Com doze indicações ao Oscar:
Filme, Diretor (Alejandro Gonzáles Iñárritu) , Ator (Leonardo DiCaprio) , Ator Coadjuvante (Tom Hardy), Fotografia (Emmanuel Lubezki), Edição de Som, Mixagem de Som, Maquiagem e Cabelo, Design de Produção, Efeitos Visuais, Montagem, Edição
Revenant significa “aquele que retorna após a morte ou após uma longa ausência”
The Revenant (O Regresso) é uma adaptação livre da obra de Michael Punke, “The Revenant: A Novel of Revenge”, publicada em 2002, baseada na história real de Hugh Glass, um caçador de peles que viveu no século XIX nas fronteiras montanhosas do território americano. Dirigido e adaptado por Alejandro G. Iñarritu (Birdman), o filme é um amálgama de elementos clássicos do cinema, desde a busca pela vingança e a constatação da fragilidade humana perante a imensidão da natureza até a reflexão sobre os limites da sanidade em um ambiente hostil e brutal.
O diferencial e, especialmente, a força do filme está na direção espetacular de fotografia de Emmanuel Lubezki (ganhador do Oscar por Gravidade e Birdman). The Revenant foi feito para ser uma experiência sensorial e uma maravilha estética e, para tanto, foi filmado usando apenas luz natural, o que acarretou em um longo período de gravação (cerca de nove meses). A impressão que se tem é que as experiências de Hugo Glass (interpretado de forma visceral por Leonardo DiCaprio) podem ser de fato vivenciadas durante as mais de duas horas e meia de filme.
O filme acompanha a trajetória de Glass, que guia um grupo de caçadores de pele ao longo do rio Missouri. Para mostrar a vastidão das montanhas ainda intocadas do século XIX, as filmagens ocorreram no norte do Canadá e na Argentina. A imensidão da floresta no inverno denso é um espetáculo visual intenso que, em contraste com a figura diminuta do indivíduo naquele meio, mostra-nos várias nuances da natureza humana, especialmente aquelas relacionadas a resistência a dor e a adaptação a condições precárias de vida.
A sequência inicial de The Revenant, um ataque de nativos americanos a um grupo de caçadores de pele, já deixa subentendido que os nativos não serão retratados como “inimigos”, mas como uma força da natureza. E em meio a flechas trespassando carne, tiros, gritos de dor e sangue é construída uma cena a la “Apocalipse Now”, ainda que no século XIX. E como toda guerra, cada grupo, de certa forma, é movido por uma missão que considera digna do confronto, seja o caçador e o desejo de obter o lucro com suas peles, ou o nativo e sua busca pela filha raptada.
Nem na luta que Glass trava com um urso depois de escapar do cerco dos nativos é possível distinguir qual merece de fato sair vitorioso. Se o urso, que está em seu território, defendendo seus filhotes, ou Glass, que está afastado do grupo que guia, movido instintivamente pelo seu desejo de vida, mesmo que, em tais circunstâncias isso pareça ser inconcebível.
O vento e os demais elementos da natureza são apresentados com a relevância de alguns personagens, o que dá ao filme um ritmo diferenciado, semelhante a algumas obras de Terrence Malick (Árvore da Vida). Mas a sequência do ataque do urso, com um realismo surpreendente, tem o poder de nos retirar da contemplação, de nos mostrar que, mesmo em condições totalmente hostis, é possível resistir quando a sobrevivência não é uma opção, mas uma necessidade, um imperativo biológico. Se quase sentimos o vento em nossa pele através da forma com que a câmera de Lubezki nos transporta para a história, a luta do urso com o Glass mostra-nos, em todas as suas nuances, a extensão da dor, do medo e da solidão que esse embate representa. É simplesmente brutal.
Com o corpo destroçado, a pele rasgada, sem voz, a única opção para Glass é ficar na floresta para morrer. Com ele, ficam seu filho (fruto de uma relação com uma nativa americana), Fitzgerald (interpretado por Tom Hardy – Mad Max) e um jovem caçador, formando um cortejo fúnebre para o morto que ainda respira, um morto em potência.
