Com 10 indicações ao Oscar:
Melhor Filme, Melhor Diretor (Alfonso Cuaron), Melhor Atriz (Sandra Bullock), Trilha Sonora (Steven Price), Fotografia, Melhor Edição (Alfonso Cuarón e Mark Sanger), Design de produção, Edição de Som, Mixagem de Som, Efeitos Visuais.
“No princípio, Deus criou os céus e a terra. A terra estava informe e vazia; as trevas cobriam o abismo e o Espírito de Deus pairava sobre as águas.”
(Gênesis 1: 1,2)
“Gravidade” inicia-se com o silêncio de um espaço imenso. Nesse contexto, a valoração que damos para a maior parte das coisas parece subitamente perder o sentido. Se fosse fazer uma comparação inicial, a introdução dos dois astronautas naquela imensidão lembrou-me o início do filme Lawrence da Arábia, quando o homem surge no deserto e se assemelha a um grão de areia, o que torna a sua pretensa superioridade tão controversa.
Dra. Ryan Stone (Sandra Bullock, numa interpretação marcante), uma cientista em sua primeira incursão ao espaço, e Matt Kowalski, um astronauta veterano, estão fazendo uma caminhada espacial de rotina para averiguações no telescópio Hubble, mas são interrompidos por causa da detonação de satélites russos. Isso provoca uma reação em cadeia de colisões e a presença de um campo de destroços que se movimenta em direção ao seu ônibus espacial.
Com essa situação totalmente inusitada, tem-se início a jornada complexa dos dois astronautas. E, geralmente, quando algo sai do padrão em um ambiente hostil, torna-se um problema com proporções gigantescas. Acompanhar essa trajetória, em alguns momentos como se fôssemos tão poderosos como o próprio espaço, em outros como se estivéssemos tão frágeis como a Dra. Ryan, pois várias das cenas são apresentadas a partir da sua visão, dão ao filme um sentimento misto de deslumbramento e horror. Mostrar as cenas na perspectiva de alguém que está à deriva no espaço, com todos os sons e, principalmente, ausência de sons peculiares desse ambiente, é um dos pontos altos da direção de Alfonso Cuarón.
Nos cartazes do filme está escrita a frase “Don’t let go”(não o deixe ir). Talvez a principal questão do enredo reside na difícil sina de termos que, constantemente, desapegar, quando na verdade, seria mais reconfortante seguirmos atados uns aos outros, às nossas lembranças, aos nossos medos. As cenas entre Ryan e Matt ligados e sozinhos no espaço podem ter inúmeras interpretações, em todo caso, a sensação que tive foi que aquelas duas pessoas ligadas a um fio como se aquilo fosse um cordão umbilical representavam, em um dado nível, a aventura da natureza humana: de um lado os indivíduos e seus laços tênues, do outro, o espaço e Deus, paradoxalmente, tão presentes e tão indiferentes.
O astronauta no filme 2001 – Uma Odisseia no Espaço e a astronauta em “Gravidade”
Há inevitáveis comparações entre filmes que parecem transitar em uma mesma temática, como é o caso de 2001 – Uma Odisseia no Espaço (1968), de Stanley Kubrick, e Gravidade (2013), de Cuáron. No entanto, enquanto em 2001 há uma profusão de contextos sendo explorados em seus 142 minutos, que perpassa a criação do universo e as questões relacionadas à evolução humana, em Gravidade são usados 90 minutos para mostrar algumas horas na vida de seu personagem principal (a Dra. Ryan).
Mas, mesmo que em “Gravidade” questões sobre a nossa origem e a unidade da vida não sejam abordadas de forma literal, acompanhar a trajetória da Dra. Ryan nos faz, de alguma forma, iniciar uma jornada em torno da condição humana, ainda que tal caminho seja percorrido no interior de um indivíduo. E isso lembra-me a poesia “O Homem; As Viagens”, de Carlos Drummond de Andrade.
Parte da poesia “O Homem; As Viagens”, de Carlos Drummond de Andrade
O paradoxal minimalismo da temática de Gravidade é o que torna o filme tão inquietante. Em meio a cenas grandiosas e extremamente reais que dão razão a existência do 3D (enquanto tantos outros filmes apresenta isso de forma totalmente desnecessária), há uma mulher angustiada e solitária (não apenas por estar perdida no espaço), cuja memória da filha morta aos 4 anos a assombra e a distancia de todos.
Em imagens que parecem um retorno ao útero, a Dra. Ryan tenta encontrar um meio para iniciar uma nova vida ou recuperar aquela que deixou partir. Sua viagem física ao espaço é, também, marcada por sua busca psicológica. E essa busca parece ganhar forma no silêncio do espaço, pois ao afastar-se da vida na terra, Ryan exponencializa sua vontade de pertencer a algo. De apegar-se a algo, mesmo que, para isso, tenha que deixar outros partirem.
Com a ausência da gravidade, flutuamos com os astronautas, assombrados pela ideia de que estamos sem base. Sem a terra, perdemos o chão que nos faz caminhar eretos (e, talvez, perdemos também o sentido de toda a evolução que nos permitiu chegar a esse ponto) e nos tornamos algo que se encontra entre o etéreo e o inexistente.
Na música “Space Oddity”, David Bowie diz “Planet Earth is blue, and there’s nothing I can do….” (O planeta Terra é azul, e não há nada que eu possa fazer…). A grandiosidade apresentada em “Gravidade” nos dá essa sensação de impotência, confirmando, em algum grau, a frase do Carl Sagan: “o universo não foi feito à medida do ser humano, mas tampouco lhe é adverso: é-lhe indiferente”. Em contrapartida, a trajetória da Dra. Ryan nos remete a uma reflexão mais pessoal e, a partir disso, provoca a necessidade de produzirmos alguma mudança no universo que compõe a existência de cada um de nós.
FICHA TÉCNICA DO FILME
GRAVIDADE
Título Original: Gravity
Direção: Alfonso Cuarón
Roteiro: Alfonso Cuarón, Jonás Cuarón, Rodrigo García
Fotografia: Emmanuel Lubezki
Trilha Sonora: Steven Price
Elenco: Sandra Bullock, George Clooney
Ano: 2013