A Voz da Agronomia na Contemporaneidade: Conflitos de validação do conhecimento técnico e vivências entre gerações

O acadêmico Gabriel Fernandes Mendes, estudante do curso de Agronomia, destaca-se como pioneiro na introdução da cultura do café no estado do Tocantins e atua como pesquisador e extensionista universitário. Ele identificou a necessidade de realizar uma graduação em sua área de atuação com o intuito de aliar a prática ao conhecimento técnico, o que considera essencial para sua relevância tanto no campo da pesquisa quanto no setor do agronegócio.

(En)Cena – O trabalho no campo envolve pessoas mais velhas que possuem experiência prática, mas não têm formação. Ao passo que existem profissionais que possuem conhecimento científico e técnico, mas são mais jovens. Como você percebe e lida com essas diferenças?

Gabriel – O diálogo com os produtores varia conforme o perfil de cada um. No caso de grandes produtores, com fazendas bem estruturadas e tecnologia avançada, frequentemente encontramos pessoas que, embora tenham adquirido conhecimentos na prática, tiveram acesso a informações de profissionais especializados. Mesmo que esses conhecimentos práticos possam não ser tão precisos quanto os de um profissional formado, seguem uma linha de raciocínio técnica e fundamentada. Já com pequenos produtores, que adquiriram seus conhecimentos ao longo de gerações por meio do trabalho braçal e da convivência familiar, a situação é diferente. Muitos aprenderam práticas com pais e avós, resultando em um saber prático que, embora válido, nem sempre é totalmente preciso ou embasado teoricamente. E, essa realidade varia conforme a região do país, pois a agricultura familiar se desenvolve de formas distintas, influenciada por fatores locais como cultura, tipo de cultivo e clima. Com isso, o ideal é apresentar resultados práticos e, ao mesmo tempo, integrar o conhecimento científico ao saber prático que o produtor já possui, valorizando sua experiência. Um exemplo comum é a crença, no contexto da agricultura familiar, sobre a influência das fases da lua no plantio. Embora exista alguma correlação entre as fases da lua e fatores como precipitação e pressão atmosférica, muitos aspectos do cultivo dependem de condições como a chuva e o clima, que frequentemente têm uma influência maior na germinação. A agricultura familiar em algumas regiões do Brasil enfrenta dificuldades para se desenvolver devido à resistência de alguns produtores em adotar métodos diferentes dos tradicionais. Em algumas situações, eles precisam observar alguém próximo, como um vizinho ou alguém que respeitam, obtendo bons resultados com novas técnicas para considerar mudanças em suas próprias práticas. A forma com que eles lidam com as inovações depende muito de quem está transmitindo as informações, o que torna essa questão ainda mais delicada. Infelizmente, essa resistência acaba limitando o desenvolvimento pessoal e profissional desses agricultores. Para cada situação, é necessário ter ajustes na comunicação e um diálogo cuidadoso, que respeite e valorize as tradições, ao mesmo tempo em que se busca introduzir melhorias.

(En)Cena – Como você se sente ao dar sua opinião ou sugerir mudanças nas práticas tradicionais dessas pessoas mais velhas que têm experiência? Você sente que é ouvido e respeitado?

