, pois reforça os mesmos princípios de rotinização, simplificação, fragmentação e desqualificação, retirando a compreensão do objetivo geral do trabalho e a necessidade de treinamento em quase todos os níveis e tipos de trabalhadores. O desenvolvimento contínuo dos computadores taylorizou os próprios profissionais do ramo, decompondo-os, conforme a própria análise estruturada, em gerentes, analistas, programadores/codificadores e operadores entre outras tantas classificações semi-especializadas frente á complexidades das soluções informatizadas, onde nenhum profissional conhece o todo de uma solução e sua especialização nada mais é do que uma rotina burocratizada, fragmentada e desqualificada (Kumar, 1997).

Segundo Castells (1999), na sociedade de informação e em rede em que vivemos, o trabalho ficará radicalmente modificado: o trabalho físico e instrumental cederá lugar ao trabalho intelectual, o próprio proletariado cederá lugar aos prestadores de serviços, pois os conceitos de mercadoria e valor-trabalho perderam sentidos e se dissolveram no informacional e imaterial.

Tal situação conduz a um processo ímpar em que o contexto das relações sócio profissionais tende a se degradar, surgindo o acirramento da competitividade entre os trabalhadores do setor, que até aquele momento conviviam numa harmonia maior, com um maior senso de cooperação e de proximidade entre os integrantes de uma determinada equipe. As relações de poder eram sentidas mais em outro patamar de resistência e convivência.

É evidente e demonstrado em pesquisas com bancários que as relações sócio-profissionais têm se degradado profundamente tendo por base uma estrutura que conflui para a competitividade e disputas de poder, tornando o ambiente propenso ao narcisismo, individualismo e desconfianças, não permitindo cooperação e tendo uma condição de avaliação altamente individual, fazendo com que os indivíduos, mesmo colaborando muito, muitas vezes sejam mal avaliados diante do cumprimento de metas.

Ainda a hibridização das atividades dos segmentos, em alguns setores da atividade bancária tem sido observado, visto que aquele segmento que antes era responsável pelo suporte aos negócios, realizando atividades de monitoramento, qualidade e manutenção de cadastros, vistorias em geral, preparação e envio de documentos foi diminuído, quase extinto nas unidades de negócio, passando algumas dessas atividades, em algum nível a ser efetuadas pelos próprios funcionários do segmento negocial e de relacionamento, inclusive com perda da qualidade, considerando que o foco de sua atividade é o atendimento e a realização de negócios.

De outro lado, termina o que resta do segmento de suporte tendo que realizar atendimentos, ainda que não tenham treinamento perfil relacional adequado ao tipo de atividade negocial, comprometendo também a qualidade do serviço.

Essa situação faz com que os próprios trabalhadores se sintam desgastados e desqualificados, buscando constante atualização, percebendo que ainda assim não alcançam o adequado nível de adesão ao tipo de tarefas, causando constrangimento e sensação de inadequação ao serviço, com o qual sentem contribuir com seus corpos e mentes, mas que nos períodos avaliativos não tem essa contribuição devidamente reconhecida, inclusive por não atingirem as metas estipuladas.

Tal situação (a pouca “qualidade”) leva os bancários ao sentimento de impotência, desqualificação e exaustão pelo não cumprimento de metas e de realização de seu trabalho, o que lhe causa desconforto pelo dever não cumprido (Dejours, 1992; 2006).

O bancário, dessa forma, ao modelo da teoria evolucionista, são separados entre os mais adaptáveis e os menos adaptáveis, trabalhando o sistema financeiro com um processo de seleção de indivíduos altamente capacitados, flexíveis e adaptados, mesmo que com isso comprometa a criatividade e um desempenho muito mais efetivo que o que é buscado com a compulsão a excelência.

Um ambiente com essa qualidade conduz à automatização, perda de criatividade e diminuição do afeto, quando são à sua clivagem, produzindo uma categoria de trabalhadores que tem demonstrado adoecimento físico e psíquico em alta, normopatas, esquizofrênicos e sociopatas.

Enquanto as condições ambientais de trabalho estão relacionadas à saúde do corpo físico, essa reestruturação da organização do trabalho está relacionada ao sofrimento psíquico, podendo ser decorrente de responsabilidades, relações de poder, hierarquias, formas de comando, tecnologia, divisão e conteúdo do trabalho, entre outros (Dejours, 2004a).

A psicodinâmica do trabalho, como afirma Mendes (2007), ao reconhecer o trabalho dicotomicamente como construtor de identidade e subjetividade e como fonte de alienação, direciona o estudo do sofrimento para a inter-relação dos trabalhadores com a organização do trabalho e para as estratégias defensivas que utilizam para lidar com o trabalho, dando-lhe contornos e destinos ao sofrimento.

