“Red: Crescer é uma Fera” e importância das redes de afeto na Adolescência

Giselle Carolina Thron: giselle.thron@ceulp.edu.br

disneyplus.com

Mei-Mei e sua representação das emoções da adolescência.

            Há muito tempo os filmes vêm sendo utilizados para análises psicológicas e neste contexto as animações estão entrando com uma expressiva força. A exemplo de Divertida Mente (Disney, 2015) que pode ser considerado um divisor de águas para as análises psicológicas, sobretudo na fase de passagem para a adolescência, a bola da vez é a animação Red: Crescer é uma Fera (Disney, 2022). O filme tem como plano central a puberdade da menina Meilin Lee, carinhosamente apelidada de Mei-Mei, de 13 anos, uma adolescente “praticamente uma adulta” como ela se coloca no início do filme e as intensas transformações da puberdade. O filme em si possui imensos campos de análises psicológicas e antropológicas: explora relações familiares (conflitos mães/filhas), bullying, papéis de gênero, movimentos imigratórios, bem como tradições orientais.

            Mei-Mei é de origem chinesa e mora com sua família em Toronto, Canadá, é uma adolescente dedicada aos estudos e a família. Participa das tradições religiosas no templo de sua família, fonte de renda familiar, gosta de garotos e boybands, sofre bullying na escola por ser uma “nerd”, mesmo assim procura ser sucesso em todas as atividades escolares, afinal, deve sempre ser a melhor aluna, o que provoca intenso orgulho para sua mãe. Sua mãe é apresentada como a típica mãe superprotetora, invasiva e devoradora que não consegue enxergar sua filha como uma menina em fase de transição, é a eterna criança que deve ser protegida de qualquer ameaça mesmo que esta ameaça não exista. Ao vermos inicialmente o filme nos desperta certa antipatia por aquela mãe que submete a filha a situações vexatórias e ridículas em nome da proteção de quem ela se refere como um “bebê inocente”.

Mesmo com todas as situações que a mãe de Mei-Mei a faz passar ela não consegue se impor de modo algum para não decepcionar sua mãe. Aquela mãe que controlava tudo. Percebe-se que a figura da mãe foi construída daquela maneira justamente para sentirmos a antipatia inicial. Uma mulher sisuda, sóbria e fechada que dominava a casa e a família com mão de ferro e quer controlar todos os passos e atitudes da filha. Até descobrimos que ela própria foi também filha de uma mãe devoradora, reproduzindo o ciclo. Tema de uma futura análise.

            Tudo ia indo de maneira normal na vida de Mei-Mei até o momento que um dia ela acorda transformada em um incrível panda gigante vermelho. Esta foi a alegoria escolhida para representar as mudanças da puberdade, a chegada da primeira menstruação e a descoberta da libido. Todas as emoções confusas e conturbadas desta fase da vida são demonstradas através da transmutação em panda. Mas mesmo com todas as conturbações e emoções desconhecidas, lidar com as cobranças familiares, e o bullying sofrido, Mei-Mei conseguia se remeter ao que mais a acalmava: seu grupo de amigas.

Disneyplus.com

Mei-Mei e sua rede de afeto.

            Mei-mei conta com um inseparável grupo de três amigas que são sua rede de apoio e a ajudam a enfrentar as perturbações e emoções desconhecidas. Cada uma das meninas tem suas personalidades próprias e seus dramas pessoais, mas as paixões, os sentimentos, os gostos pela música e bandas típicas da fase da adolescência são compartilhados por elas. Segundo Assis e Avanci (2004) a convivência dos adolescentes com sua rede de apoio emocional é de fundamental importância para o seu desenvolvimento psicológico. Eles aprendem a conhecer o mundo além de sua rede familiar e podem perceber que o mundo é além do que apenas sua casa, aprendem sobre desejos, autoconfiança, decepções e podem estabelecer objetivos de vida.

            Ao se deparar com emoções descontroladas, Mei-Mei se transforma naquele panda gigante e para voltar ao seu estado normal ela deve se ater a calmaria, conseguida apenas ao pensar em suas amigas, seu grupo de apoio, seu ninho de tranquilidade e segurança que encontra apenas naqueles abraços calorosos. Este também é um momento de lutas internas para a menina que sempre deseja a aprovação da mãe, pois para a mãe seu lugar de conforto e segurança deveria ser seu colo, não entendendo que o colo materno é sim importante, mas na fase da adolescência não é o suficiente.  Percebe-se com o filme como os amigos podem ajudar a fornecer um espaço seguro para experimentar novas ideias e comportamentos. Eles podem fornecer conselhos e perspectivas diferentes das dos pais e outros adultos significativos na vida do adolescente, permitindo uma maior compreensão do mundo ao seu redor. Além disso, os amigos podem desempenhar um papel importante na construção da autoestima e confiança oferecendo suporte em momentos difíceis ajudando a aliviar o estresse.

