A abordagem existencialista de Sartre na superação da alienação do sujeito

O Existencialismo de Sartre e os estudos focados no existencialismo trazem grandes contribuições para a humanidade com melhorias na qualidade de vida do homem. Partindo deste princípio mostraremos um breve contexto histórico de sua vida e uma centralização ao seu entendimento, O existencialismo é um humanismo, elucida de forma clara e sucinta a compreensão do tema proposto.

Gonzaga Godoi Trigo (2012), afirma que Sartre destrói o conceito criado no século XVIII sobre a natureza humana onde a essência do homem que precede sua existência; para este filósofo exemplar acontece o contrário: a existência precede a essência, para Sartre o homem sempre será o que tiver projetado ser. As pesquisas sobre a vida e obra deste filósofo nos apresentam os principais pensamentos do autor, dentre eles a liberdade, a responsabilidade, a angústia, a natureza humana, a verdade e a má-fé e sua opção pelo ateísmo.

A existência da subjetividade e sua importância para o desenvolvimento humano harmonicamente condiz com a interação da liberdade e autenticidade de nossos comportamentos. Diante disso e abordando a temática sobre a superação da alienação do indivíduo, as intervenções psicológicas atuam promovendo saúde e prevenindo doenças psicopatológicas seguidas da terapia existencialista sartreana. O que proporciona confiança aos pacientes, familiares, educadores e profissionais psicólogos. Num contexto geral, Trigo (2012, p. 74,88), considera o Existencialismo Sartreano uma temática significativa dimensionada muito além de textos acadêmicos, mas vastamente em literaturas, romances, filmes, contos ou peças. Suas influências direta ou indiretamente produziram obras fundamentadas nesta corrente filosófica.

Fonte: https://goo.gl/57hi8Q

O homem nada mais é do que aquilo que ele faz de si mesmo: é esse o primeiro princípio do existencialismo […] o homem será apenas o que ele projetou ser (SARTRE, 1970, p. 3). Em Existencialismo um enfoque cultural (Trigo,2012), nos é apresentada uma breve descrição deste filósofo contemporâneo Jean Paul Sartre (1905-1980), nascido na França, homem livre e polêmico identifica sua defesa na separação total do Existencialismo de conceitos idealistas, considerados para Sartre como nossas evasões, fugas ou abandono para um alívio à busca do perturbador processo do existir.

Ao longo de sua trajetória intelectual foram muitas as críticas que perseguiram o filósofo e por muito tempo, no entanto assim a sua defesa sobre O existencialismo é um humanismo (Sartre, 1945), na conferência realizada na cidade de Paris possibilita Sartre definir o humanismo como base estrutural e de abordagem predominante sobre o se Existencialismo contrapondo e reprimindo inúmeras críticas marxistas e cristãs sobre a trajetória desta sua conduta.

Dois principais grupos lideraram suas perseguições, os marxistas (comunistas) e os cristãos. Os marxistas presumiam o Existencialismo responsável a instigar as pessoas de permanecerem no imobilismo do desespero, o acusando de uma filosofia contemplativa voltada a um tipo de pensamento da burguesia evidenciando a vergonha humana. Os religiosos cristãos a acusação estava pautada em que o Existencialismo de Sartre, negava a realidade e seriedade aos entendimentos humanos e a sua falta de essência espiritual extinguia os mandamentos de Deus; se os seus valores contemplariam apenas a pura gratuidade, onde cada um poderia então fazer o que bem entender, isto impossibilitaria a partir de um ponto de vista pessoal a condenar os pontos de vistas de outros seres baseados nos princípios morais da igreja católica.

Contrapondo e ponderando estas acusações, Sartre (2014, p.33) evidencia que o existencialismo não poderia ser considerado uma filosofia do quietismo, o existencialismo sartreano define o homem pela ação. Esta reflexão apresenta um homem que se faz com uma ação “engajada” e primordial na construção da sua personalidade, tornando o indivíduo o próprio condutor da sua ação “isolada”, ao designar o que vai escolher para a formação do seu ser, do seu eu. Na concepção de Sartre o Existencialismo tratava-se de uma doutrina que tornava a vida humana possível fundamentada na verdade e ação existindo no entanto uma subjetividade humana em construção, o que de fato originava dois tipos de existencialismos: O Cristão e o Ateu. Considerava o Ateu um existencialismo mais coerente e ponderava sobre  a existência de um ponto de concordância entre os existencialismos, a essência. No entanto para o cristão a essência precede a existência e para o ateu a existência precede a essência sendo necessário partir de uma subjetividade.

Assim se manifesta um comparativo de Deus, sendo este o artífice do homem e o homem o construtor da sua essência, do seu querer, do seu eu perante as suas realizações. Para Sartre então seria impossível existir a essência antes da existência, se assim o fosse, ocorreria uma oposição total ao conceito da subjetividade. Sendo assim, o existencialismo ateu defendido por Sartre como o mais correto, declara que Deus não existe e que a natureza humana não existia também pois não teria um Deus para concebê-la, pelo fato de que a existência viria antes da construção do ser. O que existiria seria a ideia de destino, um plano para o que devo ser. Esta ideia pressupõe que sejamos determinados a ser algo definido em nosso destino, e para a filosofia existencialista isto não existe, nascemos o nada e o que viramos a ser depende de nossa existência.

