Somos tão Jovens: amizade, nostalgia e emoção

Bom, enquanto escrevo isso posso dizer que ainda estou sofrendo os efeitos de ter assistido ao filme-biografia do Renato Russo, “Somos tão jovens”. Fácil, fácil esquecermos qualquer imperfeição do filme ao sermos bombardeados por referências sutis e nada-sutis das letras das músicas. E esse bombardeio afeta, e como afeta!!!

Na sala de cinema, todas as idades possíveis. Desde pessoas que já eram pais quando a Legião Urbana estourou (imagino o quanto temiam pelo futuro dos seus filhos que se embriagavam com as letras daquelas músicas que, sim, faziam pensar, ao mesmo tempo em que eles próprios não conseguiam escapar de seu poder de atração) até muitos que nem eram nascidos quando Renato Russo se foi (o que me levou, preconceituosamente, a pensar: “o que vocês estão fazendo aqui, vocês não conheceram o Renato”). Obviamente meu preconceito se esvai quando, a cada música apresentada, tem-se um coro de vozes acompanhando-a. Sim, Renato Russo e sua música são atemporais.

Muito dessa capacidade das músicas de Renato Russo atingir a todas as gerações está na fácil leitura que ele fez dos sentimentos que tumultuam as cabeças e, por que não dizer?, os corações adolescentes e que acabam por gerar conflitos com os adultos que, infelizmente, já não conseguem acompanhar com a mesma coragem o afã juvenil de mudar o mundo.  E, por incrível que pareça, o filme consegue mostrar essas situações tão dramáticas de forma suave, divertida, simpática apesar de não ser isso o que se imagina de um filme que fala de… Renato Russo. E o que se vê nestes momentos é… Renato Russo.

Outro elemento que torna tão atuais as letras de Renato Russo é que, apesar de tantas alterações na política brasileira, lá no fundo nada mudou e tudo que se disse ontem continua valendo hoje. O filme consegue até provocar a curiosidade: o que Renato cantaria hoje, vendo tudo isso que nossa pobre política nos apresenta? Com certeza ele entenderia que, apesar de tudo, não foi um tempo perdido.

Mas, obviamente, o filme tocará fundo a alma dos, como eu, nascidos no início da década de 1970. A emoção brota de cada letra que vai surgindo do espírito inquieto do Renato, a cada acorde que nos lembra uma música de nossa juventude, a cada sentimento expresso que nos faz recordar nossos sonhos adolescentes. A viagem saudosista a momentos de nossas vidas é uma constante em todos os momentos do filme, o que é provocado não somente pela trilha sonora, mas também pelo figurino, pela arquitetura dos prédios de apartamentos de Brasília, pela relação feita com momentos e fatos históricos. Até a forma de caminhar da juventude da época está ali. Mais um pouco e chegaríamos a sentir os cheiros que acompanharam nosso amadurecimento.

Contudo, nada disso teria força se não houvesse a interpretação “gostosa” de Thiago Mendonça como Renato Russo. Compará-lo com Daniel de Oliveira em Cazuza, é injusto, dada a carga dramática que se colocou naquele filme e que refletiu no trabalho do ator, mas Thiago Mendonça faz juz ao que o filme espera dele e por isso o melhor adjetivo que consigo pensar para sua interpretação é esse: “gostosa”.  Ele conseguiu, sem ridicularizar, repetir aquela torcida de boca, aquele mexer de sobrancelhas, aquele apertar de olhos típicos do Renato. Não dá pra esquecera afetação arrogante e a louca forma de dançar advinda do seu breve momento de rebeldia punk. Nestes momentos Thiago parecia incorporar Renato.

Impressionante também a caracterização e a atuação dos atores Ibsen Perucci e Edu Moraes que facilmente nos faziam perceber na tela os jovens Dinho Ouro Preto (Capital Inicial, cujo surgimento é retratado) e Herbert Vianna (Paralamas do Sucesso). Este último é apresentado de forma caricatural, mas muito simpática para quem conhece a história do artista.

Agora, nada mais lindo e apaixonante que a amizade de Ana Cláudia, personagem criada baseada em várias pessoas que, de diferentes formas, fizeram parte da vida do Renato. A atuação da atriz Laila Zaid faz-nos crer que todos os outros personagens é que foram inventados e que, se houve algo real da vida de Renato Russo apresentada no filme, foi a sua amizade com sua personagem. Amizade esta que rende um dos mais bonitos momentos do filme e que nos apresenta a rosa branca presa ao pedestal.

A forma leve como o filme aborda a sexualidade do cantor pode parecer a muitos como uma forma de fugir da discussão e evitar maiores polêmicas. Entretanto, a reação das pessoas ao meu redor me fez perceber que parece ter sido a decisão acertada se o objetivo era promover o respeito à diversidade. Não foram poucas as pessoas, de ambos os sexos e de diferentes tribos, que estavam torcendo para que Renato fosse correspondido em seus sentimentos. Abro aqui parênteses para uma situação que presenciei. Nos trailers foi apresentado um filme de temática adolescente e algumas meninas se empolgaram, para despeito de um garoto, sentado a minha frente, que retrucou: “ – Isso é coisa de veado!”. Durante o filme, em um momento em que Renato demonstra seu afeto a um amigo, este mesmo adolescente fez coro ao “Ohhhh” que tomou conta de grande parte do público presente.

Confesso, não foram poucos os momentos em que as músicas apresentadas me levaram às lágrimas enquanto eu sussurrava, baixinho, as letras que marcaram minha juventude. E acredito que tenha sido esse um dos objetivos do diretor, Antônio Carlos Fontoura: apresentar um filme simpático, suave, leve, mas que tocasse em cada um de nós no ponto certo para que as imagens do filme se misturassem com aquelas nossas melhores recordações e, com isso, fornecesse elementos para a construção de uma memória emotiva que, com certeza, perdurará e fará que nos lembremos desse filme com um sorriso nos lábios e uma grande sensação de nostalgia apertando o coração.

Acredito que Renato Russo, sempre crítico aos endeusamentos, ficaria satisfeito com esse formato.

Força sempre!!!


FICHA TÉCNICA DO FILME

SOMOS TÃO JOVENS

Diretor: Antonio Carlos Fontoura
Elenco: Thiago Mendonça, Sandra Corveloni, Marcos Breda, Laila Zaid, Bianca Comparato, Bruno Torres, Daniel Passi, Sérgio Dalcin, Conrado Godoy, Nathalia Lima Verde, Ibsen Perucci, Edu Moraes, Olivia Torres, KotoeKarasawa, André de Carvalho, Leonardo Villas Braga, Victor Carballar, Thiago Casado, Antonio Bento, Nicolau Villa-Lobos, Waldomiro Alves, Natasha Stransky, Rene Machado, KaelStudart, Vitor Bonfá, Henrique Pires, Maísa Lacerda, Paulo Wenceslau
Roteiro: Marcos Bernstein
Fotografia: Alexandre Ermel
Trilha Sonora: Carlos Trilha
Duração: 104 min.
Gênero: Drama
Classificação: 14 anos

Fonte: http://www.somostaojovens.com.br

Bacharel em Psicologia. Graduado, Especialista e Mestre em Ciência da Computação pela UFSC. Professor dos cursos de Ciência da Computação, Sistemas de Informação e Engenharia de Software so CEULP/ULBRA.