A adolescência é um período da vida marcado por mudanças físicas e psíquicas que ocorrem de modo abrupto, mudanças essas muito difíceis de lidar, mudanças que são vividas não só pelo adolescente, mas, por toda a família. O luto pela perda do corpo infantil, pela perda dos pais ideias: “Sabe quando você olha para as fotos antigas e fica feliz, mas também fica triste porque tudo mudou”. A fala da personagem simboliza bem a forma como passamos por estas transformações, nossa tristeza ao perceber que não somos mais crianças e que agora tudo será diferente em nossas vidas, a luta por aceitação pelos pares, as pressões familiares para ser “alguém na vida”, a descoberta da sexualidade. Sim, adolescentes também têm libido e este ponto fica claro no filme de forma simples e sutil. Fato totalmente impensado pelos seus pais. Para a mãe de Mei-Mei, que invade sua intimidade lendo seu diário e descobre que a menina tem um interesse amoroso, típico da adolescência, julga que “seu bebê” foi seduzida por aquele “marginal sedutor de crianças”.

            Interessante perceber que o panda sempre aparecia quando as emoções eram afloradas, emoções boas ou ruins. Deste modo vemos que emoções adolescentes são tão intensas quanto mutáveis e sim, é normal. O panda era um imenso desconforto para sua família, panda este que apenas sumia quando Mei-Mei se concentrava no que mais a fazia feliz e a reportava a tranquilidade e segurança, e qual seria este lugar? Certamente sua mãe julgava que seria em seus braços, afinal era sua mãe quem mais a amava e protegia, mas neste momento que nos deparamos com os longínquos pensamentos de Mei-Mei e seu lugar feliz repleto de segurança e conforto: o abraço de suas amigas. Era lá e apenas lá que ela conseguia o equilíbrio e a segurança para se concentrar e controlar aquelas emoções (panda) que tanto a afligiam.

            No decorrer do filme descobrimos que todas as mulheres da família de Mei-MEi sofriam com a mesma “maldição” do panda, inclusive sua mãe. A figura segura e controladora também fora a menina desprotegida que não conseguia controlar suas emoções e sensações. Em se tratando de uma animação infantil obviamente temos um final feliz com Mei-Mei aceitando suas emoções, seu panda interior, e fazendo as pazes com sua mãe e finalmente aceita que seu “bebê” está crescendo e também aceita lidar com as mudanças que são próprias da vida. A alegoria final foi a despedida de Mei-Mei para a mãe e os sorrisos para suas amigas para se divertiram em seus programas típicos da fase, como se finalmente conseguisse dizer adeus a sua infância e saudado sua nova fase de vida, mesmo que esta fase seja totalmente difícil e intensa.

Referências

ASSIS, SG., and AVANCI, JQ. Os adolescentes, os amigos e a escola: caleidoscópio de imagens sobre o ‘eu’. In: Labirinto de espelhos: formação da autoestima na infância e na adolescência [online]. Rio de Janeiro: Editora FIOCRUZ, 2004. Criança, Mulher e Saúde collection, pp. 129-159. ISBN 978-85-7541-333-3. Disponível em: chrome-extension://efaidnbmnnnibpcajpcglclefindmkaj/https://books.scielo.org/id/vdywc/pdf/assis-9788575413333-06.pdf. Acesso em: 05/03/2023

CARNIER, A. Análise psicológica do filme “Red: Crescer é uma Fera”. Saúde Interior. Disponível em: https://saudeinterior.org/analise-psicologica-do-filme-red-crescer-e-uma-fera/.  Acesso me: 06/03/2023.

CARVALHO, R. B. Et. Al. Relações de amizade e autoconceito na adolescência: um estudo exploratório em contexto escolar. Estudos de Psicologia I Campinas I 34(3) I 379-388 I junho – setembro/ 2017. Disponível em: chrome-extension://efaidnbmnnnibpcajpcglclefindmkaj/https://www.scielo.br/j/estpsi/a/n5xVR6z3nMqY9NPTXZLwzJg/?format=pdf&lang=pt. Acesso em: 05/03/2023.

 FILIPINI, C. B. Et. Al. Transformações físicas e psíquicas: um olhar do adolescente. Adolesc. Saude, Rio de Janeiro, v. 10, n. 1, p. 22-29, jan/mar 2013. Disponível em: chrome-extension://efaidnbmnnnibpcajpcglclefindmkaj/https://cdn.publisher.gn1.link/adolescenciaesaude.com/pdf/v10n1a04.pdf. Acesso em: 05/03/2023.

NOBRE, A. F. Resenha do filme Red: Crescer é uma Fera. Disponível em: https://labdicasjornalismo.com/noticia/10986/resenha-do-filme-red-crescer-e-uma-fera. Acesso em: 06/03/2023.

OLIVEIRA, A. Conflitos Familiares e Amigos e a Influencia na Construção na Identidade do Adolescente. Portal dos Psicólogos. ISSN: 1646-6977. 2015. Disponível em: efaidnbmnnnibpcajpcglclefindmkaj/https://www.psicologia.pt/artigos/textos/A0933.pdf. Acesso em: 05/03/3023.

ROSA, N. Crítica: Red, Crescer é uma Fera. Sobre Crescer e Abraçar quem você é. Disponível em: https://canaltech.com.br/entretenimento/critica-red-crescer-e-uma-fera-211678/. Acesso em: 06/03/2023.

VIEIRA, L. Feminilidade, amadurecimento e família – Resenha de Red: crescer é uma fera. Diponível em: https://wp.ufpel.edu.br/empauta/feminilidade-amadurecimento-e-familia-resenha-de-red-crescer-e-uma-fera/. Acesso em: 06/03/2023.