“Nada é mais vago do que a ideia de felicidade”, esta é uma das premissas expressas no primoroso livro “A Euforia Perpétua”, do filósofo franco-austríaco Pascal Bruckner (2002, Editora Difel), que procura demonstrar em 240 páginas a “insanidade” que é tentar manter-se, a alto custo e o tempo inteiro (o que para ele é impossível), no “estado de demonstração de felicidade”. Obviamente que Bruckner irá fazer uma arrasadora crítica ao atual modelo de felicidade, totalmente embebida no que Kierkegaard definiria como estágio estético1, onde a vida se resume a enlaces superficiais, sendo que as demandas que requerem reflexão e introspecção passam a ser, diligentemente, negligenciadas.
Bruckner alerta para o imperativo atual de que, em alguma medida, é mais importante perceber-se feliz, e fazer com que os outros assim o vejam, do que encarar determinados “ruídos” internos que, de forma geral, requerem uma postura de entendimento e enfrentamento. Na opinião do filósofo, esta equação é perniciosa uma vez que tenta suprimir as variações de humor pelas quais todos deveriam estar sujeitos a passar. Além disso, não leva em conta as variantes externas que porventura possam “atrapalhar” o agente nesta busca descomedida pela felicidade (os fenômenos da natureza, por exemplo). Então, as “mil maravilhas anunciadas só chegam a conta-gotas e desordenadamente, tornando a busca mais penosa” (BRUCKNER, 2002, p. 14). Sobre essa mesma temática, o historiador Leandro Karnal2 também revela que o desejo [pela felicidade, inclusive] agride o homem em duas circunstâncias: por buscar alguns objetos quase que inacessíveis e, quando acessado, por já não ter mais o mesmo significado.
Há, em Bruckner, três paradoxos para este projeto contemporâneo de felicidade. O primeiro deles refere-se à subjetividade. Afinal, quem define o que é ser feliz? Como se pode garantir que se é feliz, se o parâmetro do que é a felicidade vem do outro? Na maioria das vezes se segue um modelo previamente adotado e amplamente exortado. A felicidade, então, refere-se a “um objeto de tal maneira fluido, que se torna intimidante, por causa da imprecisão” (Ibdem, pág. 15). Isso leva, na sequência ou paralelamente, ao segundo paradoxo: uma vez “atingida” (como também pontuou Karnal), “[a felicidade] converte-se em tédio ou apatia”. Amargurado pelo percurso, o agente passa “a disfarçar o sofrimento”, o que caracteriza o terceiro paradoxo.
Mas, afinal, o que fazer diante do “absurdo da vida”? (KIERKEGAARD, 2008). Como lidar com um anseio por felicidade que se desvela desde a Antiguidade aristotélica e que culmina, na contemporaneidade, numa espécie de Felicidade Artificial no sentido dado pelo médico americano Ronald Dworkin? Bruckner vem dizer que há coisas mais importantes a serem buscadas, dentre elas a justiça, a amizade e a liberdade. “Não se trata de ser contra a felicidade, mas, sim, contra a transformação deste sentimento frágil em verdadeiro entorpecente coletivo ao qual todos devem se entregar” (BRUCKNER, 2002, p. 18).
Bruckner lembra também que toda a atual noção de felicidade vem do célebre filósofo Voltaire, tirada do poema Le Mondain (O Mundano, 1736): “O Paraíso terrestre é onde estou” (BRUCKNER, apud VOLTAIRE, 2002, p. 39). Na frase, o homem parece ter a opção de sair de um extremo ao outro. Assim, cria a ilusão de não mais ser atormentado pelas variações da natureza (variações estas que, como diria Nietzsche, compõem a própria estrutura orgânica do homem) e se coloca como senhor de si. É, no fundo, “uma defesa contra a infelicidade do presente em nome de uma idealização relacionada a paraísos remotos. O amanhã se torna novamente a eterna categoria do sacrifício” (Ibdem, p. 43).
No entanto, diz Bruckner, para vislumbrar um sentido mais genuíno de felicidade, esta não pode ser tida como o objetivo primeiro na vida. Antes, “[a felicidade], assim como o sofrimento, tem que ser subordinada à liberdade” (Ibdem, p. 239). Liberdade num sentido de “cimentar” um percurso mínimo para reconhecer-se a si mesmo como ser intersubjetivo, em seus variados problemas cotidianos. É, em algum grau, procurar despir-se, mesmo que isso ocorra nos “raros momentos de inquietação, dos alarmes” (Ibdem, p. 239).
A tarefa não parece ser nada fácil. Jogue a primeira pedra quem nunca fez aquela cara de alegria para uma foto no Facebook, quando na verdade, interiormente, não estava em um dos seus melhores dias. Como denuncia Bruckner, nestes casos, o que importa é “a impressão passada”. O resto, joga-se para debaixo do tapete. Isso até o dia em que algum médico prescrever doses diárias de Prozac, ou que finalmente o agente queira livrar-se de um emaranhado de camadas ilusoriamente protetoras e aceite, assim, se deparar com as suas fragilidades. Aqui, neste ponto, pode haver um início de percurso rumo a uma felicidade genuína.
Notas:
1– Estágio estético é quando alguém “vive para o aqui e agora e visa sempre o prazer, acreditando que bom é aquilo que é belo e agradável. Tal pessoa vive inteiramente no mundo dos sentidos e é extremamente focada na sensualidade e acorda e dorme priorizando os apetites dos sentidos”. (Almeida Silva, Michel Gustavo. kierkegaard e os três estágios da existência humana. Disponível em http://filosofiaeliteraturacomvinhotinto.blogspot.com.br/2012/08/kierkegaard-e-os-tres-estagios-da.html . Acessado em 05/10/2013)
2– KARNAL, Leandro. Temor e Tremor – CPFL Cultura. Disponível emhttp://www.youtube.com/watch?v=Bk4DkKaL6L8 . Acessado em 04/10/2013.
REFERÊNCIAS:
BRUCKNER, Pascal. A Euforia Perpétua. Rio de Janeiro: Difel, 2002.
DWORKING, Ronald W. Felicidade Artificial – O lado negro da nova classe feliz. São Paulo: Planeta, 2007.
KIERKEGAARD, Soren. Temor e Tremor. São Paulo: Hemus, 2008.