Ao criar ambientes que são acolhedores, acessíveis e estimulantes, a arquitetura pode produzir bem-estar e melhorar a qualidade de vida das pessoas
Portal (En)Cena entrevistou a arquiteta e urbanista Camila Pimentel. Ela é graduada pela Universidade Federal do Tocantins, com formação complementar pela Universidade Técnica de Lisboa. Pós-graduada em Reabilitação Ambiental Sustentável Arquitetônica e Urbanística, pela Universidade de Brasília – UNB. Mestre em Arquitetura e Urbanismo pela Universidade de Brasília – UNB e Pós-graduada em Gestão e Docência no Ensino Superior pela Faculdade UniBF. Também atua como professora das disciplinas de Teoria e História da Arquitetura e do Urbanismo no Centro Universitário Luterano de Palmas – CEULP/ULBRA. Nesta entrevista, falamos um pouco sobre a influência da neuroarquitetura no planejamento dos ambientes e a importância do olhar especializado e de um trabalho conjunto com os profissionais da área de saúde para que os ambientes colaborem para a saúde mental, principalmente nos ambientes relacionados ao atendimento terapêutico.
(En)Cena: Como integrar os princípios da neurociência no design de espaços para otimizar o funcionamento cognitivo e emocional dos usuários?
Camila Pimentel: Os estudos acerca da neuroarquitetura apontam os aspectos positivos de um ambiente bem pensado e planejado. As cores, texturas, design dos móveis podem contribuir com o comportamento que desejamos que os usuários tenham. Por exemplo, em um ambiente escolar deseja-se a atenção dos alunos em sala de aula. Em um ambiente terapêutico deseja-se a sensação de confiança e segurança. Em um espaço religioso busca-se a introspecção. Em todos esses casos, as intenções podem ser demonstradas através de todas as escolhas projetuais, seja na forma dos ambientes, altura do pé direito, iluminação, cores, acabamentos e móveis.
(En)Cena: Como você considera a influência dos espaços físicos na saúde mental e emocional das pessoas ao projetar um edifício ou ambiente urbano?
Camila Pimentel: Os espaços, sejam eles construídos ou vazios, proporcionam diversas sensações aos seus usuários, pois os cinco sentidos são aguçados pelas cores, texturas, sons, fragrâncias e até mesmo sabores escolhidos. Por exemplo, em um jardim pode-se ter o projeto dos caminhos, dos mobiliários e a escolha das espécies de plantas mais adequadas, tanto decorativas quanto frutíferas. Todas essas escolhas podem convidar o usuário a se sentir pertencente ou a afastar-se deste espaço, a ter a sensação de segurança ou insegurança, a promover encontros ou distanciamento das pessoas. Dessa forma, o ambiente circundante tem uma grande influência sobre o comportamento humano e suas emoções.
(En)Cena: Quais são os aspectos fundamentais do design de um ambiente que podem afetar o cérebro e o sistema nervoso das pessoas?
Camila Pimentel: Essa análise pode ser feita considerando algumas situações específicas. Por exemplo, em um restaurante fastfood, as cores vibrantes em tons de vermelho e amarelo aguçam o apetite. Enquanto que as luzes brancas e fortes, unidas à um mobiliário frio e não convidativo, favorecem a alimentação rápida e a liberação do espaço para aos clientes seguintes. Em contraposição, os restaurantes mais caros, trazem uma atmosfera mais intimista através de mobiliário aconchegante, cores em tons mais fechados e iluminação quente e indireta, convidando o cliente a permanecer por mais tempo e gastar mais dinheiro consumindo em seu espaço. Outro exemplo é uma casa planejada para um reality show, onde a profusão de texturas, estampas, mescla de cores, ambientes enclausurados e sem iluminação e ventilação natural, causam confusão mental, aumentando o nível de estresse e irritabilidade. Dessa forma, podemos ver na prática como o design afeta o sistema nervoso.
(En)Cena: Quais são os desafios mais comuns enfrentados ao tentar traduzir as descobertas da neurociência em práticas arquitetônicas?
Camila Pimentel: O maior desafio é o interesse do cliente. Por ser leigo, muitas vezes o cliente deseja algo que sabemos que não é adequado para as atividades que ele vai exercer no ambiente solicitado. Cabe a nós a tarefa de instruir e revelar o que é o melhor e mais apropriado, enfatizando sempre qual o resultado final que ele deseja obter.
(En)Cena: Quais são os princípios de design que você considera essenciais para criar um ambiente acolhedor e seguro para os clientes em uma configuração terapêutica?
Camila Pimentel: Ao se propor um espaço como este, primeiramente devem ser analisados os aspectos arquitetônicos, como o tipo de portas e janelas, os quais devem ser feitos de materiais acústicos que impeçam a passagem do som para o ambiente lindeiro. Além disso, dentro do espaço deve ser pensado o uso de materiais que absorvam o som, como tapetes, estofados e cortinas, de forma a evitar a reverberação. No espaço terapêutico, a sensação de segurança primordial é a confidencialidade. O paciente precisa perceber que o que é dito ao terapeuta não será ouvido pelas pessoas que estão nos espaços adjacentes. Em segundo lugar, o acolhimento pode ser percebido através de um mobiliário confortável e aconchegante, fazendo com que ele se sinta abraçado e convidado a relatar suas dificuldades. Cadeiras muito rígidas ou de material frio, podem afastar e criar um desconforto ao usuário. Um ambiente terapêutico precisa ser organizado, sem muitas informações que tirem a atenção do paciente. O foco do ambiente deve ser a promoção do bem estar e da segurança, seja através de um layout ordenado, materiais naturais que tragam aconchego, presença de vegetação e uma iluminação indireta, com luz quente que traga mais serenidade ao espaço.
(En)Cena: Em ambientes terapêuticos recebemos pessoas com as mais diversas necessidades. Qual é o papel da acessibilidade e da inclusão social nos projetos arquitetônicos em termos de psicologia ambiental?
Camila Pimentel: Tornar os ambientes adaptados às atividades e, principalmente, a seus usuários é de fundamental importância para o bem-estar daqueles que habitam ou trabalham neste determinado espaço. O Desenho Universal é um exemplo disso, quando estimula a elaboração de ambientes, mobiliários e produtos que sejam adaptados às mais diversas necessidades e condições humanas. Informações e equipamentos intuitivos, de fácil alcance e manuseio promovem um espaço mais funcional e, consequentemente, mais usual seja para o idoso, a criança, a pessoa deficiente ou com mobilidade reduzida.
(En)Cena: Em sua opinião, como a colaboração entre psicólogos e arquitetos pode ser aprimorada para criar ambientes mais saudáveis e sustentáveis do ponto de vista psicológico?
Camila Pimentel: Através dos estudos de ambas as áreas de atuação, podemos aprimorar os trabalhos que envolvem o ambiente e seu impacto sobre o comportamento humano. As análises realizadas pelos psicólogos podem promover um aprofundamento do conhecimento dos arquitetos sobre as sensações e emoções evocadas pelos projetos realizados por nós e, assim, melhorar as proposições arquitetônicas considerando a necessidade de cada cliente.