“Whiplash” e a sofrida (e instigante) busca pela perfeição

 

Com cinco indicações ao OSCAR:

Melhor Filme, Melhor Ator Coadjuvante (J.K. Simons), Melhor Roteiro Adaptado, Melhor Edição e Melhor Mixagem de Som 

“O homem é uma corda esticada entre o animal e o super-homem, 
uma corda por cima do abismo” – Friedrich Nietzsche

“Whiplash: em Busca da Perfeição” é uma das mais agradáveis surpresas de 2014. Não por menos, acabou com uma indicação ao Oscar, para Melhor Ator Coadjuvante, em decorrência da atuação de J.K. Simmons, intérprete do durão professor de música Terence Fletcher, e estreante em grandes premiações. O longa já havia mostrado força no Festival de Sundance 2014, onde recebeu enorme destaque. Ele segue a lógica da busca obsessiva pela perfeição artístico/profissional, numa dinâmica em que o espectador se vê diante de ações compulsivas, ásperas e angustiantes, elementos que parecem comuns às “gestações” dos gênios da arte.

O filme conta a estória do jovem Andrew Neyman, que desde cedo sempre sonhou em brilhar como baterista. Ao entrar num conservatório como substituto, se depara com um professor controverso, que se utiliza de métodos nada aprazíveis para tentar explorar o máximo de seus alunos e, quem sabe, despertar-lhes para as disputadas – e escassas – originalidade e precisão artística. Neste processo, os alunos são levados a extremos, onde a coerção, a chantagem psicológica, a humilhação e até eventuais ameaças contra a integridade física são uma constante. A brilhante atuação de Simmons sintetiza uma faceta nada romântica dos bastidores de um profissional da arte, tema já explorado pelo filme “Cisne Negro”.

Whiplash joga luz sob alguns dos assuntos mais contemporâneos, sendo que dois deles saltam aos olhos: a tênue linha que separa, como diz Zygmunt Bauman, a “ambição” da obsessão (que pode desembocar para um transtorno psíquico), e a conturbada presença de personagens que lutam contra a predominância do niilismo, mesmo que isso ocorra de forma inconsciente.

Sob o primeiro aspecto, Freud já dizia que apesar de o homem ser feito de carne, vive “como se fosse de ferro”. As demandas enfrentadas pelas pessoas, seja porque assim elas procuraram, como no caso do filme, seja porque lhes são impostas e/ou inerentes, como as questões relacionadas à própria contingência da vida – a impotência diante do adoecimento e da morte, por exemplo -, são litígios que parecem insolúveis. De quebra, Andrew se apresenta como a síntese de uma geração que tem o enorme desafio de superar limites que se mostram quase que como intransponíveis. No entanto, eximir-se desta dinâmica – que à primeira vista pode parecer cruel, mas ela tem seu lado positivo – elimina qualquer possibilidade de originalidade. Entregar-se a ela sem um mínimo de amadurecimento, no entanto, pode resultar em sérios danos, como no caso do aluno, no filme, que por não suportar a pressão do professor, acaba por cometer suicídio.

De acordo com Wielenska, é possível diferenciar um objetivo de vida de uma compulsão e/ou obsessão. No caso do objetivo, há sempre a possibilidade de o personagem submeter-se a processos de correção e até de total mudança de rumo. Há uma flexibilidade maior em relação às demandas, algo que se traduz numa espécie de “reconhecimento” do tamanho da distância a se percorrer para atingir dado alvo/objeto. Já as compulsões se caracterizam pela excessiva busca de produzir “sensação subjetiva de paz, redução da ansiedade, da insegurança e do medo”, numa velocidade sempre desafiadora. Andrew parece se enquadrar no perfil de personagem ambicioso.

