Psicólogo Plácido Medrado aborda a construção social do que é “ser homem”
Durante o mês de novembro é muito comum se falar sobre a campanha “novembro azul”, onde visa a conscientização sobre a saúde masculina. Mas quando se fala em saúde do homem, sabe-se que ainda existe muita resistência sobre o assunto. E por isso, convidamos o psicólogo Plácido para debater sobre o homem moderno e o novembro azul.
Graduado em Psicologia pela Universidade Paulista, campus Brasília-DF. Plácido Lucio Rodrigues Medrado é especialista em Docência do Ensino Superior, servidor público municipal efetivo de Porto Nacional -TO, atuando na Assistência Social.
Membro da Comissão de Psicologia e Direitos Humanos do CRP 23° e membro do Coletivo de Luta Antimanicomial do Tocantins (COLAPA). Possui experiência em docência do ensino técnico e superior. Já facilitou minicurso sobre saúde mental da População LGBT. É defensor do SUS, SUAS e militante da Luta Antimanicomial. Membro e um dos Organizadores do Grupo de Estudos em Sexualidade e Gênero, 2020.
Afinidades de atuação e pesquisas: LGBTQIA+, Masculinidades, Gênero, Dependência Química e Psicologia Social
En(Cena) – Como você considera a representação do homem moderno? E quais aspectos influenciam sobre a sua masculinidade?
Plácido Medrado – Antes de falar sobre o homem moderno e masculinidades é importante falar sobre a construção social do que é “ser homem”. O ser homem pautado na ideia do patriarcado, da virilidade e da performance ainda é muito presente em nossa cultura cishetenormativa. O que nos leva a pensar não somente nessa concepção, mas em outras possibilidades de “ser homem”. O homem moderno caminha rumo ao autodescobrimento de sua masculinidade, não aquela ideia conservadora (patriarcal, machista, e heterossexual) mas, também, outras concepções. Por exemplo, homens gays, homens bissexuais, homens transexuais expressam sua masculinidade de outras formas. Vejo que os aspectos que influenciam a construção das masculinidades (sim! falamos no plural pelas diversas possibilidades de ser homem) são dentre outras, a história da sociedade e as concepções das religiões.
En(Cena) – O que te levou a direcionar seus estudos e atuações para a área de assistência social, sexualidade e gênero?
Plácido Medrado – Bom, primeiramente meu lugar de falar é de psicólogo, cisgênero, homossexual, pardo, defensor do SUS e SUAS. Minha atuação no SUAS (Sistema Único de Assistência Social) foi bem por acaso, surgiu a oportunidade, estava recém formado e fui de braços abertos a aprender. Gosto bastante da Assistência Social, pois me possibilita sair um pouco daquele modelo clínico da psicologia (sala fechada – 50 minutos) e me permite conhecer e intervir no sofrimento humano, através do conhecimento da comunidade em um contexto bem complexo, a vulnerabilidade social. Sobre sexualidade e gênero, no momento participo de um grupo de estudos sobre tal tema e sempre tive afinidade com tais temáticas. Vejo a sexualidade e as questões de gênero presente em diversos contextos (saúde, educação, assistência social, academia) mas por ainda ser um tabu, pouco é dialogado sobre isso.
En(Cena) – Plácido, em sua atuação profissional, quais são os maiores embates no desenvolvimento da psicologia de gênero? E o acesso ao conteúdo masculino?
Plácido Medrado – Bem, para falar sobre isso, acho importante dizer que desconheço uma Psicologia de Gênero, o que há é o gênero enquanto área de conhecimento e pesquisas, não somente na ciência psicológica, mas também em diversas áreas e profissões (serviço social, medicina, enfermagem, direito etc). É muito complexo falar de gênero, porque a nossa cultura binária (ou você é homem ou você é mulher) está tão enraizada na nossa sociedade que soa como uma barreira social. Ademais, nota-se ainda o fato de muitas pessoas por suas crenças individuais estarem fechadas para discussão de gênero. O acesso ao conteúdo do masculino, tenho visto fortemente através das redes sociais. Atualmente, devido a pandemia, há grupos de homens online (às vezes somente para homens) com objetivo de repensar nossas masculinidades. Ainda temos campanhas educativas como o “Novembro Azul”, pautando na ideia do autocuidado do homem e prevenção Câncer de Próstata.
En(Cena) – A partir dos seus estudos e experiências, qual relação do machismo sob a sexualidade masculina na atualidade? E quais dificuldade ainda se é enfrentado diante da campanha ‘Novembro azul’?
Plácido Medrado – O machismo na minha opinião é uma construção social, no qual o homem vive naquela cultura do patriarcado, de ser superior a mulher, de ser viril, de ser forte o tempo todo, de não falhar, de não chorar e sempre performar seus aspectos masculinos. Este machismo acaba construindo um homem que menos fala sobre seus sentimentos, menos procura ajuda médica e psicológica e reflete na violência contra mulher e na LGBTfobia. O machismo acaba que gera/gerou um padrão “correto e conservador” de ser homem, a saber: o homem cisgênero e heterossexual. Há diversas dificuldades que ainda estamos vivenciados quando o assunto é “Novembro Azul”, por exemplo o tabu quando o assunto é sexualidade, o estigma que homem não pode ser sensível, o exame de toque retal e ainda o autojulgamento do homem como pessoa invulnerável e que não requer cuidados. Há muito o que ser pesquisado e construído quando o assunto é o autocuidado do homem.
En(Cena) – A população de Palmas tem conhecimento dos recursos e assistência oferecidos em psicologia, saúde e assistência social no município? Campanhas como ‘novembro azul’ são eficazes?
