A angústia que sentimos diante de uma separação, na verdade vem desde o nascimento, é a primeira experiência de perda do objeto amoroso
O longa francês, Perdi meu corpo (J’ai Perdu Mon Corps) conta a história de uma mão decepada que escapa de um laboratório de dissecação. Com a fuga ela foca em um só objetivo: retornar para o restante de seu corpo e voltar a fazer parte de um organismo completo. Enquanto ela vaga pelos arredores de Paris, se lembra dos tempos de quando era apenas uma jovem mão no corpo de um apaixonado rapaz.
Texto contém spoilers!!
Logo no início do longa podemos ver uma mão ganhando vida, despertando em um laboratório onde aprende a andar com os dedos e como se de imediato, soubesse o que fazer, iniciando sua busca pelo restante do seu corpo. Aos poucos durante seu trajeto ela vai revendo memórias de quando seu dono era criança. Uma sensação de saudosismo de uma época em que fazia parte de um corpo, um ser completo.
O longa se passa em três linhas do tempo, uma em que a mão está, outra antes do acidente e as lembranças do Naoufel da sua infância.
Naoufel, o dono da mão que até então não foi separada de seu corpo, aparenta ser um jovem preso ao passado, onde seus pais ainda estavam vivos. Ele guarda diversas fitas em que gravava variados tipos de sons, desde sua mãe cantando até o som do vento na grama. Por mais que ele não tenha mais gravado sons após a morte de seus pais, Naoufel nunca se desfez das fitas e parece que as ouve com frequência. Parece pairar uma sombra de culpa, pois quando ele ouve a última fita, mostra momentos antes do acidente em que Naoufel quase cai da janela do carro ao tentar gravar o som do vento do lado de fora e nisso o pai é quem o segura. Nesse momento de distração o acidente ocorre.
Dessa forma, o personagem parece ficar preso nesse passado até que conhece a Gabrielle. Parece que a partir disso, algo se movimenta dentro dele, essa energia que provém das pulsões ou instintos e que afeta nosso comportamento e que Freud (1978) define como libido, passa a ser investido para esse novo objeto amoroso que passa a ser uma obsessão. Ele acaba assim, fazendo várias coisas para se aproximar dela.
A mão, dessa forma, pode ser uma representação desse sentimento de angústia que ele sente. Freud (1926) aponta que essa angústia que sentimos diante de uma separação, na verdade vem desde o nascimento, é a primeira experiência de perda do objeto amoroso. Assim, quando entendemos as linhas do tempo, fica claro que a partir do momento em que ele perde a mão, começa sua jornada para seguir em frente.
Da mesma forma sua relação com Gabrielle é essa tentativa de voltar ao estado de simbiose com um objeto amoroso, porém se frustra e acaba em uma briga na festa do amigo. Freud (1926) afirma que existem defesas com o intuito de evitar novas situações traumáticas. Portanto temos de um lado a busca pela fusão com um novo objeto amoroso e do outro uma busca por algo que o fizesse seguir em frente, que no caso seria ressiginificar essas lembranças que o faziam de refém dessa angústia.
FICHA TÉCNICA:
PERDI MEU CORPO
Título original: J’ai Perdu Mon Corps
Direção: Jérémy Clapin
Elenco: Dev Patel (Naoufel), Victoire Du Bois (Gabrielle), Patrick d’Assumção (Gigi);
Ano: 2019
País: França
Gênero: Animação, drama;
REFERÊNCIAS:
FREUD, S. Inibições, sintoma e Ansiedade (1926). In:______. Um estudo auto-biográfico inibições, sintomas e ansiedade a questão da análise leiga e outros trabalhos. Rio de Janeiro: Imago, 1976.
FREUD, S. A Teoria da Libido. In: The Standard Edition of the Complete Psychological Works of Sigmund Freud, v. XVIII. Londres: The Hogarth Press e Institute of Psycho-Analysis, reimpresso em 1978.