A Lista do Ódio: O bullying no contexto escolar

A obra de Jennifer Brown leva o leitor a refletir acerca das consequências do bullying nas escolas de diferentes pontos de vista.

 Daniela Iunes Peixoto (Acadêmica de Psicologia) –  danielaiunesp@rede.ulbra.br

“A Lista do Ódio” narra a história de Valerie, abordando os eventos que antecedem, ocorrem durante e sucedem a um tiroteio na escola onde cursa o ensino médio. O responsável por esse ato é seu namorado, Nick, cujos alvos são pessoas mencionadas na lista do ódio que Valerie inadvertidamente criou. Inicialmente concebida sem a intenção de prejudicar alguém, a lista toma um rumo inesperado quando Nick decide adotar medidas extremas.

Nick Levil, o namorado de Valerie Leftman, disparou contra vários colegas na cantina de sua escola. Valerie, ao tentar detê-lo, foi atingida, mas acabou salvando a vida de uma colega que a maltratava. No entanto, ela é responsabilizada pela tragédia devido a uma lista que ajudou a criar, contendo os nomes dos estudantes que praticavam bullying contra eles, a lista que Nick usou para escolher seus alvos. Agora, se recuperando do ferimento e do trauma, Val enfrenta a dura realidade de retornar à escola para concluir o Ensino Médio.

Assombrada pela memória de seu ex-namorado, enfrentando problemas familiares, conflitos com ex-amigos e a garota que salvou, Val precisa confrontar seus fantasmas e encontrar seu papel nesta história em que todos são, ao mesmo tempo, responsáveis e vítimas.

Em “A Lista do Ódio,” a narrativa oscila entre passado e presente. No passado, somos transportados para o relacionamento intenso entre a protagonista, Valerie, e seu então namorado, Nick. A conexão entre eles era profunda, marcada por um estilo de vida alternativo e pelo constante bullying que enfrentavam. Para Nick, esse tormento era agravado pelos abusos que sofria em casa.

No presente, Valerie está sozinha, confrontando a dor da perda. Nick, após abrir fogo na cafeteria da escola, tirou a própria vida. Seus alvos eram aqueles responsáveis pelo bullying, cujos nomes estavam meticulosamente registrados na Lista do Ódio, um caderno mantido em segredo por ele e Valerie. Para Valerie, a lista serviu como uma válvula de escape, enquanto para Nick, tornou-se uma fonte de motivação para vingança. Mesmo tendo evitado que o massacre fosse ainda mais grave, o retorno à escola após a recuperação de Valerie está longe de ser simples. A narrativa segue Valerie enquanto ela relembra o passado, buscando compreender onde falhou ao não perceber os planos de Nick. Ao mesmo tempo, enfrenta o presente, lidando com olhares carregados de ressentimento e acusações veladas dirigidas a ela.

A jornada de Val ao longo da trama é marcada por sua luta para se reintegrar ao mundo. A culpa a consome, e a vergonha a faz hesitar em retornar à escola. As lembranças do tiroteio a assombram, dificultando até mesmo a abertura para uma improvável amizade com Jessica, a garota que ela salvou ao interpor-se entre Nick e ela, uma das que mais a atormentavam.

Com o tempo, Valerie percebe que o massacre no Colégio Garvin deixou marcas profundas não apenas nela, mas também nos demais alunos, incluindo Jessica. Enquanto se recupera, Val enfrenta a necessidade de se redescobrir e se adaptar a uma nova realidade, na qual seus planos foram alterados. Nessa jornada, encontra apoio fundamental no terapeuta, o Dr. Hieler, que se revela um personagem secundário exemplar.

Os flashes do presente revelam seu reencontro com as vítimas sobreviventes, amigos, pessoas mencionadas na lista que conseguiram sobreviver, professores e adultos responsáveis que parecem tão perdidos quanto ela, incapazes de lidar com a situação. Além disso, exploram a dinâmica de sua relação com os pais e o irmão.

