O Óleo de Lorenzo: a família diante do Adoecimento

O menino Lorenzo levava uma vida tranquila e normal. Interagia com os pais, estudava, brincava, assim como todos os garotos de sua idade. Até os cinco anos seu desenvolvimento físico e cognitivo pareciam seguir normais. Até que, por volta dos seis anos, a criança começa apresentar uma disruptura de comportamento – social e físico -, tais como; dificuldades de se locomover e na fala. Após alguns exames e muitas observações médicas os pais de Lorenzo recebem a noticia de que a criança é portadora de ALD (Adrenoleucodistrofia), uma doença rara, degenerativa e que causava danos de ordem neurológica.

 

 

Segundo a literatura médica, a ALD é uma patologia genética, de caráter progressivo que acomete o cromossomo X. É transmitida por mulheres, afetando, assim, exclusivamente os homens. Dentre algumas formas da doença, podemos encontrar a forma neonatal, clássica e adulta. Na primeira, a doença manifesta-se logo nos primeiros anos de vida da criança, a expectativa de vida é de apenas cinco anos. Já na forma Clássica, considerada a mais severa, começa a se manifestar por volta do quarto ao décimo ano de vida.

 

 

A criança que desenvolve a doença a partir dos quatro anos de idade, geralmente, sofre uma série de complicações, como problemas de fala, demência, dificuldades de se locomover, perda de memória, audição, fala e visão. Na fase adulta, a doença é descoberta na adolescência, e é considerada uma forma leve da ALD. Segundo estudos, na forma adulta, o paciente pode viver algumas décadas com a doença. Os problemas mais comuns são; deterioração neurológica, impotência e incontinência urinária. Embora atinja, em sua maioria, o sexo masculino, há também algumas manifestações no sexo feminino, porém os sintomas são menos agressivos, geralmente apresentam paralisia nas pernas ou fraqueza nos músculos.

 

 

Todas essas informações hoje parecem  simples, claras e objetivas. Sabe-se a causa, os efeitos e o tratamento, embora não exista um tratamento definitivo, mas existem formas de estabilizar a doença e evitar que a enfermidade seja rapidamente fatal.

 

Para os pais de Lorenzo nada era claro. Era tudo muito novo, sem uma explicação concreta e o mais difícil: sem um tratamento.

Com o adoecimento de Lorenzo, toda a família passa por um processo de luto, justamente pela perda de um filho saudável. Micaela, a mãe, não aceita o diagnóstico, resistindo ao máximo  compreender sobre toda a situação que agora permeia o seio familiar. Já o senhor Augusto Odone, que também não aceita a condição de ver seu filho morrer aos poucos, começa uma luta interrupta atrás de tratamentos que possam reverter o caso ou amenizar o sofrimento de Lorenzo.

 

 

Após o diagnóstico e a posição da equipe médica, ao afirmar que a medicina não é uma ciência exata e que não se sabe se irão receber resultados precisos e decisivos, a estrutura familiar sofre mais um abalo. De um lado temos uma mãe desnorteada, sem esperança e que se recusa a aceitar que o filho possui uma doença grave, do outro lado temos um pai que não aceita a posição dos médicos e nem da ciência. Lorenzo não adoeceu sozinho, sua família também adoeceu com ele.

A Família é um grupo organizado, onde cada pessoa tem seu um papel estabelecido. No momento em que um dos componentes desse grupo adoece, todos os outros que pertencem a esse mesmo grupo também adoecem, portanto, ocorre uma desestruturação familiar, onde os papéis desses familiares terão de ser reorganizados. Andrade, Lustosa e Melo (2009) trazem como exemplo dessa reorganização, uma família onde o Pai adoece, ou seja, “o homem da casa”, com esse familiar doente, quem passa a ter papel de líder é a Mãe, portanto, os encargos e responsabilidades da casa se voltam todos, praticamente, para essa mulher. Agora ela é uma mãe solitária, sem o apoio do seu cônjuge.

