Você já parou pra pensar em como a pornografia vem moldando os afetos, o desejo e até o modo como as pessoas se relacionam? Em um mundo acelerado, hiperconectado e performático, o prazer é consumido como produto e o sexo real, muitas vezes, torna-se insatisfatório diante da fantasia idealizada. Don Jon (2013), dirigido e estrelado por Joseph Gordon-Levitt, é um retrato provocador dessa dinâmica: a história de um homem que, apesar de todas as suas conquistas sexuais, só encontra verdadeiro prazer ao assistir pornografia sozinho no quarto.
Figura 1 – Cena do filme Don Juan DeMarco (1994)
Jon, o protagonista, é o retrato da masculinidade tradicional: musculoso, religioso, festeiro e sexualmente ativo. No entanto, esconde um hábito compulsivo: ele assiste pornografia diariamente, inclusive após o sexo com suas parceiras. Aos poucos, percebemos que ele não está apenas viciado em pornografia, mas também emocionalmente desconectado de si e do outro. Esse é um dos pontos centrais do filme: a dissociação entre corpo, desejo e afeto na pós-modernidade.
Freud (1905), ao abordar a sexualidade em Três Ensaios, já dizia que o desejo humano é complexo, marcado por repressões e substituições. No caso de Jon, a pornografia funciona como uma forma de substituição do contato real, uma forma de gozo solitário que dispensa o outro. A fantasia ganha status de realidade, e o real torna-se frustrante. Ao tentar se relacionar com Barbara (Scarlett Johansson), Jon é confrontado com outro tipo de idealização: o do amor romântico e do homem perfeito, o que também o sufoca.
Figura 2 – Cena de Don Juan DeMarco: fantasia e desejo.
A pornografia, nesse contexto, deixa de ser apenas um produto erótico e se torna um dispositivo psíquico de controle e fuga. A cultura imagética regula o desejo, fazendo com que tanto homens quanto mulheres busquem corpos e comportamentos que se alinhem com fantasias midiáticas, muitas vezes inalcançáveis. Jon não deseja uma mulher real, ele deseja o corpo-objeto moldado pela pornografia, passiva e silenciosamente disponível.
A disfunção sexual que emerge no filme não é apenas fisiológica, mas emocional: Jon não consegue se entregar ao encontro com o outro porque está viciado em um tipo de prazer sem risco, sem exposição, sem vulnerabilidade. O sexo real exige troca, imperfeição e presença, e tudo isso o ameaça. A presença de Esther (Julianne Moore), uma mulher mais velha, sensível e emocionalmente disponível, marca o ponto de virada na narrativa. Ao se permitir ser tocado por alguém fora de seus padrões idealizados, Jon começa a experimentar o afeto como construção, e não como performance.
Don Jon escancara o vazio das relações contemporâneas moldadas pela estética do consumo. O prazer rápido, o corpo ideal, a fantasia imediata. Tudo isso mascara o medo do encontro real. O filme nos provoca a pensar: qual o custo de substituir o toque pela tela? O que acontece quando o desejo é regulado por algoritmos e roteiros pornográficos? E, acima de tudo, como reaproximar o erotismo do afeto em uma cultura que nos ensina a performar, mas não a sentir?
Em última análise, Don Jon é mais do que um filme sobre pornografia, é um estudo sobre a solidão. Ele nos convida a refletir sobre a banalização do desejo, a fragilidade dos laços e o impacto emocional de um mundo onde a intimidade está cada vez mais rarefeita. Em tempos de hiperestimulação visual e afetiva, talvez o maior desafio seja justamente esse: reaprender a se conectar de verdade.
FICHA TÉCNICA
Título original: Don Juan
Direção e Roteiro: Joseph Gordon-Levitt
Elenco principal: Joseph Gordon-Levitt, Scarlett Johansson, Julianne Moore
Ano de lançamento: 2013
Duração: 90 minutos
Referências
FREUD, Sigmund. Três ensaios sobre a teoria da sexualidade. Edição Standard Brasileira das Obras Psicológicas Completas de Sigmund Freud, vol. VII. Rio de Janeiro: Imago, 1996.
WOLF, Naomi. O mito da beleza: como as imagens de beleza são usadas contra as mulheres. Rio de Janeiro: Rocco, 1992.
GORDON-LEVITT, Joseph (Diretor). Don Jon. [Filme]. EUA: Voltage Pictures, 2013.