Nesse contexto, a terapia se revela essencial na trama, proporcionando a Val um caminho para superar seus traumas. Em contraste com obras que muitas vezes falham em indicar um caminho de superação, “A Lista do Ódio” se destaca ao abordar de maneira eficaz o processo de recuperação de sua protagonista.

                                                                                                                                                 Fonte: Pixabay

Entre as diversas formas de violência que ocorrem entre colegas escolares, o bullying destaca-se como a mais prevalente, sendo observado em grande parte das escolas, independentemente de serem públicas ou privadas, e em diferentes níveis de ensino (Malta et al., 2014). O bullying é um fenômeno intrincado, multidimensional e relacional entre pares, sendo caracterizado por comportamentos violentos, repetitivos e intencionais, que ocorrem ao longo do tempo em relações marcadas pelo desequilíbrio de poder e por diversas formas de manifestação (Olweus, 2013).

Fante (2005, 2008) apresentou que o conceito de bullying engloba um fenômeno caracterizado por ações agressivas e gratuitas direcionadas a uma mesma vítima, ocorrendo de forma contínua ao longo de um período prolongado e é marcado por um desequilíbrio de poder. Essa forma de agressão se distingue de outras, uma vez que é repetitiva, deliberada e intencional, não se referindo a divergências de pontos de vista ou ideias contrárias que possam provocar desentendimentos e brigas.

A gravidade dos atos de incivilidade, intimidações, assédio ou qualquer termo associado ao bullying reside, principalmente, em sua persistência. Tal continuidade provoca nas vítimas sensações de abandono e insegurança, ao passo que proporciona aos agressores a sensação de impunidade e poder, também mencionou Fante (2008a).

Schäfer (2005) abordou que os autores de bullying são indivíduos que realizam agressões contra seus colegas, visando vitimizar aqueles mais vulneráveis e utilizando a agressividade como meio de impor sua liderança em determinado grupo. Tendem a humilhar seus colegas como estratégia para obter valorização social. São frequentemente hábeis em empregar esse poder sobre colegas mais suscetíveis, incapazes de resistir às agressões.

Embora o papel inicial do psicólogo escolar/educacional tenha sido predominantemente clínico, concentrando-se na identificação de alunos com distúrbios de aprendizagem, problemas de conduta e de personalidade, observa-se que, na contemporaneidade, a atuação desse profissional está evoluindo em direção a uma abordagem mais social (Del Prette; Del Prette, 1996).

O exercício da psicologia escolar/educacional requer a habilidade de analisar e compreender as diversas relações presentes na instituição escolar e entre os agentes envolvidos, enquanto identifica as necessidades e oportunidades de aprimoramento dessas relações. Portanto, o profissional de Psicologia se depara com o desafio de direcionar sua atuação para a complexidade dos processos interativos que ocorrem no ambiente escolar (Del Prette; Del Prette, 1996).

Idoeta (2019) ao falar sobre a seleção da escola como palco para a execução de um ataque disse estar vinculado à frustração social do perpetrador, percebendo-o como um ato simbólico no qual a instituição escolar, na realidade, representa a sociedade como um todo. Dessa forma, torna-se imprescindível abordar o tema do bullying como possível agravante social no contexto escolar.

A partir desse entendimento, mostra-se de suma importância estabelecer de maneira nítida qual é o papel dos educadores e da instituição escolar na promoção e prevenção de situações de violência. Segundo Lins (2010), o bullying passou a ser reconhecido como um “problema de saúde pública”, exigindo o reconhecimento e a intervenção de profissionais especializados de áreas específicas. A abordagem eficaz e segura do bullying requer a colaboração conjunta de profissionais da saúde, pais, professores e gestores.

A interação desses agentes é vital para observar o comportamento dos alunos na escola, em casa e nos ambientes sociais de interação, considerando as condições psicopedagógicas, o ambiente físico da escola e as dinâmicas familiares. É fundamental que crianças e adolescentes cultivem relações saudáveis com colegas na escola, uma vez que isso contribui para o desenvolvimento social, previne o estresse psicossocial e fortalece a saúde individual.

