Carlos Rosa: Não existe psicóloga(o) perfeita(o), até porque é da natureza da psicologia clínica confrontar as demandas infantis da(o) paciente

(En)Cena entrevista o Psicólogo e psicanalista Carlos Mendes Rosa, Professor Adjunto do Curso de Psicologia da UFT, professor do Programa de Pós-Graduação em Prestação Jurisdicional e Direitos Humanos da Universidade Federal do Tocantins – Campus de Miracema e Coordenador do FaLA – Percurso de Freud a Lacan. Carlos também transita pela Psicologia Social e se interessa muito por Saúde Mental. Instagram: @carlosrosapsi

Maria Sueli de Souza Amaral Cury – suelicury@gmail.com 

Fonte: acervo pessoal do entrevistado.

(En) Cena – O que realmente pode-se entender como um planejamento de carreira?

Carlos Rosa: Do ponto de vista da psicanálise, planejamento de carreira é você estar alinhada(o) com os seus próprios desejos. Muitas pessoas compram metas profissionais pré-formatadas pela sociedade e acreditam que essa ou aquela carreira vai lhes satisfazer porque são “bem vistas” ou “rentáveis” e no final acabam infelizes porque não era aquilo que elas “realmente queriam fazer”.

(En) Cena – Como elaborar um planejamento de carreira do psicólogo?

Carlos Rosa: A primeira coisa a se fazer é procurar uma boa terapia ou análise. Ninguém vai ser psicóloga(o) sem passar por um bom processo terapêutico. A segunda coisa é saber que a universidade é um lugar de percursos variados e que estão sob sua responsabilidade. Ou seja, cabe a cada um aproveitar mais ou menos as oportunidades formativas da academia. E se formar de maneira correta, concreta, crítica e ética são quesitos fundamentais para uma carreira plena em qualquer área da psicologia.

(En) Cena – Quais são os principais desafios a serem superados por um psicólogo?

Carlos Rosa: Manter-se firme em seus propósitos técnicos e ético-políticos diante da panaceia de teorias, técnicas e métodos ditos “fáceis e rápidos”, estar em constante aprendizado e diálogo com a realidade que se atualiza e se transforma a cada dia, conseguir manter a capacidade de se espantar com as violências e formas de sofrimento não naturalizando tais condições, sustentar uma posição de profunda empatia e acolhimento diante de todas(os), principalmente, em uma sociedade marcada pela indiferença como fenômeno individual e pela solidariedade negativa como marca coletiva. Há muitos desafios a serem enfrentados! Acrescentaria ainda, a tarefa sempre difícil de lidar com nosso próprio narcisismo (tanto na profissão quanto na vida pessoal). Digo isso porque, ao nos tornarmos psicólogas(os), podemos cair na tentação de nos acharmos em uma condição diferente das outras pessoas, especialmente, quando pacientes nos procuram e, ao longo do tratamento, desenvolvem sentimentos de respeito, gratidão e estima por nós. Isso pode causar um certo fascínio deletério para nós mesmos e para os outros.

(En) Cena – Como alcançar uma boa saúde financeira?

Carlos Rosa: Gastando menos do que se ganha? (risos) Analisar aspectos da rentabilidade pessoal é complexo por estarmos submetidos a um sistema exploratório neoliberalista que precariza a maior parte das funções e ocupações. Além disso, pessoas diferentes (diferenças de sexo, raça, etnia, classe) terão dificuldades diferentes para atingir patamares idênticos de renda e estabilidade. Não existe uma regra geral. Mas, se puder dizer alguma coisa sobre esse ponto seria, na maioria das vezes, aquela pessoa que gosta do seu trabalho e se sente realizada com o que faz tende a trabalhar melhor e de maneira mais competente e consistente. E essas características costumam ser apreciadas pelo mercado. O que pode levar essa pessoa a ser mais valorizada e ter mais condições de atingir o que está sendo chamado aqui de “saúde financeira”.

(En) Cena – Como você superou ou não teve problemas em lidar com o público?

Carlos Rosa: Lidar com o público é sempre uma experiência difícil. Primeiro, pela variedade de pessoas e demandas. Segundo, como diria Sartre tendemos a achar que “o inferno são os outros”. Ou seja, o outro é sempre um anteparo das nossas piores (e até melhores) projeções inconscientes. Acredito que, nesse ponto, também vale a recomendação da análise pessoal (terapia), pois uma pessoa bem resolvida consigo mesma é mais feliz, mais fácil de tratar e lidar com as outras e, via de regra, mais segura em suas posições. O que certamente ajuda bastante na hora de estar diante do público; seja numa consulta clínica, numa instituição (escola, empresa) ou outras áreas onde a psicologia é chamada a atuar.

(En) Cena – Quando procurar ajuda psicológica?

Carlos Rosa: Quando se está sofrendo. Uma paciente minha dizia que “análise não é uma coisa que a gente precisa, é uma coisa que a gente merece”. Eu concordo que todas(os) deveriam e merecem passar por um processo terapêutico, mas isso não é possível. Especialmente, porque o processo terapêutico é difícil, doloroso e requer desejo por parte da(o) paciente. Então, a hora mais adequada para se começar uma terapia é quando se está em sofrimento e se tem a noção (maior ou menor) de que aquilo precisa mudar. No caso de candidatas(os) a profissionais de psicologia seria ótimo que essa hora ocorresse antes da primeira atuação. De preferência, um tempo curto depois de iniciar o curso de graduação.