 

Após o adoecimento de um ente querido, os familiares apresentam necessidades específicas que devem ser acompanhadas e apoiadas por uma equipe especializada. É comum apresentarem frequências elevadas de estresse, distúrbios do humor e ansiedade durante o conhecimento da doença e a internação desse ente, podendo, em muitos casos, persistirem após a morte do paciente (Soares, 2007).

Segundo Cirqueira e Rodrigues (s/d) o momento em que a família descobre a doença da criança é considerado como uma fase de maior desespero, pois não sabem sobre a doença, suas consequências, gravidade e nem entendem sobre o tratamento e as implicações que terão no dia-a-dia da criança e da própria família. Permanece um sentimento de inutilidade e/ou de incapacidade, não sabem se poderão confortar a criança ou se terão condições de ajudá-la durante todo esse processo.

É importante o acompanhamento psicológico da família do paciente, uma vez que, durante esse processo de adoecimento e internação, os familiares exercem papel fundamental na vida do daquele familiar doente, pois as suas reações diante de toda essa situação também influencia nas reações do paciente (Andrade, Lustosa e Melo, 2009).

 

 

Os familiares merecem um cuidado especial, desde o instante da comunicação do diagnóstico, uma vez que esse momento tem um enorme impacto sobre eles, que veem seu mundo desabar após a descoberta de que uma doença potencialmente fatal atingiu um dos seus membros. Isso faz com que, em muitas circunstâncias, suas necessidades psicológicas excedam as do paciente e, dependendo da intensidade das reações emocionais desencadeadas, a ansiedade familiar torna-se um dos aspectos de mais difícil manejo. (Adrande, Lustosa e Melo, 2009. apud Oliveira, Voltarelli, Santos e Mastropietro, 2005).

 

Segundo Barreto e Amorim (s/d) a descoberta de uma doença desencadeia uma série de sentimentos, que variam de acordo com o grau de conhecimento e informações sobre a mesma, tanto para a pessoa que adoeceu quanto para sua família, além disso, as consequências de um tratamento demorado também influenciam nos sentimentos daqueles que estão envolvidos intimamente com a sujeito doente.

 

 

Portanto, é cada vez mais importante que os profissionais da área (equipe de médicos e psicólogos) acompanhem os familiares desde o momento da descoberta da doença e durante todo o processo de internação, reabilitação e/ou luto. Ajudando-os a extravasarem suas aflições e angustias, contribuindo para uma melhor compreensão da situação que estão presenciando.

Como mencionado na análise do filme 50%, o acompanhamento de um psicólogo hospitalar auxilia não só o paciente no enfrentamento de sua enfermidade como também auxilia os familiares desse paciente e presta assistência a equipe médica. “A medicina está voltada para curar a patologia, enquanto a psicologia hospitalar busca maneiras de ressignificar a posição do individuo frente à doença” (Rocha, 2014).

 

 

A falta de informação é uma das principais causas do desespero da família do paciente, sem uma resposta ou algo que possa diminuir as dúvidas dos familiares acerca da doença que atinge um ente querido, a aflição e angustia contribuem para um desequilíbrio na estrutura desse grupo.

As dificuldades da ciência em diagnosticar a doença de Lorenzo, a postura rígida e fria do médico ao dar o diagnóstico,  com sua resposta direta ao afirmar que não havia nenhuma possibilidade de cura para Lorenzo, traz a tona as discussões acerca da “arrogância” da ciência frente ao sofrimento humano.

 

 

Muitos artigos relacionados ao filme O Óleo de Lorenzo trazem como ponto principal de discussão justamente esse termo: Arrogância Cientifica. Embora a presente análise não traz como objetivo principal a discussão dessa temática, é importante ressaltar a importância de se observar todas as reflexões que o filme nos instiga a fazer.