Plácido Medrado – Bem, como hoje em dia estamos vivenciando um era tão tecnológica e digital, tenho visto fortemente a campanha do Novembro Azul nas redes sociais, através de postagens, textos reflexivos e lives. Acredito que a Campanha Novembro Azul é muito importante e válida, porém ainda falta alcançar muitos homens que não acessam os serviços de atenção básica por exemplo. Conforme, a Política Nacional de Atenção Integral à Saúde do Homem, o homem acessa mais os serviços de atenção especializada (urgência/emergência, CAPS Ad, por exemplo) do que a atenção básica, o que sugere pouca prevenção e apenas a busca no momento da doença. Tenho percebido que a Psicologia nos serviços de saúde é bem solicitada, o que denota prévio conhecimento da comunidade. Porém quando falamos em termos da política de Assistência Social ainda falta a comunidade entender o que faz o Psicólogo nos equipamentos do SUAS podem realizar, para além daquele modelo tradicional da Psicologia clínica.
En(Cena) – Quais meios e como você considera eficaz para que a população possa ter maiores informações a respeito de sexualidade masculina, machismo, novembro azul e outros?
Plácido Medrado – Penso inicialmente, seria a necessidade do diálogo sobre tais temas no contexto familiar, pois estamos vivenciando uma era digital, onde tudo é virtual e o contato presencial firma à margem do seio familiar. Vejo também a necessidade de falar sobre esses assuntos através de rodas de conversas, fóruns, palestras e conferências nos espaços escolares, acadêmicos e na própria comunidade como um todo. Falar dessas temáticas não é uma tarefa fácil, há polêmica, há resistência das pessoas e ainda há muitos tabus.
En(Cena): Quais medos o homem moderno pode enfrentar? Há espaço de fala e enfrentamento dessas questões?
Plácido Medrado – Partindo da ideia que medos são estados afetivos frente a situações que lhe gera perigo. Os medos do homem moderno são permeados pelo machismo que nos rodeia, é ser machista sem notar-se, é ser menos homem por aproximar-se de tudo aquilo que é feminino. É poder expressar sua masculinidade, sem ser visto como homem frágil, sensível e emotivo. É dar conta de tudo (mas será que consegue mesmo sozinho?) Medo de ser homem e sentir atração sexual/romântica por outro homem e sofrer preconceitos e represálias sociais. Medo de ficar só (porque a ideia de prover o sustento da família é muito presente), medo do tal exame de toque retal (ah porque a próstata é um órgão masculino que permite prazer e sentir prazer anal é coisa de homossexual) Enfim são vários medos, cada homem com o seu. Sobre os espaços de fala, há poucos espaços para isso, há necessidade de criação de grupos terapêuticos de homens para falar sobre as questões do “ser homem” nos ambientes de saúde, comunitários e escolar. Visando, principalmente, refletir e descontruir toda essa ideia do machismo que está impregnado na sociedade que caminha para ser mais contemporânea.
En(Cena) – Quais contribuições acadêmicas você considera relevantes para a formação de profissionais capacitados para colaborarem com a luta pela desconstrução do machismo e para o maior diálogo de questões de gênero e masculinidades ?
Plácido Medrado – Bom, acredito que há necessidade de falar sobre as questões de gênero na academia desde o começo, abordando a importância de conhecer as questões sociais envolvidas nessa temática de gênero e masculinidades. Acredito também que seja importante conhecer pesquisas sobre o assunto. Sendo uma boa indicação os estudos que a pesquisadora Valeska Zanello tem trazido para a contemporaneidade. A luta pela desconstrução do machismo é diária. E para trabalharmos nisso precisamos conhecer o assunto e pensar possibilidades de superação de machismo. Possibilidades que vão desde o diálogo no ambiente familiar até as universidades, não se restringindo ao contexto de saúde, mas para a comunidade como um todo.
En(Cena) – Quais barreiras históricas, culturais e políticas influenciam na identidade do homem da atualidade?
Plácido: São diversas e distintas. Vão desde a construção histórico e arcaica da sociedade até a ideia do momento da existência de grupos terapêuticos no Brasil para desconstrução/reconstrução de masculinidades.
En(Cena) – Quais dicas e orientações você considera importantes ressaltar para os acadêmicos de psicologia a fim de contribuírem nesta luta?
Plácido Medrado – Esse espaço para falar sobre masculinidades, machismo e equidade de gênero proposto pelo Encena é muito importante. Considero importante ainda aos estudantes de psicologia, estarem sempre atentos ao adoecimento psíquico do ser humano, observando sob a perspectiva de gênero e sexualidade, pois somos um todo e assim que devemos ser vistos. Ao ignorarmos as questões de gênero estamos caminhando para não entender a total realidade do sujeito. Como Psicólogo sugiro leitura da Política Nacional de Atenção à Saúde Integral do Homem (PNASIH), as excelentes pesquisas e o livro “Saúde Mental, gênero e dispositivos” da Valeska Zanello, além do documentário “O silêncio dos Homens”.
“Agradeço o convite para esta entrevista e também esse espaço de falar. Deixo a reflexão que enquanto pessoas e profissionais da Psicologia precisamos entender nossos julgamentos e atitudes que por vezes são tão machistas frente a algo que acabam potencializando, seja um sofrimento emocional individual ou até mesmo coletivo. Precisamos pensar juntos que a possibilidade de ser e existir enquanto homens, são múltiplas e cada um tem à sua própria masculinidade. Você homem, já descobriu a sua?”