“E eis que me metem na terra. Todos vão embora, estou sozinho, totalmente sozinho. Não me movo. Antes, sempre que imaginava acordado como me colocariam na sepultura, associava à sepultura propriamente apenas uma sensação de umidade e frio. Assim também nesse momento senti que estava com muito frio, sobretudo nas pontas dos dedos dos pés, mas não senti mais nada.
O sonho de um homem ridículo (Dostoiévski, 1877)
Tal qual o homem ridículo do conto de Dostoiévski [1], Glass vivencia a experiência de ser enterrado vivo. Enquanto a terra é jogada sobre seu corpo imóvel, podemos sentir através dos seus olhos, graças a interpretação impressionante de DiCaprio, o horror e o medo provocado pela sensação de abandono e dor. Seu enterro em vida foi uma decisão de Fitzgerald, o rabugento caçador de peles que parece viver assombrado pelas memórias do pai e da luta que provocou a perda do seu escalpo.
Meu pai foi um homem religioso, sabe? Podia matar, caçar, fazer de tudo. E pensava que nada podia acontecer a ele. Um dia perdeu todos os seus amigos… E quase tudo…. Os comanches roubaram seus cavalos…. Estava faminto, delirando…. Se arrastava por todo lado entre as árvores no meio do nada. Mas num mar de perdição, ele tinha a religiosidade. E um dia me disse que encontrou Deus. Ele disse que “Deus estava na forma de um esquilo”. Se sentava e falava de sua glória e piedade divina e eu atirei no filho da puta… (Fitzgerald)
Fitzgerald, como todos no filme, é movido pela necessidade de sobreviver, mas não nutre ilusões em um Deus misericordioso, para ele “Deus dá, Deus tira”. A loucura do pai evidenciava sua fraqueza, por isso talvez tenha sido mais fácil livrar-se dele do que tolerar o fragmento de homem que ele havia se tornado. A impressão que temos é que Deus, para um homem nas condições de Fitzgerald, pode ser um vício perigoso, já que tira-lhe a selvageria necessária para sobreviver, sem enlouquecer.
Assim, é definida a tríade do filme: um quase-morto (Glass) se arrastando pela neve, refugiando-se do frio dentro do corpo dilacerado de um cavalo, delirando com imagens de sua falecida esposa e sobrevivendo aparentemente para vingar o assassinato do filho, ainda que a vida parece ser tão necessária ao seu corpo dilacerado que a causa da sua sobrevivência independe de um propósito; um homem sem escalpo e amoral (Fitzgerald) que busca sobreviver à perseguição de um moribundo, o que parecia ser uma tarefa fácil inicialmente e; principalmente, a imensidão impactante do mundo natural, que tanto causa fascinação quanto horror.
Ao final, esses elementos refletem (em algum nível) um trecho de Nietzsche em Crepúsculos dos ídolos [2], “na nossa própria natureza selvagem é onde melhor nos refazemos da nossa não-natureza, da nossa espiritualidade…”. Glass junta seus pedaços e cicatriza suas feridas porque há nele um ímpeto que ultrapassa sua racionalidade, se ele pensasse em sua real situação, morreria. O não pensar é que transforma sua jornada em uma experiência espiritual, quase um milagre.
REFERÊNCIAS:
[1] DOSTOIÉVSKI, F. (1877) Duas narrativas fantásticas (A dócio e o Sonho de um homem ridículo). Tradução de Vadim Nikitin, Ed. 34, 2003.
[2] NIETZSCHE, F. (1888) Crepúsculo dos ídolos. Tradução Paulo César de Souza. Ed. Companhia das Letras, 2006.
Mais filmes indicados ao OSCAR 2016: http://encenasaudemental.com/serie-oscar-2016
FICHA TÉCNICA DO FILME:
O REGRESSO
Diretor: Alejandro González Iñárritu
Elenco: Leonardo DiCaprio, Tom Hardy, Forrest Goodluck, Will Poulter;
País: EUA
Ano: 2015
Classificação: 16