(En) Cena – Você pode dizer quando é que a pessoa sabe se encontrou o psicólogo perfeito para ela?

Carlos Rosa: Acho que um bom processo terapêutico é medido por seus resultados na vida da(o) paciente. Em geral, esses resultados podem nem ser exatamente aqueles esperados pelo(a) paciente. Não existe psicólogo perfeito. Até porque é da natureza da psicologia clínica confrontar as demandas infantis da(o) paciente. E isso vai gerar dissabores e tensões. Lacan dizia que o analista deve fazer o papel da tapada (mulher que não entende) para ser bom clínico. Explico, que ele se refere à mulher pois, para a psicanálise, a posição clínica é sempre feminina (no sentido de esperar a demanda de terapia de outrem) e segundo, ser “tapada” significa não entender completamente o que se está dizendo na sessão, ter dúvidas, dar espaços para a incerteza. Nesse sentido, ao procurar uma terapia, não se deve esperar encontrar a psicóloga(o) perfeita(o), mas alguém que possa acolher nossos sofrimentos e tratar deles de modo a que consigamos nos transformar. É sempre um luxo encontrar alguém que te acolha e te aponte caminhos.

(En) Cena – Nessa nova ordem dos coach é comum as pessoas dizerem que os coachs são mais precisos, suas respostas ao problema são mais rápidas, assim sendo, qual a diferença entre o coach e o psicólogo?

Carlos Rosa: A palavra “Coach” vem do inglês e costuma ser traduzida por técnico ou treinador. E seu escopo e abrangência está (ou pelo menos deveria estar) atrelado a essa função; qual seja treinar pessoas em determinadas habilidades de forma a melhorar e potencializar resultados dessas mesmas pessoas nas mais diversas áreas de suas vidas de relação. Nesse sentido, há bons profissionais que se oferecem como coachs nas áreas de finanças, trabalho, relacionamentos etc.

Trata-se de um grave erro confundir esse tipo de serviço ou profissional com o fazer de um psicólogo. Pois a psicologia, em sua origem, se propõe a acolher e tratar modalidades de sofrimento em estreita ligação com o seu compromisso social com a sociedade como um todo em sua diversidade e desigualdade. Só a mera comparação entre as ocupações já me parece absurda, haja visto que um coach não tem formação e muito menos competência para tratar pessoas, mitigar sofrimentos e propor estratégias terapêuticas para o enfrentamento de transtornos ou outras formas patológicas.

Um adendo importante aqui se faz necessário acerca da suposta rapidez de certos tratamentos, sejam eles comportamentais ou farmacológicos. Nossa sociedade elegeu a pressa como valor fundamental. Com isso, perdemos o direito ao tempo para a elaboração e vivência de certos processos. Dito de outra maneira, não respeitamos mais o nosso próprio tempo e muito menos os outros. Imagina que você levou anos para construir uma forma de sofrimento como uma crise de ansiedade. Será possível que uma intervenção “rápida” terá efeitos terapêuticos e duradouros sobre esse sintoma?

(En) Cena – Não muito raro, as pessoas confundem depressão como uma tristeza profunda,  qual a diferença entre depressão e tristeza ?

Carlos Rosa: Essa confusão tem origem num fenômeno atual que conhecemos como “patologização da vida cotidiana”. Que nada mais é do que a utilização de termos oriundos dos manuais de psiquiatria para definir comportamentos e estados que são apenas variações da norma. Desse modo, quase tudo que se apresenta como sintoma vira diagnóstico e acaba sendo medicalizado. É papel da psicologia também lutar contra essa cultura tão equivocada e nociva à saúde mental das pessoas.

Tristeza é um estado de espírito, um afeto, ou até mesmo uma paixão, se pensarmos como o filósofo Espinoza. A tristeza faz parte da vida de todas(os) e não pode (nem deve) ser eliminada ou desprezada. Acho que duas boas reflexões sobre a importância da tristeza podem ser encontradas no livro de Ruben Alves “Ostra feliz não faz pérola” e no filme “Divertidamente”. Depressão é um transtorno mental classificado nos manuais diagnósticos. Define um conjunto de sinais e sintomas clínicos que incluem a tristeza em grau profundo, mas também outras características como anedonia (incapacidade de experimentar prazer), apatia diante da vida, descuido com o próprio estado físico, pouca disponibilidade de investimento de afetos etc. Pessoas em depressão devem procurar ajuda profissional. Trata-se de uma condição clínica e não deve ser trivializada nem romantizada.

(En) Cena – Tu acreditas que seja a Psicologia a profissão do futuro? 

Carlos Rosa: É lugar comum dizer que a psicologia no século XX ajudou a construir a sociedade em que vivemos. Isso porque há mais de cem anos as pessoas passaram a se perceber e enxergar o mundo ao redor através de conceitos e palavras do arcabouço psicológico (afeto, consciência, motivação, neurose…). Por essa razão, acredito que a psicologia esteja presente de forma significativa desde o passado recente, passando pelo presente e ensaiando um futuro ainda mais efetivo em termos de importância e abrangência social. Pesquisas mostram que a psicologia se tornou um dos três cursos mais procurados e concorridos na imensa maioria das universidades do país. Junte a isso o aumento significativo dos índices de sofrimento psíquico (não gostamos do termo doença mental) na população geral… Acho que a nossa profissão terá muito campo de trabalho, muita demanda é de altíssima relevância social. O que só aumenta a nossa responsabilidade enquanto profissionais.