Cada indivíduo deve ser motivado a enfrentar desafios, integrar-se em grupos sociais e ser estimulado a comunicar a outros caso experiencie agressões ou testemunhe atos de violência. É crucial que os educadores passem por treinamento para identificar situações de bullying e saibam como lidar com alunos envolvidos nesse processo, fornecendo a devida orientação quando necessário aos profissionais da saúde (Almeida; Silva; Campos, 2019).

Silva (2010) destaca a crucial importância da identificação precoce do bullying por parte de pais e professores, considerando que as crianças frequentemente omitem o sofrimento ou constrangimento vivenciado na escola, seja por receio de represálias ou de vergonha. O bullying é um fenômeno prevalente no contexto escolar, ressaltando a gravidade de uma realidade que causa consideráveis danos aos envolvidos em diversas escolas ao redor do mundo.

Frente aos desafios encontrados no ambiente escolar e na comunidade escolar como um todo, a Psicologia Escolar atua no sentido de mitigar discrepâncias, abordar dificuldades de aprendizagem e buscar estabelecer uma harmonia no ambiente educacional. No que diz respeito às intervenções nos espaços escolares, Marinho-Araújo e Almeida (2005) recomendam a realização de um mapeamento institucional, visando reunir evidências, investigar, analisar, discutir, refletir e colaborar na elaboração do projeto político-pedagógico (PPP) da instituição. A escuta psicológica, sendo a essência da cena no ‘espaço escolar’, é de considerável importância, pois revela as experiências das pessoas envolvidas nesse contexto.

 

 

REFERÊNCIAS

  1. ALMEIDA, K. L.; SILVA, A. C.; CAMPOS, J. S. Importância da identificação precoce da ocorrência do bullying: uma revisão de literatura. Rev. Pediatri,v. 9, n. 1, p.8-16, jun./ago. 2019.
  2. DEL  PRETTE,  Z.  A.  P.;  DEL  PRETTE,A. Habilidades  envolvidas  na  atuação  do  Psicólogo Escolar/Educacional.In: WECHSLER, S.  M. (Org.). Psicologia  escolar: pesquisa,  formação  e prática. Campinas, SP: Alínea, 1996, p. 139-156.
  3. FANTE, C. Brincadeiras perversas. Viver Mente e Cérebro, ano XV, 181, 74-79, 2008a.
  4. FANTE, C., PEDRA, J. A. Bullying escolar: perguntas e respostas Porto Alegre: Artmed, 2008.
  5. FANTE, Cleo. Fenômeno Bullying: como prevenir a violência nas escolas e educar para paz. 2.ed. ver. E ampl. Campinas: Versus Editora, 2005.
  6. IDOETA, Paula Adamo. Massacre em escola de Suzano: Padrão de atiradores envolve crise de masculinidade e fetiche por armas, dizem especialistas. BBC News Brasil. São Paulo, 16 de mar. de 2019. Disponível em: https://www.bbc.com/portuguese/brasil-47573154. Acesso em: 09 de nov. de 2023.
  7. LINS, R. C. B. S. Bullying: Que fenômeno é esse? Revista Pedagógica Inaugural, 2010.
  8. MALTA, D. C. et al. Bullying em escolares brasileiros: análise da Pesquisa Nacional de Saúde do Escolar (PeNSE 2012). Revista Brasileira de Epidemiologia, 17, 92-105, 2014.
  9. MARINHO-ARAUJO, C. M.; ALMEIDA, S. F. C. Psicologia Escolar: construção e consolidação da identidade profissional. Campinas: Alínea, 2005.
  10. OLWEUS, D. School bullying: Development and some important challenges. Annual Review of Clinical Psychology, 9, 751-780, 2013. doi: https://doi.org/10.1146/annurev-clinpsy-050212-185516
  11. SCHÄFER, M. Abaixo os valentões. Viver Mente e Cérebro Ano XIII, 152, 78-83, 2005.
  12. SILVA, A. B. Bullying: mentes perigosas nas escolas. Rio de Janeiro: Objetiva, 2010.