 

Os destinos do sofrimento

Antloga e Mendes (2009) entendem que a saúde é resultante de conflitos intra e intersubjetivos entre o desejo do trabalhador e o a realidade de trabalho, o contexto de produção. A dinâmica prazer-sofrimento fica então reforçada como inerente ao trabalho e o processo psíquico do indivíduo e a consecução da utilização da energia libidinal na relação indivíduo-trabalho.

O construto prazer-sofrimento é entendido como um construto dialético, representando aspectos dinâmicos do relacionamento do homem com seu trabalho, sendo o sofrimento parte integrante do trabalho, que pode conduzir ao uso da mobilização subjetiva, da cooperação e da inteligência prática, ressignificando o sofrimento, dando-lhe sentido e conduzindo ao prazer; ou ao uso de estratégias de defesa individuais ou de grupo, que quando falham, podem conduzir à perpetuação do sofrimento, às patologias psíquicas e sociais.

Dentre os bancários tem-se encontrado fontes de resistência ao sofrimento que também têm relação com as questões teóricas acima apontadas, pois trata-se de uma categoria que lida com um trabalho imaterial, que em sua maior parte não se vê e de difícil reconhecimento quando não se discute efetivamente o trabalho e sua organização e não há espaço de discussão e margem para adequação da destes.

A solução dos problemas dos clientes tem-se demonstrado fontes de prazer quando há o reconhecimento dos mesmos, ou de sofrimento e mal-estar, tendo em vista o nível cada vez mais alto de exigência de um atendimento de qualidade prestado com cordialidade e rapidez.

A alta carga de exigência também está presente na pressão por metas e redução de tempos de atendimento, infindáveis e por vezes inalcançáveis, comprometendo a qualidade e o desempenho, tendo como princípio avaliativo a excelência e o desempenho individual, causando isolamento e não cooperação entre os indivíduos, equipes e segmentos de trabalho.

A organização do trabalho para os bancários demonstra características da constante presença de pressão institucional por resultados e pressão dos clientes por um atendimento ágil e que solucionasse seus problemas no momento em que são atendidos, sendo uma organização em que em tudo e por tudo os trabalhadores têm de se reportar aos normativos, sob pena de sanções, processos e inquéritos administrativos, produzindo por vezes a existência de violência no ambiente de trabalho, com frequente apontamento dos trabalhadores da prática do assédio moral.

Outro fator que impacta no volume de tarefas reside no fato de que existem atividades que deveriam pertencer ao segmento de suporte e que são direcionadas para esses mesmos  funcionários tendo em vista o reduzido quadro de funcionários em determinados setores da agência.

Esta hibridização no espaço das agências é resultado da concentração de alguns serviços em setores administrativos e/ou da terceirização de processos administrativos, de forma facilitar o trabalho, um discurso falacioso, e concentrar o trabalho das unidades de negócio no foco principal, a atividade fim que, no caso dos bancos, é a geração de negócios.

Entretanto, existem atividades estritamente ligadas à geração de negócios que não são terceirizadas ou concentradas em órgãos externos às agências que terminam por serem assumidos pelos trabalhadores que continuam nessas unidades, que, prioritariamente, devem voltar-se para os negócios.

A hibridização torna os funcionários do suporte atendentes mal preparados e os do atendimento em executores de rotinas sem o necessário know-how em processos e procedimentos, o que causa intensificação do trabalho para os dois segmentos e modifica o perfil do adoecimento no trabalho bancário.

Diante desta situação, nota-se que o fenômeno da hibridização não é favorável à saúde dos bancários, situação denotada nas falas dos entrevistados, e que demonstra uma degradação da organização do trabalho, que, conjugada com metas abusivas e inatingíveis e com o processo de gestão do medo e o assédio moral, torna-se inflexível a todos e não possibilita espaços para discussão do trabalho e para o investimento da criatividade na sua reorganização e compatibilização aos anseios e desejos dos trabalhadores.

Essa hibridização vai de encontro com a flexibilização do modelo da acumulação flexível, que aproxima os bancários de um perfil de trabalhador múltiplo.

A sobrecarga de trabalho aparece como uma das vivências de sofrimento mais citada, entretanto com características bastante diferentes entre segmentos, uma vez que para os funcionários do atendimento há uma maior carga de trabalho cognitivo, para interpretação das situações do dia a dia, das normas e da realização do trabalho dentro das mesmas, bem como se caracteriza pela incessante busca do cumprimento das metas, causando sentimento de desgaste, frustração e impotência, quando não de incompetência, ainda que não seja esse o fator que leva ao não cumprimento das metas. Tal situação pode conduzir a um processo de normalização, solidão e de servidão voluntária, podendo culminar em um processo de normopatia (Ferraz, 2005; Mendes 2008); ao passo que o segmento de suporte, por envolver mais o corpo na realização de seu trabalho, costumam representar o bancário que adoece por doenças osteo-musculares relacionadas ao trabalho – Dort, notadamente as lesões por esforços repetitivos – LER (Barbarini, 2001; Castro-Silva, 2006; Rossi, 2008; Rossi, Mendes, Siqueira e Araujo, 2009) e em um estágio posterior, pela perda de sua capacidade laboral, tendem a apresentar uma incidência de depressão e demais quadros psíquicos dela provenientes com forma de adoecimento.

