Boyhood – Da Infância à Juventude

Com seis indicações ao OSCAR:

Melhor Filme, Melhor Diretor (Richard Linklater), Melhor Ator Coadjuvante (Ethan Hawke), Melhor Atriz Coadjuvante (Patricia Arquette), Melhor Roteiro Original (Richard Linklater) e Melhor Edição. 

“As pessoas viajam para admirar a altura das montanhas, as imensas ondas dos mares, o longo percurso dos rios, o vasto domínio do oceano, o movimento circular das estrelas e, no entanto, elas passam por si mesmas sem se admirarem.”

Santo Agostinho, Confissão X [1]

Boyhood é uma sensível e arriscada experiência realizada por Richard Linklater.  O filme não é sustentado por um enredo com grandes reviravoltas ou espetaculares efeitos, nem tem um final que fecha todas as arestas, na verdade, não é possível identificar quais arestas devem ser fechadas, já que o filme, como a vida, é uma experiência contínua, sem delimitações precisas ou entendimento a priori de quando tudo acaba.

O que acompanhamos na tela são os 12 anos da vida de um garoto (dos 6 aos 18 anos), e as mudanças que o tempo pode provocar na relação dele com as pessoas e na sua percepção dos acontecimentos. O que torna esse filme tão singular é a maneira como Linklater o construiu, filmando as cenas em 12 anos, considerando as mudanças de cada personagem/ator, das mais visíveis, como o crescimento ou envelhecimento natural, até as mais sutis, como o sentido que cada sujeito tem do contexto vivido.

Linklater já tinha lidado com a questão da passagem do tempo na construção de outros filmes, vide a trilogia Before, que conta a história de um casal aos 23 (Antes do Amanhecer), 32 (Antes do Pôr-do-Sol) e aos 40 anos (Antes da Meia-Noite), acompanhando a idade cronológica dos atores. Em outras sagas também vimos os atores crescerem juntamente com os personagens, como é o caso de Harry Potter ou de algumas séries de TV. Mas em nenhuma dessas situações vimos isso acontecer em um espaço tão curto, ou seja, nas 3 horas de duração do filme.  E é a possibilidade de ver esses atores/personagens modificando-se no decorrer da história que a torna tão especial e um dos motivos que fez essa obra de Linklater ser tão aclamada.  Mas não foi só isso…

O tempo é uma das principais variáveis do filme, e para que sua passagem fosse assimilada de forma profunda, Linklater utilizou-se de músicas (Coldplay, Foo Fighter, Lady Gaga, Arcade Fire…), tecnologias (iMac G3, Xbox 360, Wii, Facebook, Facetime…), política (eleição do Obama), cinema/livros (Harry Potter, Toy Story, Star Wars, Homem Aranha…) e, especialmente, um roteiro que tornou o amadurecimento de cada pessoa do filme crível, sem exageros.

Mason: Não existe magia de verdade no mundo, não é?

 

Mason (o excelente Ellar Coltrane) é filho de pais separados (Patricia Arquette e Ethan Hawke, ambos em interpretações marcantes) e tem uma irmã mais velha (Lorelei Linklater). Sua mãe carrega a responsabilidade de criar sozinha duas crianças e ainda ter que fazer uma graduação e tentar uma nova profissão, enquanto isso, o pai dos meninos viaja pelo mundo, sem emprego ou local fixo. A passagem do tempo dá a mãe experiências desastrosas em dois relacionamentos com homens abusivos e alcóolatras, e torna o pai, aos poucos, um homem mais responsável, ainda que menos interessante. Mason é a nossa ligação com essa família e, através dos seus olhos, vamos solidificando a ideia de que a vida é por si só  um acontecimento extraordinário.

Mason: Então de que adianta?
Pai: O quê?
Mason: Não sei, tudo.
Pai: Tudo? De que adianta? Não faço ideia. Ninguém sabe. Estamos só vivendo, sabe? Pelo menos você está sentindo algo. Aproveite, isso passa. Você envelhece e não sente tanto, você cria resistência.

