O Jogo do Exterminador: a jornada do herói e a universalização da empatia

Lançado recentemente, “Ender’s Game – O Jogo do Exterminador” é um filme de ficção científica, baseado no romance homônimo do americano Orson Scott Card, e protagonizado por Asa Butterfield como Andrew “Ender” Wiggin, além da participação de Hailee Steinfeld, Ben Kingsley, Viola Davis, Abigail Breslin e Harrison Ford, dentre outros.

O livro foi escrito na década de 1980, e impressiona por preveraplicações tecnológicas que, hoje, trinta anos depois, estão no cotidiano das pessoas comuns, como os tablet’s e as tecnologias que identificam (e interagem com) as emoções pelas expressões faciais, só para citar alguns elementos gráficos. A estória se passa em um futuro próximo, em que extraterrestres invadem a Terra em busca de um bem precioso, e depois de uma sangrenta batalha são expulsos.

A partir de então, o coronel Graff e as forças militares da Terra treinam as crianças mais talentosas do planeta, preparando-as para um próximo ataque. Afinal, presume-se, não haveria ninguém melhor que crianças para lidar com a rápida e sempre inovadora corrida tecnológica que se inicia depois do “ataque” alienígena. O tímido e brilhante garoto Ender Wiggin é selecionado para fazer parte da elite, e se torna a peça-chave do enredo.

 

 

Hollywood usa o arquétipo do herói em boa parte de seus filmes, sobretudo àqueles em que a expressão do masculino salta aos olhos, como a pulsão pelo fazer, as tentativas de expansão (territorial, inclusive) e, claro, a sempre presente fórmula de “atacar antes de ser atacado” (defesa de território?). Antes que Joseph Campbell (estudioso da mitologia e dos arquétipos) se revire em seu túmulo, não se pode negar os atributos do masculino também expressos em “Ender’s Game”, como a necessidade de manter a linha evolutiva, além de se prover a segurança necessária a quem dele (do masculino) depende, só para citar alguns pontos presentes no longa.

Enfim, “Ender’s Game” é um filme incrivelmente arquetípico, e mesmo que receba críticas por colocar crianças em situações de extrema tensão, violência e comprometimento, também não deixa de lembrar as práticas de “formação do guerreiro” tão comuns em sociedades antigas (cujas crianças, desde cedo, eram instadas a enfrentar o medo), atitudes essas reverberadas positivamente nas análises do filósofo alemão Nietzsche, e discutidas mais tarde pelos franceses Deleuze e Guattari como uma forma de fortalecimento das jovens gerações.

 

 

“Ender’s Game”, no entanto, vai além ao colocar enfoque na ética e na universalização da empatia (ou no amor desinteressado, na compaixão de que falam os orientais). Esses pontos são importantes na trama, uma vez que o herói, bem ao estilo japonês clássico (na famosa conduta expressa no Bushido), não consegue sentir ódio pelo “adversário”, mas, antes, por conhecê-lo tão bem, passa a amá-lo. Sendo assim, não há alguém que sai do “seio familiar” e que, portanto, percorre toda uma trajetória de treinamento e de “enfrentamento” (não apenas do “inimigo” externo, mas também do interno) para, enfim, retornar ao lar como o herói que oferece um alento a seu povo. Ender Wiggin se debate com a difícil tarefa de ver o outro não como um estranho, mas como alguém que pode ter as mesmas aspirações que as suas (lembremos-nos das características de expansão e domínio do aspecto masculino).

 

 

Ao que parece, o elo entre o percurso de cunho particular (pois Ender Wiggin sai para defender “sua família”, “seu povo”) e o desenrolar da abordagem universal se dá pela personagem de Valentine Wiggin, responsável por despertar no irmão o que há de mais sagrado no aspecto feminino – o acolhimento e o diálogo. Ender tem a possibilidade de ancorar-se no referencial masculino (seu irmão), mas é em Valentine que se inspira, e a transmutação do ordinário ocorre, tornando-se em um “guerreiro” corajoso, mas também  sensível ao panorama/situação como um todo. Por incrível que pareça (e por mais que, para alguns, possa ser algo paradoxal), ao ampliar o afeto pela irmã, Ender Wiggin torna-se menos passional –e amplamente mais amoroso.

 

 

Enfim, trata-se de um filme inspirador que, no fundo, apesar da rigidez a que são submetidas determinadas pessoas em condições especiais (neste caso em particular, as crianças), abre a possibilidade de se escolher um caminho diferente daquele proposto pela visão dominante. E ao fazer esta escolha, se supera o dualismo superficial a que todos estão embebidos. Há, então, uma deliberada escolha pelo caminho que sai dos extremos, um caminho que prima pelo viés mediano e que, portanto, exorta a uma profunda reflexão ética, mesmo que alguns expectadores preferissem um final diferente. Sem romances e sem violência desmedida, a obra põe o interlocutor a pensar sobre sua própria visão de mundo, sua visão do “outro”.

Afinal, na dança da vida, não há mocinhos nem bandidos. Todos parecem ter as mesmas aspirações, já que esta questão deve está longe de ser puro relativismo. É, portanto, um convite à investigação do “aparentemente diferente”, pois ao abrir-se para o outro, como ocorre com Ender, é, em suma, dar espaço para a “regra de ouro” utilitarista de não fazer ao outro o que não quer que faça a si mesmo. Isso só pode ser entendido por quem se coloca em perspectiva, sai do papel de vítima e funde-se no universo do desconhecido. Alguém que já descobriu a ligação que há entre o fenômeno e sua causa, entre tudo e todos.

FICHA TÉCNICA:

O JOGO DO EXTERMINADOR

Título Original: Ender’s Game
Direção: Gavin Hood
Roteiro: Gavin Hood
Elenco: Asa Butterfield, Harrison Ford ,Abigail Breslin, Ben Kingsley, Hailee Steinfeld etc
Ano: 2013

Psicólogo. Mestre em Comunicação e Sociedade (UFT). Pós-graduado em Docência Universitária, Comunicação e Novas Tecnologias (UNITINS) e em Psicologia Analítica (UNYLEYA-DF). Filósofo, pela Universidade Católica de Brasília. Bacharel em Comunicação Social (CEULP/ULBRA), com enfoque em Jornalismo Cultural; é editor do jornal e site O GIRASSOL, Coordenador Editorial do Portal (En)Cena.