Gabriel – Com certeza, não é uma situação simples. Como mencionei anteriormente, tudo depende do perfil do produtor. Quando você trabalha com um produtor que busca produtividade e lucro, qualquer sugestão bem fundamentada e que possa agregar valor é bem-vinda. Esse tipo de produtor tende a ouvir com interesse, faz perguntas, propõe alternativas e gera uma conversa saudável e colaborativa. Por outro lado, ao lidar com pequenos produtores que estão focados apenas no trabalho e não priorizam tanto a produtividade ou o lucro, a dinâmica é diferente. Para o grande produtor, a fazenda é uma empresa, um negócio. Para o pequeno produtor, sua propriedade representa uma vida, uma cultura e uma história familiar. Em alguns casos, o pequeno produtor não enxerga aquilo como uma empresa, e qualquer sugestão de mudança pode ser interpretada como uma intervenção em sua vida pessoal, e não apenas no seu modo de trabalho. No entanto, é frustrante para quem se dedica ao estudo, à leitura de artigos, e ao aprimoramento técnico, ter plena certeza de uma recomendação e, ainda assim, enfrentar resistência e falta de acolhimento, especialmente entre os pequenos produtores. Em mais de 90% dos casos, trabalhar com esses produtores significa lidar com essa barreira. Esse é um dos motivos pelos quais muitas iniciativas técnicas e práticas no setor agropecuário acabam sendo voltadas para grandes produtores, enquanto há poucos projetos sociais e governamentais direcionados aos pequenos produtores. Essa dificuldade em aceitar opiniões externas torna mais complexa a implementação de novas práticas.

(En)Cena – Você já passou por situações em que sua formação acadêmica foi questionada ou desvalorizada por essas pessoas? Como lidar com isso?

Gabriel – De certa forma, sim, porque ainda estou em processo de formação, mas essa situação é muito comum quando desenvolvemos atividades de extensão em campo, cujo objetivo é levar melhorias para essas comunidades. Muitas vezes, acabamos buscando grandes produtores, que geralmente têm estrutura e conhecimentos suficientes e, na maioria dos casos, nem precisam tanto da nossa ajuda. Contudo, ao tentar aplicar esse trabalho junto aos pequenos produtores, encontramos desafios significativos, principalmente devido à falta de estrutura. Ainda assim, é notável como nossas orientações e sugestões são recebidas de maneiras diferentes. Ao desenvolver uma atividade, como uma palestra, observamos o olhar e o comportamento das pessoas ao nosso redor. Muitas vezes, o público está sentado, aparentemente ouvindo, mas sem qualquer participação ou interesse real. Apenas pelo olhar, percebemos uma postura de desconfiança, o que torna a situação complicada. Isso, no entanto, faz parte da cultura de quem está há 40 ou 50 anos na prática, com uma visão consolidada e crenças próprias, desenvolvidas ao longo de uma vida inteira. Tentar mudar isso rapidamente é quase impossível. Com isso, procuro direcionar certas atividades para públicos específicos, com base na experiência que acumulei. Se o público não acredita nos métodos que apresentamos e não é possível comprovar os resultados de forma prática, o esforço acaba sendo em vão. O principal é desenvolver uma atividade que gere resultados reais, sem essa possibilidade, o trabalho perde sentido e torna-se inviável. O ideal é que você já tenha consciência de que encontrará dificuldades e que a recepção pode não ser positiva. Embora isso não se aplique a todos os casos, cerca de 90% das situações apresentam essa resistência. Portanto, é fundamental adaptar a atividade para esse público. Por exemplo, é necessário simplificar a linguagem que você utilizará, evitando termos excessivamente técnicos. É importante fornecer o máximo de exemplos práticos para tornar a apresentação mais didática. Caso você consiga associar suas propostas às crenças do público, será possível desenvolver uma atividade que, mesmo que parcialmente, seja bem-sucedida

(En)Cena – Quais estratégias você acredita serem eficazes para que você consiga validar seu conhecimento diante de agricultores familiares que confiam mais em sua própria experiência do que em orientações técnicas?

