Leituras de Pascal: miséria e grandeza humanas

Uma das obras mais lidas no Ocidente, “Os Pensamentos” do filósofo francês Blazer Pascal é uma dura crítica ao homem que, de forma aparentemente escravizante, vive à mercê da imaginação desmedida. Considerado um filósofo moralista e com tendência explicitamente cristã, Pascal apresenta o homem como um ser que é condenado a uma dualidade que lhe é bem peculiar: ao mesmo tempo em que vislumbra a grandeza (seja nos aspectos do belo platônico ou, mais recentemente na ideia de justiça kantiana), o faz sob bases frágeis, pois este mesmo homem com amplas possibilidades também é uma expressão do sublunar e, como as demais espécies, está à mercê da temporalidade e da transitoriedade.

Haveria, então, uma necessidade de reconhecer estas duas facetas da existência, para que se evite, por um lado, a arrogância provocada pelos lampejos de acesso aos atributos absolutos e, por outro lado, o “autoflagelo” típico de quem se coloca como a pior das criaturas. Um caminho de mediação, já apontado por Aristóteles, é a dica deixada por Pascal.

Mas para que haja um espaço interno para esta mediação e, portanto, para a possibilidade do antagônico, Pascal diz que o homem precisa desenvolver a humildade. E é este um dos aspectos em que o homem falha, segundo o filósofo/teólogo: “jamais a razão [sobrepuja] totalmente a imaginação, (mas o) contrário é o que costuma acontecer”. Sendo assim, o homem não pode atingir a verdade porque sua razão é constantemente enganada pela imaginação (imaginação que, neste caso, seria a representação de neuroses, pulsões, vícios).

Pascal diz que essas imaginações muitas vezes são fortalecidas pelos costumes, mas é preciso que se “corrija” tais incongruências, “recorrendo à vossa primeira natureza. Quem então enganou? Os sentidos ou a instrução?”. Vale destacar que o interesse em si próprio “é também um maravilhoso instrumento para nos furar os olhos de maneira agradável”. Há, aqui, uma semelhança com a antropologia de Montaigne, e sua conhecida crítica ao autocentrismo humano.

Neste sentido, a mediação pode ser sinônimo de reconciliação. Algo que poderia ocorrer, inclusive, entre a fé e a ciência, sendo a ciência a investigação “das coisas exteriores” e a fé, o mecanismo que “consolará [o homem] da ignorância moral no momento da aflição”.

Há de se destacar que tanto “é perigoso mostrar demais ao homem o quanto ele é igual aos animais sem lhe mostrar a sua grandeza, [quanto] é também perigoso mostrar-lhe demais a sua grandeza sem a sua baixeza. É mais perigoso ainda deixá-lo ignorar uma e outra coisas, mas é vantajosíssimo representar-lhe uma e outra”. Essa “natureza dividida” do homem, de certa forma, representa sua condição de “decaído”, posição já bastante conhecida da teologia cristã. No entanto, pela graça (ou estado de criação), o homem “é elevado acima de toda a natureza, torna-se como que semelhante a Deus e participante da divindade”.

Por fim, a fé toma em Pascal o mesmo tom que o estágio espiritual em Kierkegaard; ela [a fé] evitaria que o homem caia na presunção e inicie uma espécie de culto ao egocentrismo. Tendência que, aliás, como pontua Pascal Bruckner, é o gatilho para muitas das atuais mazelas psíquicas. Em síntese, o desafio é deixar-se permitir a uma aproximação/mediação com o outro, seja pelo mecanismo da fé, seja pela humildação. E quando [a pessoa] estiver sendo tomada por um sentimento de grandeza, deve percebe-se como pequena. E quando estiver se sentido muito diminuta, deve procurar se reconhecer no absoluto. Essa é, portanto, uma das “chaves” da obra de Pascal.

Psicólogo. Mestre em Comunicação e Sociedade (UFT). Pós-graduado em Docência Universitária, Comunicação e Novas Tecnologias (UNITINS) e em Psicologia Analítica (UNYLEYA-DF). Filósofo, pela Universidade Católica de Brasília. Bacharel em Comunicação Social (CEULP/ULBRA), com enfoque em Jornalismo Cultural; é editor do jornal e site O GIRASSOL, Coordenador Editorial do Portal (En)Cena.