A Civilização do Espetáculo: crítica à hipervalorização do entretenimento

Um público comprometido com a leitura é crítico, rebelde, inquieto,
pouco manipulável
e não crê em lemas que alguns fazem passar por ideias.
Mário Vargas Llosa

 Em seu mais recente lançamento editorial, “A Civilização do Espetáculo”, Mário Vargas Llosa – escritor peruano e Prêmio Nobel de Literatura – traz uma importante provocação acerca do atual panorama cultural do Ocidente, sobretudo no que ele qualifica como o declínio da linguagem – escrita e falada – e a hipervalorização do entretenimento, que passa a ser confundido com a própria cultura (em sentido stricto), conceito que está longe de ser verdade, de acordo com Llosa. “A cultura, no sentido tradicionalmente dado a esse vocábulo, está prestes a desaparecer em nossos dias. E talvez já tenha desaparecido, discretamente esvaziada de conteúdo”, denuncia.

Com 208 páginas e publicado no Brasil pela Editora Objetiva, o livro é um pequeno e poderoso ensaio que lamenta a derrocada da alta cultura, aquela que inevitavelmente leva à reflexão, e aponta para o ápice do entretenimento e da falta de profundidade nas produções artísticas. O resultado deste movimento é que as pessoas estão cada vez mais arredias a temas espinhosos e à própria tomada de consciência quanto à responsabilidade sobre os rumos da própria vida. Neste panorama, “qualquer empreendimento que exija algum esforço intelectual maior tende a ser rejeitado pelo leitor/consumidor em busca de prazeres fáceis e instantâneos”.

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Outro ponto importante, notadamente a partir do ápice secularista no Ocidente, é que a arte passa a ser vista como uma espécie de provedora de experiência estética, algo que até então era visto exclusivamente sob o domínio das religiões – em que pese estas apontarem para a dinâmica religiosa como algo que transcende a mera percepção cognitiva. Neste processo, Vargas Llosa defende a tese de T. S. Eliot, para quem “a divisão entre classes sociais e as respectivas culturas de classe é que mantém coeso e faz prosperar o conjunto da sociedade”. Além disso, num movimento mais aprofundado, Llosa parece se alinhar a Eliot no conceito de que “o legado do cristianismo, berço do pensamento europeu”, não pode ser subestimado. Neste processo, “a religião é necessária, por proporcionar o arcabouço para a cultura e proteger a massa da humanidade do tédio e do desespero”.

O livro também aponta para o fato de que atualmente há uma associação orgânica “entre o julgamento de valor e o sucesso comercial”, o que acaba por tolher produções genuinamente autênticas, referendadas por setores considerados mais eruditos. “A imensa maioria do gênero humano não pratica, não consome nem produz hoje outra forma de cultura que não seja aquela que, antes, era considerada pelos setores cultos, de maneira depreciativa, mero passatempo popular, sem parentesco algum com as atividades intelectuais, artísticas e literárias que constituem a cultura. Esta já morreu, embora sobreviva em pequenos nichos sociais, sem influência alguma sobre o mainstream”, pontua Llosa, para quem

“A distinção entre preço e valor se apagou, ambos agora são um só, tendo o primeiro absorvido e anulado o segundo. É bom o que tem sucesso e é vendido; mau o que fracassa e não conquista o público. O único valor é o comercial. O desaparecimento da velha cultura implicou o desparecimento do velho conceito de valor. O único valor existente é agora o fixado pelo mercado”. (LLOSA, 2013)

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Ainda sobre este ponto, em recente conferência para o projeto Fronteiras do Pensamento, em São Paulo, o escritor chega a comparar os artistas contemporâneos a palhaços, num cenário de constante confusão e oportunismo. Desta forma, os “maiores patifes e embusteiros são celebrados como grandes artistas, e o descaramento e o marketing substituem o talento”. Aliás já não é possível, afirma o autor, discernir com certa objetividade o que é ter ou não ter talento, “o que é belo e o que é feio, qual obra representa algo novo e duradouro e qual não passa de fogo de palha”.

Outra grande crítica feita pelo peruano atinge de cheio o chamado jornalismo sensacionalista. Para ele, esta área foi uma das maiores responsáveis pela propagação da inadequada aproximação entre os conceitos de cultura engajada e a mera produção de entretenimento para as massas. Diante destas circunstâncias, segundo Vargas Llosa, “os intelectuais que alcançam alguma visibilidade na mídia são aqueles que estão mais preocupados com a autopromoção e o exibicionismo do que com a defesa de algum princípio ou valor: afinal de contas, na civilização do espetáculo, o intelectual só interessa quando encarna o papel de bufão”. E mais, Llosa diz que já não há mais uma fronteira que delineia o jornalismo considerado “sério” e o entretenimento puro e simples.

