Reflexão sobre o filme “The Magdalene Sisters” (Em nome de Deus)
E Jesus disse “quem não tiver pecado, que atire a primeira pedra”. E, um a um, os homens foram se retirando, a começar pelos mais velhos. Então, Jesus perguntou “onde estão os homens que te condenavam?”.
Na década de 1960, período retratado pelo filme, ocorria, entre outras situações, a liberação sexual e a discussão sobre os direitos das mulheres. Em meio a um país extremamente católico e assustado com a estranha mudança de valores que se instalava no mundo, tradicionais famílias irlandesas, tentavam no silêncio e na força de dogmas, manter a estabilidade e o equilíbrio que a falta de domínio e o excesso de perguntas podem provocar. Isso porque vivemos em pequenos mundos repletos de ignorâncias bem elaboradas, protegidos por frágeis e místicas rotinas.
O medo do homem e a sua necessidade de manter-se alienado em consistentes universos de estupidez são, muitas vezes, a causa que o leva a cometer as mais variadas formas de atrocidades. O filme retrata de maneira clara o quanto o homem tenta separar o mundo em duas vertentes bem definidas, o bem e o mal. Um bem e um mal interpretado segundo determinadas regras de grupos que sustentam as verdades tidas como absolutas naquele espaço e tempo. É interessante observar que, nesse ínterim, a vida na terra tem pouca importância diante de um céu ou de um inferno eternos. Em nome dessa eternidade é que a vida passa a ter um significado menor e o sofrimento passa a ser um fator relevante no alcance do etéreo.
No filme, o pecado está no mais fraco. Ou seja, numa sociedade de homens, a mulher direta ou indiretamente, é culpada pelos atos de fraquezas que contradizem as regras de um Deus produzido e consumido por toda a comunidade. Se a mulher é culpada a priori e se os fatos reais não podem ser considerados em seu favor, dada a existência do ato que a tornou impura e pecadora, então só lhe resta uma vida inteira de sofrimentos na busca de uma remissão divina. Essa é a verdade que imperava naquela época, naquele lugar (e em muitos outros), então, como em outras situações ocorridas na história, a maioria prefere seguir um Deus e uma religião que apresenta verdades duras, mas simples e claras, do que suportar a incerteza e a insegurança de interpretar o mundo segundo sua própria ótica e princípios.
Tudo é irônico no filme. Desde o título até a denominação da congregação das freiras (irmãs da Misericórdia). Nisso é interessante observar o quanto as palavras perdem o sentido, ou, o quanto toda uma sociedade pode aceitar absurdos cruéis como verdades incontestáveis. Jesus, nesse contexto, talvez tenha sido, para os articuladores de muitas religiões e seitas, o mais paradoxal dos profetas. Isso porque sua vida é indubitavelmente um exemplo de misericórdia, perdão e amor ao próximo. Um próximo que é refletido a partir de uma fé baseada no respeito à vida e ao individuo. É essa misericórdia que não existe nas freiras do filme, que choram ao relembrar de um filme visto na infância, e são totalmente apáticas perante o sofrimento real do próximo. Mas, a explicação para esse fato recai invariavelmente no fator da “vantagem interpretativa”. Isso porque o próximo é um igual. Para Hitler e o povo alemão, por exemplo, os judeus não eram humanos, logo não eram próximos. Para as freiras, as mulheres que foram enviadas para o seu “lar Madalena” não eram mulheres dignas de Cristo, eram mulheres que precisavam do sofrimento para alcançar a salvação e suportar ver a face misericordiosa de um Deus que se alimentava da dor.
Outro ponto importante no filme é a forma como as mulheres vão ressaltando alguns traços de sua personalidade na medida em que o desespero e o sofrimento aumentam. No entanto, é complexo e um tanto estúpido afirmar que a bela é má porque roubou o colar “telefone” da moça que tinha distúrbios mentais, que desejar a morte da serviçal da casa é monstruoso, dado o fato que esta só cumpria com seus deveres, que a freira teve uma vida repleta de regras e absurdos e, assim, em nome da instituição pela qual ela vivia, perdeu a capacidade de discernimento sobre o bem e o mal. Ou seja, em certos aspectos, justifico a passividade do povo alemão diante do genocídio que ocorreu em seu país, defendo teses sobre a obscura submissão do povo judeu no período histórico em que eles quase foram dizimados, passo a acreditar que misericórdia é atirar a primeira pedra, sem a vergonha de ser o último a acreditar em um Deus que seja contrário a vida na terra. Enfim, a falta de empatia, o desejo doentio pelo poder e o medo podem reduzir ao absurdo as instituições sociais e religiosas e levar a refutação dos nossos maiores valores: a vida e a liberdade.
FICHA TÉCNICA DO FILME:
EM NOME DE DEUS
Título Original: The Magdalene Sisters
Diretor: Peter Mullan
Roteiro: Peter Mullan
Elenco: Geraldine McEwan, Anne-Marie Duff, Nora-Jane Noone, Dorothy Dufft;
Ano: 2002
País: Reino Unido/ Irlanda
Gênero: Drama