De Alfred Hitchcock
Com quatro indicações ao Oscar: Melhor Diretor (Alfred Hitchcock), Melhor Atriz Coadjuvante (Janet Leigh), Melhor Fotografia, Melhor Direção de Arte – Preto e Branco
“Não há terror em um estrondo, apenas na antecipação dele.”
Alfred Hitchcock
Há mais de 50 anos uma cena se tornou um ícone e intensificou uma fobia: o medo de banheiro quando se está sozinho em um quarto de hotel. Existem várias histórias em torno das primeiras exibições do filme Psicose em 1960, entre elas dizem que muitas pessoas desmaiaram na cena do chuveiro, outras vomitaram, além de toda forma de grito que as cordas vocais pudessem produzir. Hoje, em alguns aspectos, tal cena poderia ter uma conotação ingênua, pois a partir da década de 1980, filmes de terror (e também a realidade mostrada nos noticiários) transformaram uma morte por faca em algo leve, já que a partir daí intensificaram-se os mais bizarros tipos de morte, como cabeças decepadas, braços arrancados, sangue jorrando por todos os poros, vilões com máscaras assustadoras, garras etc. Mas, ao contrário desses filmes, que buscam, no excesso, criar o ambiente necessário para o “susto”, Hitchcock continua conseguindo impressionar justamente por saber manipular o silêncio e intercalá-lo com uma trilha sonora que provoca arrepio e quebra a linha tênue entre o suspense e o horror.
Acho que tudo começou quando eu estava nos braços da minha mãe aos seis meses de idade e ela me disse: ‘boo’ e isso despertou um medo de algo fora de mim.
Alfred Hitchcock, em Entrevista (Robinson, 1960)
Escrito por Joseph Stefano (do romance de Robert Bloch), Psicose, para Sandis (2009), é o mais freudiano de todos os filmes de Hitchcock. Isso pode ser verificado se considerarmos, por exemplo, o que Kusnetzoff (1982) apresenta em seu livro Introdução à Psicopatologia Psicanalítica, no qual ele observa que o mecanismo de cisão do Ego faz ressaltar a heterogeneidade estrutural do Ego e os dois “senhores” aos quais deve obediência: o reconhecimento das exigências da realidade e as exigências de satisfação dos desejos pulsionais. Assim, tem-se que parte do Ego aceita a realidade tal qual ela é constituída, podendo simbolizá-la e, outra parte, a rejeita, criando uma outra “realidade” que pode ir desde o objeto fetiche até um delírio alucinatório. Essa situação (em um formato mais ampliado e, em alguns aspectos, caricatural) pode ser observada no filme a partir das ações de Norman, que parece verdadeiramente acreditar nas palavras que profere, mesmo que suas ações ou, em um dado sentido, a própria realidade as refutem. Um outro ponto é o paralelo que pode ser feito entre a exploração da casa por Lila Crane em busca de respostas sobre o desaparecimento de sua irmã e a nossa exploração gradual dos vários “quartos” que compõem a personalidade psíquica de Norman Bates.
Acho que estamos todos presos em nossas armadilhas e nenhum de nós consegue sair. Usamos nossas garras e unhas no vazio, umas com as outras. E, por tudo isso, nunca mudamos nosso modo de agir. (Norman)
Às vezes entramos de propósito nestas armadilhas. (Marion)
Eu nasci na minha, não me importa mais. (Norman)
Mas deveria, deveria se importar. (Marion)
Marion Crane hospeda-se no Bates Motel depois de tomar uma decisão repentina de roubar 40.000 dólares da empresa em que trabalha. Uma decisão impulsionada pela falta de perspectiva diante da vida, que é refletida no romance às escondidas com um homem casado e em um profundo sentimento de solidão. No diálogo apresentado acima, Norman, em meio a uma aparente animação por ter uma hóspede em seu Motel, inicia uma inocente conversa com Marion, mas suas palavras acabam por traí-lo, revelando muito de sua personalidade, especialmente da parte mais obscura desta. É possível ver a dualidade entre o homem jovem que está consciente de ter diante de si uma bela mulher e o filho obediente, que vive em função da mãe, apontada por ele como alguém fraca e doente, carente de seus cuidados e merecedora de sua atenção.
“O melhor amigo de um homem é a sua mãe.” (Norman)
O mecanismo de defesa “Repressão” e o Complexo de Édipo são dois conceitos freudianos presentes nesse filme. De acordo com Freud (apud Kusnetzoff, 1982), repressão “consiste num ato de despejo do nível consciente da representação ligada à pulsão”, assim, chama-se “repressão” àquela operação psíquica que ocorre consciente, mas cujo destino é alojar a representação no espaço pré-consciente. Geralmente, isso está relacionado às memórias traumáticas, comumente associadas a eventos vividos na infância, que são reprimidas pela mente consciente em uma tentativa de deixar o Ego livre de conflito e tensão. Já o Complexo de Édipo, cuja terminologia remete ao personagem da mitologia grega que, sem saber, mata o pai e se casa com sua mãe, está presente no filme através da relação conturbada entre Norman e sua mãe, especialmente nos estranhos acontecimentos que envolvem a sua suposta morte e a do homem que vivia com ela. Este acontecimento, segundo Sandis (2009), leva a uma perda parcial do ‘eu’ e a um forte sentimento de identificação com a vítima, então, agrega-se a isso o fato da memória reprimida poder ser desencadeadora de episódios neuróticos ou psicóticos, o cenário do filme está construído. Na época de Freud, dizia-se que a neurose consistia numa rejeição do instinto e, simultaneamente, em ficar-se à mercê do mundo exterior; enquanto na psicose é rejeitado o mundo exterior, obedecendo automaticamente o Id; mas, essas afirmações são hoje relativas, desde que as rejeições do mundo exterior “arrastam” igualmente “pedaços” do Ego e do Id.
Marion e Norman são semelhantes, em um dado nível, pelos sentimentos de medo e solidão que vivenciam. Ambos estão presos em armadilhas complexas. Enquanto ela busca um meio de encontrar uma rota para uma Ilha Deserta, de forma a viver sem ter que responder a uma sociedade que a oprime e a rejeita, ele, que já se sente em uma Ilha Deserta, busca conciliar os “eus” que carrega consigo, que talvez sejam piores que qualquer “demônio” que exista do lado de fora. Mas, o que separa um do outro de forma profunda é que Norman, diferentemente de Marion, já não sabe distinguir onde acaba a realidade de fato e inicia o mundo criado apenas na mente dele. Norman já não sabe qual “eu” é o real. Então, o mal se torna um meio de mostrar ao “eu” que está no comando que ele é fiel, que sente culpa e que o ama.
Referências:
SANDIS, Constantine. Hitchcock’s Conscious Use of Freud’s Unconscious. Europe’s Journal of Psychology 3/2009, pp. 56-81.
KUSNETZOFF, Juan Carlos. Introdução à Psicopatologia Psicanalítica. 7ª ed.. Rio de Janeiro: Editora Nova Fronteira, 1982.
FICHA TÉCNICA DO FILME
PSICOSE
Título Original: Psycho
Direção: Alfred Hitchcock
Roteiro: Joseph Stefano
Elenco Principal: Anthony Perkins, Janet Leigh, Vera Miles, John Gavin, Martin Balsam
Ano: 1960
Prêmio: Globo de Ouro: Melhor Atriz Coadjuvante (Janet Leigh)