 

Há várias abordagens na psicologia que tenta explicar o desenvolvimento humano. Desde as teorias de Piaget até a vertente sócio-histórica de Vygotsky. O desenvolvimento pode ser equiparado, em um dado nível, a um processo de transformação. Segundo [2], as transformações concernentes à vida de uma pessoa estão relacionadas a um conjunto complexo de fatores: “a etapa da vida em que a pessoa se encontra; as circunstâncias culturais, históricas e sociais nas quais sua existência transcorre; e as experiências particulares privadas de cada um e não generalizáveis a outras pessoas”. É claro que essas experiências são intensificadas na infância e na adolescência, pois é nessa época que ocorrem as transformações físicas mais intensas, o que é refletido nas transformações psicológicas. Por isso, ao vermos as transformações dos pais e dos filhos no filme, verificamos que em um dado ponto, os adultos tornam-se mais presos a um padrão de comportamento, não há mudanças consistentes, enquanto Mason e a irmã estão no auge de intensas transformações.

Mason: Parece que todo mundo está em algum lugar intermediário. Sem realmente vivenciar nada.

O filme inicia-se com Mason, aos seis anos, observando o céu e a sensação que temos no decorrer do tempo é que, para ele, tudo parece ser transitório, mas há um sentido constante de apreciação da beleza da vida. E o desejo de apreender o momento, ainda que pareça que ele sabia que isso seja impossível, o faz iniciar-se na fotografia. Nas palavras de Cartier-Bresson, entendemos que “fotografar é prender a respiração quando todas as faculdades convergem para captar a realidade fugaz”. É essa inconstância da vida e, ao mesmo tempo, a ideia de que as coisas parecem girar em torno de algo incompreensível e, por isso mesmo, sem sentido, que dá um tom de melancolia à história. Diferente de uma ideia niilista, em que tudo tanto faz e ponto, parece permanecer em Mason uma sensação de que mesmo se todos os caminhos, de fato, não levem a nada, ainda é interessante fazer o percurso.

Nicole: Sabe quando dizem ‘aproveite o momento’? Acho que é ao contrário. É como se o momento nos aproveitasse.
Mason: Eu sei, é constante. Os momentos são… Parece que sempre é o agora.

[1] AGOSTINHO, Santo. Confissões, IN-CM, Lisboa, 2001. Disponível em: http://www.lusosofia.net/textos/agostinho_de_hipona_confessiones_livros_vii_x_xi.pdf

[2] OLIVEIRA, Marta Kohl de. Ciclos de vida: algumas questões sobre a psicologia do adulto . Educação e Pesquisa, Brasil, v. 30, n. 2, p. 211-229, ago. 2004. ISSN 1678-4634. Disponível em: <http://www.revistas.usp.br/ep/article/view/27931/29703>. Acesso em: 12 Jan. 2015. doi:http://dx.doi.org/10.1590/S1517-97022004000200002.

Mais filmes indicados ao OSCAR 2015: http://ulbra-to.br/encena/categorias/oscar-2015


FICHA TÉCNICA DO FILME

BOYHOOD: DA INFÂNCIA À JUVENTUDE

Título Original: Boyhood
Direção: Richard Linklater
Roteiro: Richard Linklater
Elenco Principal: Ellar Coltrane, Patricia Arquette, Lorelei Linklater and Ethan Hawke
Ano: 2014

Alguns Prêmios:

Golden Globes: Melhor Filme – Drama, Melhor Direção, Atriz Coadjuvante (Patricia Arquette)
AFI Awards: Filme do ano.
Austin Film Critics Association: Melhor Direção, Melhor Filme, Atriz Coadjuvante (Patricia Arquette)
Berlin International Film Festival: Urso de Prata (Melhor Direção)
Doutora em Psicologia (PUC/GO). Mestre em Ciência da Computação pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). Especialista em Ciência da Computação pela UFSC, especialista em Informática Para Aplicações Empresariais pela ULBRA. Graduada em Processamento de Dados pela Universidade do Tocantins. Bacharel em Psicologia pelo CEULP/ULBRA. Coordenadora e professora dos cursos de Sistemas de Informação e Ciência da Computação do CEULP/ULBRA.