O documentário da BBC de Londres “What Makes a Genius?” faz uma compilação de alguns estudos recentes que buscam compreender de onde vem a genialidade. E, como sempre, qualquer estudo que tenha o cérebro como contexto é complexo, passível de refutação e, em alguns aspectos, paradoxal.
O matemático Marcus du Sautoy, narrador do documentário, apresenta uma série de questionamentos no decorrer do vídeo que dá ao documentário uma maior abrangência, pois as questões lançadas não tendem a abraçar uma causa ou uma teoria como verdade absoluta, mas trazem uma amostra de estudos nessa área e dos resultados que abriram caminhos para novas pesquisas.
Primeiro, é necessário pontuar a diferença entre uma pessoa inteligente ou com determinadas habilidades e um gênio. Por exemplo, no documentário é apresentado um professor de matemática que tem uma habilidade extrema para fazer contas, ele é capaz de inferir o quadrado de números de, até, 5 dígitos. Isso é uma façanha incrível, mas como esse mesmo professor diz no vídeo, isso não faz dele um gênio, apenas aponta um tipo de habilidade na qual ele se sobressai. O que falta então para que esse professor seja considerado um gênio? Segundo suas próprias palavras, a criatividade. A possibilidade de juntar um conjunto de habilidades e competências a um processo criativo e promover inovações.
A grande questão que permeia todo o documentário é: um gênio nasce pronto ou pode ser criado?
The Three Sphinxes of Bikini (1947) – Salvador Dali
O primeiro ponto apresentado traz pesquisas que mostram um estudo da arquitetura do cérebro de forma a entender se há alguma diferenciação na anatomia dos cérebros de pessoas que se enquadram na categoria de gênio. As primeiras pesquisas nesse aspecto, ainda no início do século XX, tentavam validar (sem sucesso) a hipótese de que o peso do cérebro tinha relação com a inteligência do indivíduo. Em pesquisas mais recentes, como a realizada no Departamento de Anatomia da Universidade de Louisville, a partir da dissecação de cérebros de cientistas considerados “supernormais”, o Dr. Manuel Casanova verificou certas diferenças estruturais que podem contribuir na explicação da inteligência.
Nessa pesquisa, o foco é um minúsculo agrupamento de neurônios no córtex, que ele denominou de “mini-colunas”, e que nos cérebros dos cientistas analisados está presente em maior quantidade. Além disso, também foi detectado que há uma quantidade maior de ligações curtas nos cérebros dos ditos gênios, o que poderia explicar (em um dado nível) o raciocínio rápido e a capacidade de fazer determinadas tarefas muito bem.
A estrutura do cérebro como fator preponderante na definição da inteligência causa uma série de discussões, pois, de certa forma, estabelece que a capacidade de aprendizagem, a definição de habilidades e a possibilidade de gerar inovações estão “presas” a uma base inicial.
Um teste realizado na Universidade John Hopkins envolvendo pontos coloridos em uma tela mostra bons resultados na verificação de talentos naturais para a matemática, o que corrobora com a teoria de que as pessoas já nascem com predisposição para determinadas áreas.
Menino de seis anos realizando um teste na Universidade John Hopkins
O teste é uma espécie de “preditor cognitivo do sucesso ou fracasso na matemática escolar”, dado o fato que verifica a capacidade instintiva que algumas pessoas têm em relação aos números. Segundo um dos pesquisadores, o teste não verifica o quão bom alguém vai ser em matemática (por exemplo, se será um gênio), mas é capaz de verificar se a criança em questão terá que ter algum acompanhamento extra nessa área, já que instintivamente tem dificuldade na assimilação de tais conceitos.
Há um gene específico na definição da inteligência?
Apparition of a Face and Fruit Dish on a Beach (1938) – Salvador Dali
As irmãs Brontë seriam um exemplo de que a genialidade tem um caráter genético?