Em outro aspecto, há pessoas – como o professor Terence Fletcher – que lutam para sair da mesmice e obter o melhor de si, e dos outros, através de suas ações compulsivas, excêntricas e originais. Fletcher poderia ser considerado a personificação do adepto do “anti-niilismo” predominante, já que nega certas morais da tradição (ele não é nada politicamente correto), normas estas que desencadeiam a chamada “doença da vontade” e a “mesmice social”. Fletcher, assim, encarna alguém que abraça o pensamento dos extremos de Nietzsche, naquele sentido mesmo que

“pode contribuir para os seres humanos do século XXI a repensarem os valores pelos quais pautam sua existência. É preciso radicalizar experimentalmente a consequência do cultivo dos principais valores de nosso tempo (bem-estar, individualismo consumista), a saber, o vazio de sentido que mais cedo ou mais tarde se impõe para quem segue irrefletidamente nessa senda. Assim, seria possível reverter os resultados niilistas de certas práticas contemporâneas no extremo oposto de uma existência decidida para construir sua própria individualidade, a partir da base instintiva da natureza”. (ARALDI, Clademir – 2010)

A originalidade comum na genialidade, portanto, é algo que se expressa numa vida que se propõe a experimentar o novo e até o subversivo. No fundo, “é quase sempre o temor de ferir o espaço de jogo individual que move os atores a preocupar-se um pouco com os outros no palco contemporâneo de luta por destaque”. Há, por esta ótica, um niilismo que “se insinua através do individualismo ‘associal’”. Há de se destacar que Neyman não se satisfaz através do fugaz (e compulsivo, no sentido mais vulgar) apelo consumista. Antes, acaba por “mergulhar na radicalização do niilismo” para, ao fim, transcendê-lo. E “radicalizar o niilismo é a única possibilidade para superá-lo”, reforça Araldi, em referência à Nietzsche.

Andrew Neyman “abocanha” a própria vida quando passa a ditar um ritmo que lhe é peculiar, ordenado a partir dele, sob sua regência. Ele passa a olhar o professor com uma impetuosidade que não reflete desdém, pelo contrário, trata-se de uma segurança que está além de qualquer convenção. Depois de uma longa e sofrida batalha, desperta. Já o “professor-carrasco” lembra os poetas aclamados pelo filósofo de Röcken, “impudicos para com as suas vivências. Antes, prefere explorá-las”. Nasce, sob as cinzas de muito sofrimento e dedicação, um artista forjado para a autenticidade. O percurso é tenso, perturbador. Mas talvez a estória (ou história) seria menor se assim não se desenrolasse.

 

Referências:

Sinopse de “Whiplash: Em Busca da Perfeição”. Disponível em  http://www.adorocinema.com/filmes/filme-225953/ – Acessado em 22/02/2015;

Perfil de JK Simmons. Disponível em http://www.cineclick.com.br/perfil/j-k-simmons – Acessado em 22/02/2015;

Transtornos Obsessivos. Disponível emhttp://www2.uol.com.br/vyaestelar/comportamento_toc.htm – Acessado em 22/02/2015;

O niilismo como doença da vontade humana – entrevista com Clademir Araldi. Disponível emhttp://www.ihuonline.unisinos.br/index.php?option=com_content&view=article&id=3702&secao=354 – Acessado em 22/02/2015;

COMTE-SPONVILLE, André. Dicionário Filosófico. São Paulo: WMF, 2011;

O Livro da Filosofia (Vários autores) / [tradução Douglas Kim]. – São Paulo: Globo, 2011;

MORA, José Ferrater. Dicionário de Filosofia. São Paulo: Martins Fontes, 2001;

RACHELS, James. Os elementos da filosofia da moral. 4. ed. São Paulo, SP: Editora Manole, 2006;

 

 

Mais filmes indicados ao OSCAR 2015: http://ulbra-to.br/encena/categorias/oscar-2015


FICHA TÉCNICA DO FILME

WHIPLASH: EM BUSCA DA PERFEIÇÃO

Título original: Whiplash
Lançamento: 8 de janeiro de 2015 (1h47min)
Dirigido por Damien Chazelle
Elenco: Miles Teller, J.K. Simmons, Paul Reiser, Melissa Benoist,  Jayson Blair, dentre outros
Gênero: Drama, Musical
Nacionalidade: EUA

Psicólogo. Mestre em Comunicação e Sociedade (UFT). Pós-graduado em Docência Universitária, Comunicação e Novas Tecnologias (UNITINS) e em Psicologia Analítica (UNYLEYA-DF). Filósofo, pela Universidade Católica de Brasília. Bacharel em Comunicação Social (CEULP/ULBRA), com enfoque em Jornalismo Cultural; é editor do jornal e site O GIRASSOL, Coordenador Editorial do Portal (En)Cena.