Feios, Sujos e Malvados

Feios, Sujos e Malvados é um filme que assusta, do início ao fim, a quem está habituado aos valores tradicionais de uma família burguesa. É difícil não ficar impactado, chocado. Risos até surgem em alguns momentos, mas sempre cercados de certa angústia, perplexidade.

A miséria, a exclusão social, e a falta de instrução, são vistas cruamente através da utilização estética do exagero. Humor negro com extremo sarcasmo, que mexem tanto com o telespectador a ponto de gerar críticas sociais sobre o modo de funcionamento da sociedade ocidental.

Um dos fatos que mais intrigam é a atualidade da história, ressaltando que o filme possui quase quatro décadas, a sensação que temos é a de que as histórias incessantemente não param de acontecer em diversos lugares, e de que rotineiramente temos acesso a tais histórias em tempo real. Seja através de uma conversa cotidiana com os conhecidos, vizinhos e amigos, ou pelos noticiários impressos, televisos ou online, fator que culmina numa certa banalização da existência humana, tão bem explorada no longa-metragem. Tudo isso em meio a muito sexo sem limites, tabus, apenas por prazer, sem medo ou culpa e como dispositivo de dominação.

O filme se passa em uma favela de Roma, na década de 1970. Nele é retratada uma família de aproximadamente 20 pessoas, que se espremem em dois pequenos cômodos: sujos e infestado de ratazanas. Fatores que por si só tendem a serem motivos de conflitos em modos de subjetividades individualistas. O chefe da família recebe uma grande indenização devido a um acidente de trabalho, no qual perdeu um olho. A partir de então entra em cena o egoísmo, a usura,  a vaidade, o ciúmes, o ódio, a humilhação e as intrigas.

Ele considera que todos da família que se aproximam dele estão interessados no dinheiro que possui, conclui que desejam rouba-lo e assume uma atitude extremamente policialesca para proteger a indenização a todo custo. Visualizamos nessa cena micro o que costumeiramente sucede na totalidade do tecido social capitalista, onde quem possui valores econômicos precisam se proteger daqueles que nada têm, e usam de todos os meios disponíveis para obtê-la: lícitos ou não. Com o poder e status adquiridos, estas pessoas se julgam no direito de humilhar quem está em uma situação economicamente inferior.

Exemplos disso no filme, são as cenas em que uma jovem utiliza a beleza e a sensualidade na indústria pornô para obter grandes vantagens econômicas, servindo como modelo para quem está fora do circuito. Também o patriarca que experiência uma grande insegurança quanto à posse do dinheiro, e muda constantemente o esconderijo do mesmo, até quando se dá conta que não está com ele em mãos e atira no próprio filho. Outro fator é a família encabeçada pela matriarca planejar o assassinato do patriarca, por ele gastar o dinheiro com uma mulher que não era da família. E, finalmente, a cena em gesto de vingança em que o patriarca ateia fogo, e depois vende o bem em comum da família, a casa.

Na trama podemos ver diversos modos de subjetivação em cena, tais como a casa onde a história se desenvolve, a gaiola onde as crianças da favela passam os dias, havendo até uma separação entre crianças negras e brancas, e a própria favela onde praticamente tudo acontece, um verdadeiro espaço de vivência, onde as possibilidades não se esgotam.

O filme foge do tradicional enredo com herói ou anti-herói, sendo uma tentativa de superar o conceito de certo/errado constantemente imposto no cinema.  Saindo de dois clichês bastante difundidos: da família pacata, coesa, onde reina a paz e o amor, uma verdadeira família de comercial de margarina; e do pobre sofrido e honesto, que enfrenta diversas amarguras, todas com princípios cristãos e burgueses. Ambos os modelos possuindo um final feliz.

Em Feios, Sujos e Malvados, todos escapam do que é moralmente aceito na sociedade burguesa e não são punidos por agirem de qual ou tal modo. A ausência desse referencial moral pode ser analisada se pensarmos na funcionalidade das ações dos personagens pela lógica nietzschiana. Podemos concluir que a moral burguesa cristã não se encaixa ao modo de vida deles, sendo os comportamentos praticados niilistas, sem regras, fluido, em desordem, bestial, animalesco, em caos, onde a certeza não é o que se busca. Tudo é uma possibilidade da natureza humana, como também é produto do jogo de forças presentes na sociedade, através de seus mecanismos, dispositivos e instituições no modo de produção capitalista.

Engraçado notar que houve um momento onde o patriarca começou a fraquejar e chegou a aceitar a possibilidade de se adequar a sociedade cristã/burguesa, onde até sonhou em utilizar o dinheiro solidariamente com a família e ser de acordo com uma vida onírica das propagandas, de onde podemos concluir que a publicidade é um poderoso canal para nos adequar as normas vigentes, contribuindo no fomento de nossas necessidades e desejos.


FICHA TÉCNICA DO FILME

FEIOS, SUJOS E MALVADOS

Título Original:  Brutti, sporchi e cattivi
País de Origem:  Itália
Gênero:  Comédia / Drama
Tempo de Duração: 115 minutos
Ano de Lançamento:  1976

Publicitário, estudante psicologia pela Universidade Federal do Espírito Santo (UFES), membro do corpo de Comunicação da Coordenação Nacional dos Estudantes de Psicologia (CONEP), militante do grupo Barricadas Construindo o Rompendo Amarras e membro do Centro Acadêmico de Psicologia da UFES (CALPSI).