Um grupo de pesquisadores do MIT (Massachusetts Institute of Technology) parece ter encontrado o “Santo Graal da Inteligência”, definido como um gene específico associado à aprendizagem. Para tanto, realizaram, inicialmente, um simples teste de condicionamento de ratos. Assim, os pesquisadores partiram de duas premissas: (1) “quanto mais você faz algo, melhor você faz”; (2) “os genes que são ativados pela atividade do cérebro durante essas atividades seriam os relevantes para o processo de aprendizagem”. Na pesquisa usaram dois ratos, um intacto, que ao receber choque após ouvir um dado som associou o som ao choque (ou seja, aprendeu algo naquela situação), e outro que sofreu os mesmos choques (seguidos ao som), mas que não conseguia fazer essa associação. A diferença entre os dois ratos é que o segundo teve um determinado gene desligado (no documentário, os pesquisadores não revelam qual gene). Assim, a ausência de um gene específico fez com que o rato perdesse a capacidade de aprender. A partir disso, Marcus apresentou o seguinte questionamento a Dra. Elly Nedivi (professora de Neurobiologia – MIT):
“Que implicações isto tem para os humanos? Ou seja, você achou algo em ratos, mas é o mesmo para os humanos? Será que temos um gene associado à aprendizagem?”
E a Dra. Elly Nedivi deu a seguinte resposta:
“Este gene em particular é muito interessante, é muito conservado. A proteína produzida por este gene em humanos é 100% a mesma que nos ratos. E geralmente quando vemos algo que é tão altamente conservado entre as espécies podemos inferir que estamos lidando com algo muito crítico porque a evolução não mexeu com ele”.
Ou seja, o gene da inteligência identificado nos ratos pode ter um correspondente em humanos. De alguma forma, parece que o algoritmo formado pelos genes define não apenas a cor dos nossos olhos e cabelos, mas, especialmente, a nossa capacidade de aprender.
A pesquisa da Dra. Elly Nedivi tende a esbarrar em desafios morais e éticos, por exemplo, até que ponto é saudável ajustar a nossa genética para aumentar nossa inteligência? Isso porque se as pesquisas em torno desse gene validar as hipóteses que foram levantadas pelos pesquisadores, essa possibilidade pode sair do âmbito da Ficção Científica e passar a ser uma potencial realidade.
Um outro ponto levantado no documentário é a questão dos testes de QI usados para medir a inteligência e apontar a genialidade. Lewis Terman, um dos pioneiros em testes de QI, em 1922 iniciou um dos mais longos testes de QI da história.
Crianças realizando o teste de QI de Lewis Terman em 1922
Ele avaliou centenas de crianças e acompanhou as que ele considerou extraordinárias. No entanto, o que se mostrou interessante foi verificar o que aconteceu com as crianças que não foram aprovadas no nível de genialidade proposto por Terman. Uma dessas crianças foi William Bradford Shockley, que em 1956 dividiu o Prêmio Nobel de Física com outros cientistas por pesquisas relacionadas a semicondutores e a invenção do transistor. Essa invenção desencadeou no desenvolvimento de outra inovação tecnológica, o microchip, determinante para a Revolução da Informática. De certa forma, mensurar a inteligência a partir de um tipo de teste específico é muito questionável, justamente porque a inteligência é complexa, tem várias facetas, não usarei o termo “múltiplas” porque estou cansada do Howard Gardner.
No Laboratório de Bebês Birkbeck, da Universidade de Londres, os pesquisadores realizam experimentos que estão contribuindo para o entendimento do potencial do cérebro dos bebês. Um desses experimentos faz a mensuração da atividade cerebral dos bebês e consegue verificar quando os bebês percebem a diferença entre determinadas faces que lhes são apresentadas em um visor. Na idade adulta temos facilidade em verificar a diferença entre faces humanas, mas as faces dos macacos, por exemplo, nos parecem semelhantes demais para apontarmos diferenças.