[…] em nossos dias é difícil estabelecer diferença nos vários meios de informação. Porque uma das consequências de transformar o entretenimento e a diversão em valor supremo de uma época é que, no campo da informação, isso também vai produzindo, imperceptivelmente, uma perturbação subliminar das prioridades: as notícias passam a ser importantes ou secundárias sobretudo, e às vezes exclusivamente, não tanto por sua significação econômica, política, cultural e social, quanto por seu caráter novidadeiro, surpreendente, insólito, escandaloso e espetacular. Sem que isto tenha sido proposto, o jornalismo de nossos dias, acompanhando o preceito cultural imperante, procura entreter e divertir informando […]. (LLOSA, 2013)

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Fonte: https://marlanaesquire.files.wordpress.com/2015/12/facebook-detox.jpg?w=676

E o conjunto da sociedade, continua Vargas Llosa, estaria todo “contaminado” por essa “frivolidade” que é mais evidente nos meios de comunicação e meios de produção cultural. Sendo assim, “a cultura procura hoje, mesmo que não o deixe explícito, sobretudo divertir, entreter”. E assim como esta não era a função da imprensa, também não o era da cultura. “A cultura tentava responder às grandes perguntas: que fazemos neste mundo? Temos um destino ou não? Somos realmente livres ou somos seres movidos por forças que não controlamos? Toda essa problemática, que era à qual a cultura procurava dar resposta, praticamente se extinguiu hoje em dia, desapareceu”, lamenta.

Como já apontado indiretamente no alinhamento aos excertos de T. S. Eliot, Llosa também dá especial ênfase aos valores religiosos como elementos estruturantes. Assim, por mais equitativa que seja a lei – um dos baluartes do secularismo –,

“a justiça nunca chega a ser uma realidade tangível e ao alcance de todos […]. Suporta melhor a discriminação, a exploração e o desrespeito quem acredita que após a morte haverá desagravo e reparação para tudo isso”. E por que Deus existe, então? Porque “os homens […] não confiam em si mesmos. E a história demonstra que não deixam de ter razão, pois até agora não demonstramos que somos confiáveis”. (LLOSA, 2013)

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Por fim, em “A civilização do espetáculo”, Mario Vargas Llosa se revolta contra o que classifica de “banalização das artes e da literatura, e o triunfo do jornalismo sensacionalista e da política frívola”. Pessimista e inconformista, faz uma dura radiografia da contemporaneidade a partir de diferentes referenciais histórico-literários, e vaticina que a deterioração da cultura mergulha a todos em crescente embaraço, do qual “poderia resultar, no curto ou longo prazo, um mundo sem valores estéticos, em que as artes e as letras teriam passado a ser pouco mais que formas secundárias de entretenimento, na rabeira daquilo que os grandes meios audiovisuais oferecem ao grande público”. O cenário futuro – assim como ocorre nas assertivas de Nicholas Carr – é sombrio. Pelo respeito e peso que representa Vargas Llosa, deve ser levado a sério e discutido com esmero, sobretudo nas esferas acadêmicas.

 

FICHA TÉCNICA DO LIVRO

A CIVILIZAÇÃO DO ESPETÁCULO

Daniel Pereira
Daniel Pere

Editora: OBJETIVA
Assunto: CIÊNCIAS SOCIAIS – ANTROPOLOGIA
Idioma: PORTUGUÊS
Ano: 2013
Encadernação:  BROCHURA
Páginas: 208

REFERÊNCIAS:

LLOSA, Mario Vargas. A Civilização do Espetáculo; tradução Ivone Benedetti. – 1. Ed. – Rio de Janeiro: Objetiva, 2013;

Em “A Civilização do Espetáculo”, Vargas Llosa analisa a decadência da cultura. Disponível em <http://g1.globo.com/platb/maquinadeescrever/2013/10/13/em-a-civilizacao-do-espetaculo-vargas-llosa-analisa-a-decadencia-da-cultura/> . Acesso em 26/02/2016;

Mario Vargas Llosa e a banalização da cultura. Disponível em <http://www.fronteiras.com/entrevistas/mario-vargas-llosa-e-a-banalizacao-da-cultura> . Acesso em 26/02/2016.

Psicólogo. Mestre em Comunicação e Sociedade (UFT). Pós-graduado em Docência Universitária, Comunicação e Novas Tecnologias (UNITINS) e em Psicologia Analítica (UNYLEYA-DF). Filósofo, pela Universidade Católica de Brasília. Bacharel em Comunicação Social (CEULP/ULBRA), com enfoque em Jornalismo Cultural; é editor do jornal e site O GIRASSOL, Coordenador Editorial do Portal (En)Cena.