Before Sunset – Antes do Pôr-do-Sol

“Uma noite, sonhei algo estranho. Na verdade, foi um pesadelo. No pesadelo, eu tinha 32 anos. Depois, acordei e ainda tinha 23. Foi um alívio. Depois, acordei mesmo e tinha 32.”(Jesse)

“Não somos pessoas verdadeiras, certo? Somos apenas personagens do sonho daquela velha senhora. Ela está no seu leito de morte, fantasiando sobre sua juventude.” (Celine)

 

No final de “Antes do Amanhecer”, Celine e Jesse decidiram que se encontrariam novamente em dezembro daquele ano (1995).  Assim, não trocariam endereços, nem telefones, nem diriam seus sobrenomes. O bom de quando se tem 20 e poucos anos é que somos capazes de brincar com as amarras do tempo e dos acontecimentos. Nem nos damos conta de que os fatos se sucedem implacavelmente, mesmo contra nossa vontade, transformando nosso ingênuo “livre arbítrio” em um conceito cambaleante entre dois polos: a realidade e o sonho.

 

“Quando você é jovem, acredita que vai se ligar em muitas pessoas. Mais tarde na vida, você percebe que só acontece algumas vezes.”(Celine)

 

Em “Antes do Pôr-do-Sol” vimos que o encontro não aconteceu. Nove anos depois (2004), ouvimos Jesse falando, em uma pequena livraria de Paris, sobre um casal e sobre o significado da variável “tempo” (“o tempo é uma mentira”) numa sessão de autógrafos de seu livro. É nesse contexto que ele encontra Celine e enquanto tenta conversar com ela, é lembrado pelo dono da livraria que precisa chegar ao aeroporto até o início da noite. Nesse momento, o tempo parece não ser uma mentira, é real, irônico e cruel.

O roteiro, assinado por Richard Linklater, Ethan Hawke e Julie Delpy, apresenta diálogos rápidos, repleto dos mais variados temas, na urgência que define o encontro de uma vida. Mas agora isso também vem permeado pelas lembranças do passado e pela ausência de inocência sobre a importância que esse encontro pode ter na redefinição do futuro.

 

Celine: Ler algo sabendo que o personagem foi baseado na gente é lisonjeiro, mas ao mesmo tempo incomoda.
Jesse: Incomoda como?
Celine: Sei lá. Saber que fazemos parte das lembranças de alguém. Me ver através do seu olhar. Quanto tempo levou para escrever o livro?
Jesse: Três ou quatro anos, mais ou menos.
Celine: É muito tempo para escrever sobre uma noite.

 

O fato de Ethan e Julie serem responsáveis pelos diálogos dos seus personagens dá uma veracidade ainda maior ao encontro, pois acreditamos que a Celine e o Jesse, agora com 32 anos, são essas pessoas melancólicas, com dificuldades em manter um relacionamento, mas, ainda assim românticas, que vemos nesse filme.

O tempo passou, houve o amadurecimento natural, mas enxergamos a Celine nessa idealista que se formou em Ciência Política e que faz ações práticas para mudar o mundo. Assim, como é possível entender que o Jesse, aquele que tinha ideias bizarras sobre programas de TV, tenha se tornado o escritor de sua história. E o fato do diretor filmá-los em seu breve passeio por Paris em grandes cenas sem cortes dá a impressão de que o filme acontece em tempo real.

 

“Acho que ninguém muda. Ninguém quer reconhecer, mas nascemos com referências e nada que acontece com a gente muda nossas tendências. […] Li um estudo sobre gente que ganhou na loteria e gente que ficou paraplégica. Imaginamos que um ficaria eufórico e o outro, com tendências suicidas. Mas o estudo mostra que, depois de seis meses, assim que as pessoas se adaptam à sua nova situação continuam a ser como eram. […] Se eram pessoas otimistas e alegres se tornam pessoas otimistas em cadeiras de rodas. Se forem chatas e imbecis, se tornam chatas e imbecis com casas e carros novos.” (Jesse)

 

A questão é: por que eles falam tanto sobre tantas coisas e não vão direto ao ponto? Não perguntam o que representou aquela noite em suas vidas, ou se estão apaixonados pelos seus companheiros? Mas, se essas questões viessem à tona diretamente, eles não seriam Jesse e Celine. Primeiro, eles precisam discutir sobre os universais que regem o mundo, assim como sobre os detalhes que definem quem eles são. Por isso que não estranhamos quando Jesse indaga “se nunca quiséssemos nada, nunca seríamos infelizes?”.