Gabriel – Isso depende bastante da localização do produtor. Por exemplo, ao trabalhar com produtores da agricultura familiar, seja do sul, do extremo norte, do nordeste ou do centro-oeste do país, cada região apresenta uma situação distinta. Focando nos produtores da agricultura familiar aqui da nossa região, uma estratégia que tem mostrado bons resultados, com base na minha experiência, é a necessidade de ter um campo experimental ou um local onde você possa levá-los inicialmente para apresentar os resultados e demonstrar como você realizou as práticas. Após isso, você pode então visitar as áreas deles e compartilhar o conhecimento adquirido. A primeira coisa a fazer é demonstrar como seu protocolo de cultivo pode ajudá-los a aumentar a produtividade e a reduzir o esforço no trabalho. É essencial tornar a proposta atraente, evitando promessas exageradas, mas mostrando resultados concretos e facilitando a implementação, considerando que o trabalho na agricultura familiar é geralmente muito árduo. Ao mostrar que suas práticas funcionam na prática, você começa a quebrar a barreira da resistência. As pessoas precisam receber novas informações, mas isso só é eficaz se você apresentar resultados tangíveis. Se você não demonstra esses resultados, como pode pedir que eles arrisquem a produtividade de um ano com base em métodos ainda incertos?. É crucial entender a estrutura que esses produtores têm à disposição e com a qual estão familiarizados. Portanto, todo protocolo deve ser formulado levando em conta esses fatores, caso contrário, isso poderá impedir a aceitação das suas ideias, pois parecerá que você está propondo algo que não se encaixa na realidade deles. Isso é semelhante ao que acontece na política: quando as propostas de um político não refletem a realidade da cidade, as pessoas tendem a desconfiar. Assim, mesmo que suas intenções sejam boas e que você tenha ótimas ideias, se não trabalhar dentro da realidade dos produtores, suas propostas não terão impacto. Resumindo, para mim, o que funciona é mostrar resultados concretos, simplificar o trabalho deles com soluções viáveis e alinhar as propostas com a realidade enfrentada por esses produtores.

(En)Cena – A pós-modernidade traz consigo uma valorização da diversidade de opiniões e perspectivas. Como isso afeta sua interação com aqueles que têm práticas tradicionais, mas que podem resistir a novas abordagens tecnológicas ou teóricas?

Gabriel – Na verdade, acredito que essa situação deve ser analisada sob outra perspectiva. Ninguém se opõe a algo que é bom ou que facilita a vida das pessoas. No entanto, a desigualdade social frequentemente impede que essas pessoas tenham acesso a novas tecnologias, fazendo com que nem mesmo consigam sonhar com isso. Essa realidade é especialmente evidente no campo. Por exemplo, um grande produtor pode possuir um maquinário que, por si só, representa o investimento de dez propriedades de pequenos produtores. Essa disparidade evidencia a grande desigualdade social presente nesse setor. Os pequenos produtores da agricultura familiar muitas vezes não têm nem a condição de imaginar a possibilidade de adquirir um daqueles maquinários. Portanto, quando você trabalha com essas pessoas, não é que elas se opõem a inovações, muitas vezes, simplesmente não têm a capacidade financeira para isso. É essencial reconhecer essa realidade e moldar seu protocolo para se adequar às condições deles, desenvolvendo atividades que sejam viáveis e relevantes para suas situações. O objetivo deve ser sempre promover soluções que se encaixem na realidade desses produtores. E, por fim, devemos torcer para que um dia essa realidade no país mude. Infelizmente, essa ainda é a situação atual. No entanto, quando se trata do grande produtor, a introdução de um novo insumo, semente ou maquinário geralmente é acompanhada de muitos testes. As empresas realizam eventos de lançamento, onde os produtores podem visitar e conhecer as inovações, recebendo incentivos para adquirir essas novas tecnologias. Por conta da reputação consolidada dessas empresas, seus produtos são geralmente bem aceitos no mercado. A confiança que os produtores depositam nessas marcas, devido à sua história e resultados anteriores, facilita a aceitação de praticamente qualquer produto que lancem, desde que tenha sido testado e validado. No caso dos grandes produtores, é raro enfrentar o desafio da aceitação de novos produtos. No entanto, com os pequenos produtores, a situação é diferente e se relaciona com as questões que foram mencionadas anteriormente.

(En)Cena – Quais práticas agroecológicas têm sido adotadas pelos novos profissionais de agronomia  para integrar sustentabilidade e produção agrícola?

