O filme A Garota Dinamarquesa (2015), dirigido por Tom Hooper, apresenta ao público a história de Lili Elbe, uma das primeiras pessoas trans a passar por uma cirurgia de redesignação sexual. A obra, baseada em fatos reais, vai além da exposição de uma transição de gênero: ela mergulha profundamente em temas como identidade, corpo, reconhecimento e relações afetivas, convidando à reflexão sobre o que significa ser, viver e existir de maneira autêntica.
Logo nos primeiros momentos do filme, fica evidente que Lili não está se tornando outra pessoa, ela está, na verdade, se revelando. Sua construção corporal, portanto, não é apenas física, mas simbólica. O corpo, para Lili, deixa de ser uma estrutura biológica neutra e passa a representar uma dimensão essencial da sua identidade. A maneira como ela começa a se vestir, se olhar e se movimentar é acompanhada por um sentimento de pertencimento que antes lhe faltava. Esses gestos, aparentemente simples, são marcados por um profundo reencontro consigo mesma. É nesse ponto que o filme nos mostra que o corpo não é só matéria: ele é também morada, linguagem e expressão subjetiva.
Essa desconexão entre corpo e identidade pode causar grande sofrimento. A experiência de viver em um corpo que não reflete a identidade sentida gera angústia, ansiedade e, muitas vezes, isolamento. Lili passa por momentos de confusão e dor emocional, especialmente antes de conseguir se afirmar diante de si mesma e das pessoas ao seu redor. O filme retrata bem essa fase de conflito interno e os desafios enfrentados quando se busca o reconhecimento em um ambiente social que ainda não compreende ou não aceita a diversidade de identidades de gênero.
Cena do filme A Garota Dinamarquesa, dirigido por Tom Hooper.
Outro aspecto que merece destaque é a relação entre Lili e sua esposa. Acompanhamos o processo de transformação não apenas da protagonista, mas também de quem está ao seu lado. Gerda, inicialmente surpresa e confusa, passa a lidar com um luto simbólico da figura do marido com quem ela se casou, mas aos poucos transforma esse luto em apoio e aceitação. O vínculo entre elas muda de forma, mas não se rompe. Essa relação mostra como o afeto, mesmo diante de grandes mudanças, pode se manter quando baseado no respeito e no cuidado mútuo. Gerda se torna uma figura fundamental no processo de afirmação de Lili, oferecendo suporte emocional num momento em que o mundo ao redor parecia hostil.
O filme, com sensibilidade e delicadeza, destaca também a importância do reconhecimento. Mais do que ser aceita pelo outro, o que Lili busca é o direito de ser quem ela é. O reconhecimento aqui é vital, ele afeta a saúde emocional, a autoestima e o modo como a pessoa se insere no mundo. Quando esse reconhecimento não vem, o impacto psicológico pode ser profundo. Quando vem, ele se transforma em força para continuar. Nesse sentido, a narrativa nos convida a olhar para além das aparências e refletir sobre a dignidade de existir com liberdade.
Cena do filme A Garota Dinamarquesa, dirigido por Tom Hooper.
A Garota Dinamarquesa é um filme sobre identidade de gênero, mas também sobre humanidade. Ele nos faz pensar sobre como construímos nossos corpos, nossas relações e, principalmente, nossas verdades. Ao acompanhar a trajetória de Lili, o espectador é chamado a repensar suas noções sobre o corpo, o gênero e o amor. A obra mostra que a construção do corpo pode ser também uma construção de si: um processo complexo, doloroso, mas profundamente necessário para que a pessoa possa se sentir inteira.
Em um mundo onde ainda existem tantas barreiras ao reconhecimento da diversidade, filmes como A Garota Dinamarquesa têm um papel importante. Eles sensibilizam, informam e ajudam a ampliar o olhar sobre experiências que muitas vezes são silenciadas. Mais do que contar uma história real, o filme nos faz lembrar que toda pessoa tem o direito de ser quem é e de viver essa verdade com dignidade.
Cartaz do filme A Garota Dinamarquesa (2015), dirigido por Tom Hooper.
Ficha Técnica
- Título original: The Danish Girl
- Título no Brasil: A Garota Dinamarquesa
- Ano de lançamento: 2015
- País: Reino Unido / Alemanha / EUA
- Duração: 1h 59min
- Gênero: Drama / Biografia
- Direção: Tom Hooper
- Roteiro: Lucinda Coxon (baseado no livro de David Ebershoff)