Esther (uma bebê de seis meses) realizando o teste de reconhecimento facial no laboratório de Birkbeck
O que os pesquisadores verificaram nos testes realizados foi que para os bebês de seis meses a capacidade de processar (e diferenciar) as faces humanas e de macacos é a mesma. Segundo os pesquisadores, um dos pontos que eles identificaram nas pesquisas com bebês de uma forma geral “é que eles são atraídos por faces desde muito cedo, mas, o cérebro do bebê é muito plástico e com o tempo ele vai aprender a processar faces, e então processar faces de macacos porque está aberto a todos os estímulos”. O que acontece é que algumas conexões são mais relevantes que outras, daí pela própria ausência de estímulo (por exemplo, é mais comum vermos faces humanas que de macacos), os bebês, com o tempo, perdem essa habilidade, assim as faces processadas facilmente serão aquelas que são mais úteis ao seu contexto.
Existem outros exemplos no documentário que mostram situações em que o indivíduo, dado uma determinada circunstância adversa, modificou a forma que aprende. Se há um ambiente hostil, por exemplo, se não há um dos sentidos (a visão ou a audição), há meios para estimular outros sentidos e desenvolver habilidades que, para muitos, podem parecer um dom. Outra situação apresentada é a forma como a criatividade exerce um papel decisivo na definição da inteligência. Para tanto, Marcus entrevistou Tommy, uma pessoa que sofreu uma hemorragia cerebral em 2001.
Tommy McHugh durante seu processo criativo
De alguma forma, essa hemorragia afetou uma parte do cérebro de Tommy que tem relação com a criatividade e fez com que ele iniciasse um processo que pode ser denominado como uma espécie de “criatividade obsessiva”. Assim, Tommy está preso a sua própria capacidade criadora, é como se fosse um escravo da sua necessidade de criar pinturas, só descansa quando dorme, pois em todo o resto do tempo precisa (obsessivamente) produzir pinturas novas.
Existem algumas abordagens da Psicologia que criticam o fato de pesquisas lidarem com o cérebro como se fosse uma entidade independente. Há questões conceituais envolvidas nessas discussões, mas no âmbito de várias pesquisas científicas, de certa forma, tende-se a trabalhar com um objeto e focar em um dado ponto para depois ampliar suas vertentes. Por vezes, tem-se que isolar uma parte para depois juntá-la ao todo e buscar um entendimento mais abrangente e profundo. A estrutura do cérebro, a definição da mente, a natureza e a condição humana formam um campo de estudo repleto de divergências. Mas isso, em alguns aspectos, pode refletir em resultados positivos, pois geralmente é necessário um certo caos para que os sistemas retornem à busca pelo equilíbrio.
Ainda não existem respostas exatas para as questões levantadas nesse documentário:
“Nascemos predispostos a certas habilidades? Há, de fato, um gene da aprendizagem? Vantagens inatas podem nos permitir ter sucesso em certas áreas? Poderia o nosso destino ser determinado no nascimento? Ou nascemos como folha em branco, com cérebros capazes de enfrentar qualquer desafio?”
Talvez uma das poucas verdades que podemos erigir desses questionamentos é que qualquer estudo que tenha o ser humano como foco de pesquisa deve ser concebido como um processo multidisciplinar. Particularmente, penso que, às vezes, damos um valor demasiado a determinadas formas de inteligência e esquecemos a complexidade que compõe as relações humanas. Enquanto é relevante para a compreensão de nossa espécie entender o conceito (tão revisado) da inteligência, também é importante relembrar um trecho do discurso de Chaplin no filme O Grande Ditador: “Mais do que máquinas precisamos de humanidade. Mais do que inteligência precisamos de afeição e doçura. Sem essas virtudes a vida será de violência e tudo estará perdido”.
FICHA TÉCNICA
Título Original: BBC Horizon – What Makes a Genius?
Gênero: Documentário
Ano de Lançamento: 2010
Tempo de Duração: 58 Min
País de Origem: Inglaterra
Director: Dan Walker