“Mistério é a grande história do parto que a medicina tenta revelar, entender. Mas é mistério e ponto”. Juliana Morais é parteira, mora em Brasília – DF, tem 28 anos e entende que a missão exercida por ela vai além de função técnica: é serviço pela mulher, família e humanidade, explica.
“Eu sempre senti a responsabilidade de ser parteira porque ali existem duas vidas: uma, você está vendo, está ali se comunicando; e tem outra que está no mistério e vai continuar no mistério até que nasça”
Juliana Morais
Em entrevista ao (En)Cena, Juliana fala sobre o sentimento de acompanhar a mulher durante o parto e a preparação do ambiente no qual acontece o nascimento da criança.
Foto: Kátia Viana
(En)Cena – Qual a sua história como parteira? O que te motivou a seguir esse caminho?
Juliana Morais – Eu sou aprendiz da parteiria tradicional. Tenho uma mestra que se chama Suely Carvalho, que aprendeu sobre a parteria e tem uma escola para aprendizes de parteira. Ela é parteira há mais de 30 anos, formada em enfermagem e foi para o nordeste onde aprendeu a parteria tradicional. Ela tem uma avó e bisavó que foram parteiras, mas não pôde receber os ensinamentos porque morreram antes de repassá-los. Ela entendeu que existem muitas mulheres hoje que tem um dom da parteria, que tem um dom de estar presente neste momento de aceitar essa missão, mas que não tem um ancestral próximo para repassar esse conhecimento, como uma avó, uma mãe ou uma tia. E ela entendeu que tem uma missão de fazer esse repasse da parteria. Foi assim que eu fui iniciada no mundo do partejar.
Agora eu sou parteira. Acompanhei como doula (acompanhante da gestante durante o nascimento) durante quatro anos, e a gente fala que para você se tornar parteira, o universo tem que decidir. Não é um diploma. Não é um curso que vai dizer que agora você vai ser parteira.
O primeiro parto que eu acompanhei foi um parto de gêmeos, de uma amiga. Eles nasceram comigo. A gente fala que eles têm que decidir, então, os gêmeos decidiram.
(En)Cena – Qual é o sentimento de acompanhar o parto e nascimento de uma criança?
Juliana Morais – Da mesma forma que para mulher é único, para nós, parteiras, também é único. Cada nascimento é diferente e, nesse momento, somos as guardiãs porque entendemos que o bebê é a materialização do espírito. Nós somos guiadas espiritualmente para fazer o que temos que fazer. Claro que temos a prática e a experiência, mas a energia desse momento é sagrada. É um momento sagrado pra mulher para o marido. É um momento muito intenso.
(En)Cena – Como você entende a chegada da criança ao mundo durante o nascimento? O que isso significa pra você?
Juliana Morais – A sensação que eu experimentei durante o acompanhamento do parto foi o daqui e do agora. Não existe passado nem o futuro: é o momento presente e isso é muito forte. Por isso a experiência do parir para a mulher é tão transformadora. Ela traz a mulher pra terra, pra presença do aqui e do agora, pois a mulher não pode estar com a cabeça pensando nas contas que ela tem que pagar ou pensando em alguém que a machucou, algo do passado. Ela tem que estar ali e todos que estão acompanhando também precisam estar ali no aqui e agora porque se existe uma energia destoante, esta energia vai interferir no momento do parto.
Então a gente guarda o momento do parto para que as coisas aconteçam harmonicamente. A gente acredita que se a criança chega a um ambiente de amor, um ambiente de segurança, onde ela é recebida com carinho e afeto, demonstrando que ela é bem vinda, isso vai nos dar a capacidade de amar. Esse é o primeiro momento do sopro de vida.
(En)Cena – Você se orgulha de ser parteira?
Juliana Morais – Eu sou nova, acompanhei apenas 40 partos e é muito pouco ainda, comparando com uma parteria de 60 anos. A minha experiência está se dando na prática. É muita confiança da mulher dizer para mim: “eu quero que você seja minha parteira”. Eu me sinto muito lisonjeada. As mulheres falam “muito obrigada por você ter estado aqui com a gente”, mas sou eu que agradeço às mulheres por terem permitido a minha presença nesse momento íntimo e tão sagrado. A sensação de estar em um momento como esse é sempre de muito privilégio e, nessa relação de confiança, eu aprendo muito. Nós parteiras, somos instrumentos, não estamos ali por vaidade, estamos ali a serviço da mulher, da família, da humanidade.