 

 

Como dito, a falta de informação e de atenção por parte da equipe médica responsável por Lorenzo, faz com que a família Odone’s atravesse uma linha tênue entre o desespero e a esperança de ver a doença do filho ao menos estabilizada. É então que o filme nos apresenta um tipo de desafio e de luta entre a Ciência, o saber mítico constituído x o Saber popular e a intuição.

 

 

Os pais de Lorenzo, com as informações obtidas através do médicos, e através dos inúmeros livros que passaram a ler, buscam a compreensão dessa doença rara que agora faz parte de suas vidas. Eles buscam principalmente compreender o fenômeno que interfere no processo bioquímico que causa a degeneração neurológica da criança. Com essa atitude os pais de Lorenzo são vistos como inimigos pelos representantes da ciência, pois deixam de se curvarem ao diagnóstico e passam a enfrentar diretamente a natureza, controlando, através de um óleo (mas especificamente uma mistura de óleo/azeite de oliva e colza) a, até então, incontrolável Licodistrofia.

 

 

A produção “O Óleo de Lorenzo” exibe a arrogância, dos guardiões do saber científico que não permitem concorrência, conduzindo o espectador a uma profunda reflexão acerca da contradição entre o saber científico acumulado pela academia e o saber não reconhecido no ambiente acadêmico (MARQUES, s/d).

Quando o óleo começa a apresentar os resultados positivos, estabilizando a doença de Lorenzo, os pais têm suas esperanças renovadas. Lorenzo tem melhoras significativas e junto com ele toda a família também estabiliza o sofrimento e a estrutura familiar é reconstruída.

O filme O óleo de Lorenzo, é uma história real, e que nos intiga a pensar sobre questões éticas profissionais e a importância do apoio familiar durante o processo de adoecimento e na recuperação de cura de um dos membros da família.

 

 

Lorenzo Odone faleceu aos 30 anos de idade, vinte anos a mais do que as especulações médicas, após complicações devido a uma pneumonia. Segundo seu pai, Augusto Odone, ele não havia recuperado a fala nem os movimentos, mas estava presente e não sofria, não reclamava de dores. Os pais de Lorenzo permanceram esperançosos até o fim.

 

Referências:  

AMORIM, R.C; BARRETO, T.S. A Familia Frente ao Adoecer e ao Tratamento  de um Familiar com Câncer. Rev. enferm. UERJ, Rio de Janeiro, 2010. Disponível em: http://www.facenf.uerj.br/v18n3/v18n3a22.pdf

CIRQUEIRA, R. M; RODRIGUES, J.  S. M. A Família diante  da Criança Terminal: Uma revisão da literatura. Rev. Rede de Cuidados em Saúde. s/d. Disponível em: http://publicacoes.unigranrio.br/index.php/rcs/article/viewFile/927/635

MENDES, J. A; LUSTOSA, M. A,  e  ANDRADE, M. C. M. Paciente terminal, família e equipe de saúde. Rev. SBPH [online]. 2009, vol.12, n.1, pp. 151-173. ISSN 1516-0858.

MARQUES, E. L. A Arrogância Ciêntifica no Filme: O Óleo de Lorenzo. http://www.webartigos.com/artigos/a-arrogancia-cientifica-no-filme-039-039-o-oleo-de-lorenzo-039-039/26711/

ROCHA, A. C. O. 50% – Um Equilibrio Entre a Vida e a Doença. 2014. Disponível em: http://ulbra-to.br/encena/2014/07/28/50-Um-equilibrio-entre-a-Vida-e-a-Doenca

Saiba mais sobre a Adrenoleucodistrofia: http://www.saudemedicina.com/adrenoleucodistrofia/

 

Trailer:

 

FICHA TÉCNICA DO FILME

O ÓLEO DE LORENZO

Direção: George Miller
Elenco: Nick Nolte, Suzan Saradon, Peter Ustinov,
Gênero: Drama
Nacionalidade:EUA
Ano de Lançamento:1993