A Pequena Loja de Suicídios: o lado negro do capitalismo e o politicamente incorreto

A animação belga, canadense e francesa “A pequena Loja de Suicídios” (Le Magazines des Suicides) é fruto do livro homônimo de Jean Teulé. A obra é provida de humor negro, cinismo, pessimismo, o lado negro do capitalismo e de discussões politicamente incorretas. Toda a trama é composta por vários musicais, que apesar de longos não são cansativos ou enfraquecem o filme. Através das cenas cantadas é possível compreender melhor o que se passa verdadeiramente com os personagens.

A pequena loja de suicídios está localizada na depressiva e chuvosa Paris, onde seus moradores se arrastam pelas ruas. Não há sorrisos, não há músicas, apenas um trânsito conturbado, pessoas vazias, clima nublado e cinzento e uma enorme taxa de suicídio que cresce dia após dia, devido à crise econômica que assola a cidade.

O diretor e produtor Patrice Laconte associou, de maneira magnífica, temas importantes para refletir e discutir com toda a população, sendo eles: suicídio, valorização da vida e economia. Toda a trama gira em torno da família Tuvache e sua loja de artigos que propiciam a morte daqueles que tanto almejam pelo fim de suas vidas. É possível encontrar todo tipo de produto para ter uma morte garantida; cordas, venenos, facas e muitos outros produtos (muitos deles fabricados pela família Tuvache).

“Morte ou reembolso” é um dos lemas de Mishima, proprietário da loja, que, ao lado de sua esposa Lucrèce e os dois filhos – Marilyn e Vicente –todos aparentemente apaixonados pela morte, prometem a prestação de um serviço excelente, o qual nunca receberam reclamações, visto que quem esteve por lá nunca mais voltou.

Se sua vida foi um fracasso, pelo menos a morte será um sucesso” diz Mishima, com intuito de induzir e confiar ao seu cliente que a morte é a garantia do fim do seu fracasso e que agora o sucesso era, de fato, tangível.

Vale ressaltar que todo cliente, ainda que determinado a acabar com seu sofrimento, ao entrar na loja é tomado por uma sensação de insegurança e dúvidas, vez ou outra afirmam que não sabem qual forma seria mais agradável para pôr fim às suas vidas ou titubeiam devido aos preços altos de cada mercadoria. Dona Lucrèce, por sua vez, tem sempre uma resposta formada na hora da indecisão de seus clientes: Não é caro se você pensar que é a última vez que vai gastar. Mishima reforça esse pensamento dizendo: No caixão não precisa de moedas.Raramente um cliente sai de mãos vazias, ainda que motivados a cometerem o suicídio sentem medo e o fazem de forma que reflete um tipo de arrependimento póstumo, que apesar de pensarem naquela forma como o fim do sofrimento e da angustia, ainda há uma tristeza naquela situação, não se vê alivio, apenas um pesar sombrio. O que faz com que pensemos; É realmente isso que eles esperavam? Ou desejavam que alguém os salvassem daquele fim?

Mas tudo se transforma com a chegada do terceiro filho. O sorridente e espontâneo Alain, que chega trazendo “azar” para a família. Seu semblante repleto de vida, as gargalhadas inocentes, os pensamentos positivos, o otimismo e o desejo de ver o próximo feliz, tornam os negócios da família cada vez mais propícios ao fracasso. A primeira cliente ao ver Alain sorrindo diz: O sorriso dele me contagiou, não quero mais fazer isso. O que provoca no pai um certo tom de desgosto ao ver que o filho é uma pedra em seu lucro.

Alain é um contraste com toda a cidade de Paris. Diferente dos outros, a criança, ao lado de seus amigos, vive numa cantoria sem fim, assovia, brinca e dança.Causando bagunça na vida dos moribundos, cuja a única motivação é trilhar seus passos rumo à loja de artigos para suicídio.

É ao lado de seus amigos que Alain traça um plano infalível, para livrar a cidade da depressão crônica que assola toda a população. Sua meta é provar que nem tudo na vida é preciso ser levado à sério e que todas as coisas ao redor tem seu brilho e sua razão de existir.