Mesmo sem ter à mão um livro de autoajuda, ou ter feito um curso de psicologia à distância, Celine reflete sobre a indagação com uma série de questões que carregam em si suas próprias respostas:

“Não querer nada não é sintoma de depressão? Isto é, é saudável sentir desejo, certo? Sinto-me viva ao querer algo além do que preciso para sobreviver. Desejar intimidade com alguém, ou um par de sapatos, é lindo. É bom sentir que nossos desejos se renovam, não é?”

Mas, os subterfúgios em um dado momento se esgotam, assim como o tempo que eles têm para ficarem na companhia um do outro. Então, em meio ao cinismo que parece ser tão peculiar no que concerne às relações depois dos 30, eles aos poucos mostram que existem alguns traços da personalidade que, de fato, não mudam.

E esse seria um momento adequado, estando no contexto (En)Cena, para trazermos uma discussão sobre a dicotomia inato/adquirido, sobre comportamentos que são definidos pelos nossos genes ou que são determináveis pelo meio [1]. Enfim, “seria”… Mas não vou. Prefiro acreditar que Jesse, ao divagar inicialmente sobre a variável “tempo”, tenha feito uma releitura romântica de Einstein: “Para aqueles de nós que acreditam na física, esta separação entre passado, presente e futuro é somente uma ilusão” [2].

 

Jesse: Lembro mais daquela noite do que de todos os anos que vivi.
Celine: Fico feliz que você diga isso, porque sempre sinto que sou anormal por não conseguir seguir em frente. As pessoas têm um caso, ou até relacionamentos, terminam e esquecem tudo. Muda como trocam de marca de cereal. Sinto que não esqueço as pessoas com as quais estive porque cada uma tem qualidades específicas. Não dá para substituir ninguém. O que foi perdido está perdido. […] Não se pode substituir ninguém porque todo mundo é uma soma de pequenos e belos detalhes. Lembro que a sua barba tem fios avermelhados e que o sol os fez brilhar naquela manhã, um pouco antes de você partir. Lembrei disso, e senti saudades.

E quando eles finalmente revelam a importância daquela noite em suas vidas, concluímos que talvez a brevidade de alguns acontecimentos não implique necessariamente no grau de sua intensidade. Nossa memória, essa que parece criar artifícios para nos fazer suportar certos fatos da vida, pode estabelecer conexões mais profundas entre determinadas situações emocionais. E essas conexões não parecem se relacionar diretamente com o tempo, mas com aquilo que nos toca mais profundamente.

 

“Mas sinto que, se alguém me tocar, eu dissolveria em moléculas.” (Jesse)
“Quero ver se você fica bem ou se vai se dissolver em moléculas.”(Celine)

 

Nas horas que antecedem ao pôr-do-sol, que culminará na consequente volta de Jesse aos Estados Unidos, é mostrado que a conexão entre eles permanece, mesmo que tudo ao redor tenha um aspecto nebuloso e transitório. A importância que eles deram a um único encontro talvez possa ser compreendida como uma forma de fuga, já que é mais fácil acreditar que um relacionamento não vivido seja o ideal, pois não vem acompanhado pelo desgaste natural da rotina. Mas, por outro lado, pode ser que determinadas afinidades não sejam estabelecidas com muita frequência e, se eles identificaram isso, arriscar relações longas, mas superficiais, em prol de uma relação tão intensa, embora breve, seja o mais sensato, por mais paradoxal que isso pareça. As relações humanas são extremamente complexas, assim, nesse contexto, a contradição não é apenas aceitável, é, possivelmente, a única forma de coerência.

REFERÊNCIAS:

[1] The Distinction Between Innate and Acquired Characteristics. Disponível em http://plato.stanford.edu/entries/innate-acquired/

[2] http://www.alberteinsteinsite.com/quotes/einsteinquotes.html

Leia mais sobre a trilogia “before”:

Antes do Amanhecer: http://ulbra-to.br/encena/2014/01/13/Before-Sunrise-Antes-do-Amanhecer
Antes da Meia-Noite: http://ulbra-to.br/encena/2014/01/15/Before-Midnight-Antes-da-Meia-Noite

FICHA TÉCNICA:

ANTES DO PÔR-DO-SOL

Título Original: Before Sunset
Direção: Richard Linklater
Roteiro: Richard Linklater, Ethan Hawke e Julie Delpy
Elenco: Ethan Hawke e Julie Delpy
Ano: 2004

Doutora em Psicologia (PUC/GO). Mestre em Ciência da Computação pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). Especialista em Ciência da Computação pela UFSC, especialista em Informática Para Aplicações Empresariais pela ULBRA. Graduada em Processamento de Dados pela Universidade do Tocantins. Bacharel em Psicologia pelo CEULP/ULBRA. Coordenadora e professora dos cursos de Sistemas de Informação e Ciência da Computação do CEULP/ULBRA.