Gabriel – Em relação às novas agrotecnologias no Brasil voltadas para sustentabilidade e aumento de produtividade, vale ressaltar que sua adoção depende muito da região do país. No entanto, dois pontos que têm abrangência nacional são as áreas de defensivos e fertilizantes. Isso porque esses insumos estão entre os que mais deixam resíduos no meio ambiente, e, por isso, tanto no Brasil quanto globalmente, o setor de pesquisa e desenvolvimento do agronegócio investe fortemente na criação de alternativas mais sustentáveis. Na área de fertilizantes, por exemplo, há inovações importantes com foco em sustentabilidade. Uma delas é o uso de FBN (fixadores biológicos naturais) de nitrogênio e de fósforo, que são bactérias capazes de fixar esses nutrientes no solo. Isso é essencial porque tanto o nitrogênio quanto o fósforo são amplamente utilizados na agricultura e, quando lixiviados, podem atingir corpos d’água e causar eutrofização, que é um processo que aumenta a proliferação de micro-organismos aquáticos, prejudicando o ecossistema ao reduzir a quantidade de oxigênio e luminosidade e afetando a fauna e a flora locais. O uso de fixadores naturais reduz a necessidade de aplicação desses fertilizantes químicos, diminuindo assim os resíduos e os impactos ambientais. Um exemplo de sucesso é o fixador natural de fósforo desenvolvido pela Embrapa, que já trouxe excelentes retornos financeiros ao Brasil, visto que muitos produtores ao redor do mundo passaram a utilizar esse produto. Outro ponto positivo nas agrotecnologias é o MIP (Manejo Integrado de Pragas). Esse sistema utiliza estratégias ecológicas e naturais para o controle de pragas, minimizando o uso de defensivos químicos. O MIP inclui práticas como o uso de micro-organismos benéficos, a rotação de culturas e um processo dividido em etapas, visando reduzir ao máximo a necessidade de químicos no campo, o que favorece a sustentabilidade da fauna e flora locais. Por fim, o avanço da agricultura verde e orgânica, que evita o uso de defensivos e fertilizantes químicos. Essa prática tem crescido significativamente tanto no Brasil quanto no mundo, gerando impactos positivos para a sustentabilidade e para o meio ambiente. 

(En)Cena – Como os agrônomos e estudantes de agronomia abordam a necessidade de preservar o meio ambiente enquanto atendem às demandas agrícolas globais?

Gabriel – Na verdade, essa é uma questão complexa. A situação depende muito da perspectiva de cada profissional e é significativamente influenciada por condições políticas no país, que agravam a problemática ambiental. Por exemplo, elaboramos protocolos para o uso de defensivos e fertilizantes, buscando sempre minimizar os danos ao meio ambiente e evitar a presença de resíduos. Nosso objetivo é desenvolver pesquisas que promovam melhorias e possibilitem uma produção mais eficiente em áreas menores, com menos resíduos e impactos ambientais. No entanto, a pesquisa no Brasil enfrenta sérias limitações em todos os setores, o que impede o desenvolvimento de novas tecnologias mais favoráveis ao meio ambiente. É importante ressaltar que o governo não oferece incentivos suficientes para que os produtores reabilitem ou reestruturem áreas degradadas, ou seja, áreas que já não são produtivas e estão sendo abandonadas. Atualmente, financeiramente, é mais vantajoso para os produtores abrir novas áreas para cultivo do que tentar revitalizar terrenos que já foram utilizados e que hoje não produzem mais. Isso resulta na continuidade da abertura de áreas no Brasil, deixando extensões de terra sem produção e sem vegetação nativa, agravando assim o problema ambiental. Essa situação decorre da falta de políticas públicas eficazes que incentivem os produtores a adotar práticas mais sustentáveis. Portanto,  durante nosso processo de formação, sempre procuramos abordar a produção de forma que respeite o meio ambiente, optando por protocolos e métodos que maximizem a produção enquanto minimizam os resíduos e impactos ambientais.