Mas toda mudança que Alain pretende alcançar começa em casa. A loja de suicídio é uma afronta a vida, os sorrisos que nascem por lá são somente dos pais de Alain, pois eles veem lucros com a morte. Sua tristeza é nossa felicidade.

Essa obsessão com a dor do outro faz com que criemos certa aversão aos pais Tuvache, pois a imagem que, inicialmente, temos deles é que são pessoas que visam somente o lucro em cima do sofrimento alheio. Mas todo esse anseio pela morte, o desejo de pôr fim ao que causa dor, também acarreta a família Tuvache. Em um dos musicais, Lucrèce deixa claro que a morte para ela seria um luxo, aquela condição lhe adoece e que não aguenta mais ter que ver pessoas saltando dos prédios ou se enforcando. Senhor Mishima também se sente incomodado com essa situação, a ponto de adoecer, diz sentir um peso na consciência e que não sabe como controlar isso, uma vez que seus clientes dependem dele. A família está doente e a cura é Alain.

À medida em que o filme se desenrola percebemos a motivação que levou a população ao atingir o desespero a ponto de cometer suicídio. Na história temos como motivo principal a crise econômica, onde famílias se desfizeram devido à falta de dinheiro para manter uma vida saudável, com a desestruturação das famílias, àqueles que se viam como a base de tudo (pai ou mãe) entram em uma depressão grave, não suportando o sofrimento e a culpa, decidem que o melhor a fazer é pôr fim a própria existência.

Suicídio é o ato de tirar a própria vida, qualquer ação que possa levar o indivíduo a morte intencional, configura como suicídio. Existem diversos fatores que contribuem para as ideias suicidas, geralmente acometem pessoas depressivas, com transtorno de personalidade limítrofe, dependência química, esquizofrenia, entre outros.

O que leva uma pessoa a cometer suicídio? A principal característica do ato suicida está em livrar-se de algo, de alguma situação que causa dor, medo ou que faça com que a pessoa sinta-se incapaz de enfrentá-la. É uma fuga, alivio imediato daquilo que não está fazendo bem a si. Acontece também quando a pessoa se sente envergonhada, culpada, vítima ou quando se sentem rejeitadas pela família ou por um outro grupo social (escola, trabalho).

Há, também, diversas situações que contribuem para o surgimento de comportamentos suicidas. Essas situações são descritas, pelos indivíduos com ideação suicida, como algo devastador; morte de alguém próximo, trauma emocional, doença grave (terminal), desemprego, problemas financeiros e envelhecimento (a maior taxa de suicídios está na classe de idosos).

No filme, além da questão financeira, entra também o tema; autoestima. A filha do meio, Marilyn se sente feia, gorda e rejeitada, tem ideações suicidas, mas que são ignoradas e impedidas pelos pais, devido ao fato de que ela precisa ajudar nos negócios da família. Alain vê em sua irmã uma beleza única e procura uma maneira de ajudá-la a enxergar isso, esse é o primeiro passo para a mudança que quer trazer para sua família e sua cidade.

O plano de Alain não poderia ter saído melhor (desde ajudar sua família e todas as outras pessoas), apesar dos contratempos e do momento final parecer desnorteador, os objetivos de mostrar uma forma diferente de encarar aquela situação difícil da cidade, foram alcançados de forma ímpar.

Era isso que eles queriam (o suicídio) ou que alguém os salvassem daquela situação? O filme é, de fato, um convite à reflexões em torno dos desafios de manter-se “em pé”, diante das maiores dificuldades que permeiam a vida.

 

FICHA TÉCNICA

A PEQUENA LOJA DE SUICÍDIOS

Direção: Patrice Leconte
Vozes: Bernad Alane, Isabelle Spade, Kacey Mottet, Klein.
Gênero: Animação, Comédia, Drama, Comédia Musical
Nacionalidade: Bélgica, Canadá, França.
Ano: 2012