O editor, empreendedor e agora escritor norte-americano Will Schwalbe surpreendeu a todos (parentes, amigos e uma teia de pessoas envolvidas nos vários trabalhos por onde atuou) ao transformar os dois últimos anos de vida da sua mãe, a acadêmica e filantropa Mary Anne, numa bela biografia cuja prosa certamente prende o leitor pelo forte testemunho de coragem, bondade e aposta nas relações, em meio a circunstâncias que, para muitos, não passa do absoluto caos. Trata-se de um relato surpreendente das memórias dos encontros semanais que Will e sua mãe tiveram durante as sessões de quimioterapia dela, logo depois de um fatídico diagnóstico de câncer no pâncreas, considerado um dos mais mortíferos e que impinge ao doente pouquíssimo tempo de sobrevida (Patrick Swayze e Steve Jobs também foram vítimas da mesma patologia).
Ao acompanhar a mãe na quimioterapia, Will pôde encontrar uma maneira incomum (pelo menos para os padrões médios da maior parte das pessoas, acredita-se) de transformar aqueles momentos aparentemente desconfortáveis num ambiente de ricas conversas, cujo tema central é a própria vida e as dúzias de livros que passariam a ler juntos (o que resultou numa espécie de clube de livro com apenas dois integrantes), e cujas temáticas desembocavam em debates que iam do trivial ao metafísico. Semana a semana as conversas iam reforçando uma “profunda confiança e intimidade” entre mãe e filho, e a literatura passou a ser uma excelente fonte terapêutica, onde temas considerados “espinhosos” poderiam ser tratados pelo viés dos personagens e/ou temas descritos nos livros escolhidos pela dupla.
Foto: Seniors Aloud
“O Clube do Livro do Fim da Vida” procura associar a trajetória de Mary Anne, desde o diagnóstico até os cuidados paliativos nos estágios finais de vida, e os cuidados que recebia da família, com as obras que conscientemente escolhia para ler, obras estas que sempre mostravam a importância da fé, da gratidão e, sobretudo, da importância de se viver o “momento presente”, “degustando-o” como se cada enredo (na vida e na leitura) que experimentavam (ela e Will) fosse algo totalmente novo, sem paralelos, como crianças que se deslumbram com um mundo desconhecido, e igualmente encantador. Talvez não fosse possível escrever uma história fascinante como esta se a personagem central não tivesse uma vida apaixonante.
A obra é uma verdadeira declaração de amor de um filho para uma mãe que soube viver de forma autêntica e despretensiosa, alguém que trabalhou em importantes universidades norte-americanas (Harvard é uma delas), mas que não se conformava em permanecer por muito tempo entre as paredes das instituições seculares, nem na companhia confortável dos pares intelectuais, envolvidos em produções e edições de impressos, no teatro, cinema e com trabalhos acadêmicos (embora estas fossem condições que tanto Mary Anne quanto Will dedicavam especial, mas não exclusiva atenção). “O Clube do Livro do Fim da Vida” revela uma mulher que é arrebatada pela leitura, que tem uma fé inabalável em Cristo e no Cristianismo como instituição, que acredita na vida eterna, mas que também dedicou muitos de seus anos aos refugiados e ao projeto de levar livros às regiões mais atingidas por conflitos armados.
Mary Anne, nos dois anos em que teve que encarar o tratamento e as agruras do câncer, o fez com coragem e sempre descartou “as queixas pessoais” naturalmente decorrentes da doença, afinal ela já havia trabalhado voluntariamente em países extremamente difíceis, como na região dos Bálcãs e no Afeganistão, e considerava que qualquer sofrimento que ela pudesse experimentar, não chegaria aos pés do que as pessoas sentiam nos campos de refugiados, onde a dor, a perda, as doenças, a desolação e finalmente a morte pareciam que jamais cederiam lugar à esperança. Como idealista que era, Mary é retratada como alguém que mesmo vendo o pior, sempre acreditava no melhor.
De confissão evangélica, Mary não guardava valores vitorianos. Pelo contrário, se recriminava quando por algum momento ficava chateada se alguma coisa não saísse exatamente como o esperado. E foi justamente desta forma o que ocorreu quando Will lhe contou que era homossexual. Mary Anne teve um rápido momento de impacto, mas em seguida já estava se questionado do por que encarar esta notícia com estranheza. Afinal, ela conhecia o filho para além do que ele queria dizer, conhecia pelos seus gestos, tons e expressões. A relação entre ambos se tornava elevada, pois o amor se sobressaía ao crivo do julgamento.
A postura altiva de Mary em relação à vida, renunciando a qualquer possibilidade de “vitimização” fez Will lembrar quando ambos terminaram de ler “Assassinato na catedral”. A obra despertou-os para o fato de que “é melhor aceitar o martírio que ignorar a consciência”. Ou seja, uma situação delicada como a que ela vinha passando não era para ser tratada de forma indireta, com arroubos de negação [da doença e de suas consequências], mas, antes, era para ser encarada com dignidade e confiança, independente do futuro que lhe esperava. Sendo assim, Mary Anne não via de bom grado aqueles diálogos “prontos” de um ou outro que lhe visitava, tentando mostrar que “por um milagre” sua doença ainda poderia ser curada, “pois já ocorrera com outra pessoa”. Ela sempre soube, desde o diagnóstico, que cada dia a mais era para ser festejado.
Para superar o medo da morte e a sensação de perda (da família, das coisas do cotidiano etc), bastava ter consciência da vida que levou, das (boas) entregas a que se submeteu, e da autenticidade com que sempre tratou da doença e das relações (parentais ou entre amigos). Mary, no entanto, se considerava infinitamente menos corajosa do que a maioria dos refugiados que ela ajudou no decorrer de tantos anos, pessoas que aprenderam a lidar com a morte, mas também com as diferenças culturais (quando tinham que morar em outros países) e, sobretudo, com as barreiras internas impostas pelas marcas deixadas pelos conflitos. Como bem pontua Will em dado momento do livro, parte da imortalidade se deve, também, ao impacto positivo deixado por aquele que está prestes a fazer “sua última viagem”. Mary Anne, assim, teria as suas ações eternizadas e diluídas em todas as pessoas com quem manteve contato.
Enfim, “O Clube do Livro do Fim da Vida” mostra que se deve comemorar a vida pelo simples fato de tê-la. E nada melhor do que os livros, a literatura, para despertar as pessoas para esse “milagre”. Foi através dos livros que por dois anos Will Schwalbe e Mary Anne puderam compartilhar um pouco do tempo, de suas esperanças e preocupações, dando um verdadeiro significado à vida. Com os livros, aprenderam que às vezes não precisa falar, mas escutar o outro, e que a leitura “também é um ato de liberdade da dor e do medo da morte”. Pela leitura perceberam que a vida é uma série “de pequenos milagres”, e quão sortuda era Mary Anne, que nos seus instantes finais estava cercada pelo marido, pelos filhos e netos, e pelas paredes abarrotadas de livros, todos eles em alguma medida expressando um pouco de sua existência. Naquele instante, ninguém jamais esqueceria que Mary transformara a leitura “no oposto da morte”, e que sua vida, enfim, fora uma celebração alegre e bem-humorada, portanto já definitivamente eternizada.
FICHA TÉCNICA DO LIVRO
O CLUBE DO LIVRO DO FIM DA VIDA:
UMA HISTÓRIA REAL SOBRE PERDA, CELEBRAÇÃO E O PODER DA LEITURA
Autor: Will Schwalbe
Tradução: Rafael Mantovani
Editora: Objetiva
Ano: 2013
Páginas: 292