Sobre o exposto ainda tem-se que acrescentar que, conforme dados expostos pelos sindicatos da categoria bancária, nos últimos anos, o perfil de adoecimento na categoria bancária tem delineado um quadro diverso, em que os trabalhadores que atuam em agências bancárias, em decorrência da intensificação do trabalho e do fenômeno da hibridização, tem sido expostos a riscos de adoecimento que antes seriam claramente delineados como pertencentes o um segmento de trabalho ou a outro.

 

 

Reorientações organizacionais

O contexto de trabalho bancário, diante do que se expõe acima, favorece riscos de adoecimento para segmentos diversos, com a presença clara do adoecimento osteo-musculares, mas que também se podem relacionar ao adoecimento psíquico em decorrência de uma adesão exacerbada ao discurso organizacional e às estratégias de docilização dos corpos, normopatia, com a presença da servidão voluntária e da ideologia da excelência, produzindo a autoaceleração que propiciará as doenças osteo-musculares.

Além disso, a presença da normopatia produz um ambiente desigual e violento, ainda que essa violência fique velada, não aparente, ela vai produzir indivíduos propensos às sociopatias e à reprodução viciosa do discurso da excelência, conduzindo à gestão pelo medo, gerando produndas marcas no processo de subjetivação do trabalhador bancário.

Concluindo, se pode sugerir que nas práticas de gestão de pessoas seja dada uma maior ênfase não ao discurso da participação dos funcionários, mas à abertura aos espaços de discussão do trabalho que permitam aos trabalhadores desvelarem seus sofrimentos e compartilhar, além de experiências, situações de angústia de forma a permitir um ambiente cooperativo e de reconhecimento, permitindo que o tripé composto pelo espaço de discussão, pela cooperação e pelo reconhecimento sendo gerador de um processo de elaboração da organização de trabalho, perlaboração das vivências de sofrimento e ressignificação do mesmo de maneira propiciar um processo de subjetivação que garanta relações sócio-profissionais saudáveis e que reduzam a possibilidade de adoecimento físico, psíquico e social, não como paliativos, ofurôs corporativos, mas efetivos, para além das práticas de qualidade de vida no trabalho atualmente efetuadas, mas permitindo a discussão e a readequação da organização do trabalho e não só do indivíduo ao seu posto de trabalho.

 

Referências:

Antloga, C. S. X.; Mendes, A. M. (2009). Sofrimento e adoecimento dos vendedores de uma empresa de material de construção. Psicologia: Teoria e Pesquisa, v. 25, n. 2, Brasília: UnB. p. 255-262.

Antunes, R. (2005). Os sentidos do trabalho. 7ª reimpressão. São Paulo: Boitempo.

Arendt, H. (2007). Eichmann em Jerusalém. São Paulo: Companhia das Letras.

Aubert, N.; Gaulejac, V. (1991). Le coût de l’excellence, Paris, Éditions du Seuil.

Castells, M. (1999). A sociedade em rede. São Paulo: Paz e Terra.

Castro-Silva, L. M. (2006). Casos de afastamento por LER/Dort e retorno ao trabalho bancário: uma análise psicodinâmica. Dissertação (Mestrado). Mestrado em

Psicologia. Programa de Pós-Graduação em Psicologia Social, do Trabalho e das Organizações. Instituto de Psicologia. Brasília: Unb.

Dejours, C. (1992). A loucura do trabalho: estudo de psicopatologia do trabalho. São Paulo: Cortez – Oberé.

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Dejours, C. (2006). A banalização da injustiça social. 7ª. ed. 4ª. reimpressão. Rio de Janeiro: Editora FGV.

Ferraz, F. (2005). Normopatia: sobreadaptação e pseudonormalidade. 2ª. ed. São Paulo: Casa do Psicólogo.

Jinkings, N. (2002). Trabalho e resistência na fonte misteriosa: Os bancários no mundo da eletrônica e do dinheiro. São Paulo: Editora Unicamp.

Kumar, K. (1997). Da sociedade pós-industrial à pós-moderna: novas teorias sobre o mundo contemporâneo. Rio de Janeiro: Jorge Zahar.

Mendes, A. M. (org.) (2007). Psicodinâmica do trabalho: teoria, método e pesquisas. São Paulo: Casa do Psicólogo.

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Rossi, E. M.; Mendes, A. M.; Siqueira, M. V. S; Araújo, J. N. G. (2009). Sedução e servidão em um caso de ler/DORT: diálogo entre a Psicodinâmica do Trabalho e a Sociologia Clínica. Psicologia Política, v 9, n 18. pp 313-330. Jul/dez.

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