O sofrimento pela finitude em ‘Amour’

Com cinco indicações ao Oscar:

Melhor Filme, Diretor (Michael Haneke),
Atriz (Emmanuelle Riva), Roteiro Original (Michael Haneke), Filme Estrangeiro

“Vai durar até o dia em que acabar.”

Há filmes que apresentam a morte de forma poética, mas este não é o caso de Amour. Nele, a morte, observada em um velho apartamento elegantemente decorado, é apresentada da primeira até a última cena do filme de forma cruel, inevitável, lenta e libertadora. Além desse personagem, há o casal que passa a viver sob sua sombra: Georges e Anne. Dois músicos aposentados que compartilharam uma imensa vida juntos e que agora, sozinhos, tentam percorrer o último caminho de um deles, o que equivale a dizer: o último caminho de ambos.

Os objetos dispostos nos vastos cômodos do apartamento mostram a forma elegante e simples do cotidiano do casal. Assim, quando Anne sofre um derrame e uma cama de hospital fria e destoante do resto do cenário é incorporada ao seu lar, tem-se o início da vitória da dor sobre a calmaria e a rotina. E isso fica evidenciado na forma com que o diretor conduz as cenas, mostrando em tomadas longas e abertas a amplidão solene dos cômodos e as cores sóbrias dos móveis. A constatação de que os objetos que vivem no ambiente parecem inalterados diante do vendaval de emoções do casal fornece-nos uma sensação ainda mais complexa de derrota e finitude. É quase possível ouvir o som de uma valsa triste conduzindo os gestos minimalistas que caracterizam o sofrimento profundo gerado pelo entendimento do fim, sem artifícios ou fantasias.

Em Amour há dois tipos de morte: aquela que ocorre quando não há mais pulso e uma outra, ainda mais complexa e obscura, que tira do indivíduo o sentido da sua existência, mesmo que seu corpo frágil e sua mente confusa ainda permaneçam no mundo de alguém. A grande angustia de Anne era ser esse tipo de realidade para Georges, para sua filha e netos, ser apenas uma sombra da mulher que existiu, uma sombra disforme que não é capaz de acompanhar os movimentos imaginários de um corpo parado, uma sombra sem linguagem, mas com emoção demais para existir no silêncio e na escuridão.

A resiliência de Georges e a insistência em manter sua esposa no lar que compartilharam grande parte da vida refletem a profundidade do amor que os une. É a força desse sentimento que torna o filme suportável, pois há momentos em que a impossibilidade de ação de Georges diante da angustia de Anne é tão intensa, claustrofóbica e dilacerante, que seria mais fácil desistir do filme, afinal, como disse Anne em uma conversa com seu marido: “imaginação e realidade têm pouca coisa em comum”. Assim, parece mais reconfortante imaginar um universo e, a partir disso, criar um contexto menos real, porém mais familiar, do que suportar um mundo que, apesar de ser a imagem e semelhança dos que vivem nele, nem sempre lhes dá um campo verde e calmo para descansar.

 


FICHA TÉCNICA DO FILME

AMOUR

Título Original: Amour
Direção: Michael Haneke
Roteiro: Michael Haneke
Elenco principal: Emmanuelle Riva, Jean-Louis Trintignant, Isabelle Huppert

Alguns Prêmios:
Palma de Ouro de Melhor Filme no Festival de Cannes
Prêmio de Melhor Filme Europeu de 2012, Melhor Diretor, Melhor Ator (Jean-Louis Trintignant) e Melhor Atriz (Emmanuelle Riva) – Academia Europeia de Cinema
Melhor filme e Melhor Atriz (Emmanuelle Riva) – Associação de Críticos de Cinema de Los Angeles
Melhor Filme Estrangeiro do Círculo de Críticos de Cinema de Nova York

Doutora em Psicologia (PUC/GO). Mestre em Ciência da Computação pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). Especialista em Ciência da Computação pela UFSC, especialista em Informática Para Aplicações Empresariais pela ULBRA. Graduada em Processamento de Dados pela Universidade do Tocantins. Bacharel em Psicologia pelo CEULP/ULBRA. Coordenadora e professora dos cursos de Sistemas de Informação e Ciência da Computação do CEULP/ULBRA.