Não há destino, não há Deus, não há uma natureza que me imponha como devo ser, como devo agir, não existe uma ética pronta previamente colocada a qual devemos simplesmente seguir. Primeiramente é necessário o ser existir para depois ser definido por algum conceito, de modo que o homem se descubra. Pois ao nascer nada, a nossa frente se coloca uma diversidade, uma multiplicidade de coisas, de valores e formas que podemos ser. Segundo Sartre, o primeiro esforço do existencialismo, é colocar o homem no domínio do que ele atribui a total responsabilidade de sua existência. Assim, afirma que o homem não é responsável por si, ele também é responsável por todos os homens.

Estes sentimentos e estas emoções até então envolvidas nesta literatura cogitam nossos pensamentos e trazem questionamentos para a nossa vivência, poderíamos indagar situações como: vivemos nossa vida? Vivemos a vida como escolha ou vivemos o que outros escolheram? Se vivo motivado por escolhas alheias então não pratico minha liberdade, não estou vivendo! Sou um covarde, pois “o homem nada mais é do que uma série de empreendimentos, que ele é a soma, a organização, o conjunto das relações que constituem esses empreendimentos” (SARTRE, 1970, p. 9).

Partindo do seu princípio, Sartre não acredita em uma receita para a vida, quando copia-se um modelo, o indivíduo não torna-se si mesmo, mas sim um ser influenciado e moldado por outras pessoas, renuncia sua liberdade e assume um papel pronto na sociedade, um comportamento definido pelo que se chama de má-fé. O que é possível nessa relação é usar de inspirações para criar-se a si mesmo. Em sua análise de ‘‘subjetivismo’’ Sartre encontra dois significados: A escolha do sujeito individual por si próprio; e ser impossível o homem impor limites a subjetividade humana. Entretanto ao focalizar o princípio de sua existência, onde todos querem existir ao mesmo tempo a responsabilidade é bem maior que poderia supor, porque ela abarca a humanidade inteira.

Ao analisar o principal sintoma deste posicionamento o existencialismo define um homem livre, liberto, condenado a liberdade. Um ser humano que é lançado ao mundo e desde então responsável por tudo que ele fizer a partir disso. Perante esta conduta se configura o sentimento de desespero. O desespero está envolvido na sua consciência, e quando o indivíduo se der conta que ele não é apenas o que ele escolheu ser, mas também condutor de seus valores, significados, suas metas e suas visões de mundo na qual escolhe a si e também a humanidade inteira, não consegue escapar da sua total responsabilidade, profundamente envolvida pelos sentimentos de angustias e desamparo, seria como se a humanidade inteira fossem os olhos fixos a cada homem com suas opções regradas.

O indivíduo é um sujeito questionador, e ao ter em mente sobre o que seria melhor para si, para o homem que nasce nada e vai se construindo ao longo da vida, encontra um ser atormentado pela responsabilidade e angústia. Ao defender a liberdade e a autenticidade de cada ser humano como essenciais que ao invés de consumir éticas pré definidas e defende seus próprios valores existe uma clareza que se permite ao indivíduo usar inspirações para criar-se a si mesmo.  Evidentemente podemos concordar, gostar nos apropriar de um valor já existente, “mas” isto cabe a nós.

O desespero, desamparo, o medo faz com que todos sofram essa angustia. E ao tentar disfarçar, livrar-se desta angústia o homem age de má fé, isto é, se identifica com uma forma pronta de comportamento e copia esta forma. Nesta situação surge um sujeito que se desculpa ou mente, isto demonstra que ele não está em paz com sua consciência, pois não está sendo o agente da construção de sua vida. Má fé implica um valor universal na qual se atribui a mentira porque mesmo disfarçando, a angustia aparece. Má fé é a renúncia a própria liberdade assumindo um papel pronto na sociedade ou atribuindo suas escolhas a fatores externos, é voluntariamente renunciar a sua liberdade de auto construção e assumir um papel pronto na sociedade e em outra situação muitas vezes você abandona seu eu e ainda culpa os valores externos.

No existencialismo sartreano esta angústia é confrontada com a verdade.

“Não é possível existir outra verdade, como ponto de partida, do que essa: penso logo existo, é a verdade absoluta da consciência que aprende a si mesma. Toda teoria que assume o homem fora desse momento em que ele apreende a si mesmo, é antes de qualquer coisa, uma teoria que suprime a verdade, pois fora deste cogito cartesiano todos os objetos são apenas prováveis, e uma doutrina de probabilidades, que não é elevada a uma verdade afunda no nada, para definir o provável é preciso possuir o verdadeiro. Portanto, para que exista uma verdade qualquer, é preciso uma verdade absoluta; e esta é simples e fácil de atingir, ela está ao alcance de todo mundo; e consiste em aprender-se sem intermediários.” (SARTRE, 2014, p. 33,34)

Tendo assim a verdade como uma das bases, representando o substrato motivador da teoria existencialista, pelo fato de não se aglutinar “a um conjunto de belas teorias” que apresentassem esperanças mas sem um fundamento real. Evidencia a esta  verdade dita como absoluta porque parte do princípio que a consciência aprende a si mesma e fora do cogito cartesiano, todos os objetos serão apenas prováveis.

Na discussão da conferência de Paris, diante a uma pergunta relacionada ao seu trabalho publicado no Action sobre o desespero e desamparo encontra-se uma ressonância muito mais forte em um texto existencialista, onde esta filosofia se fundamenta quando vivenciada para ser verdadeira e sincera. Para Sartre, sua “filosofia desce as praças públicas”, esta metáfora por ele dita é direcionada ao comportamento do próprio Marx que vulgariza seu pensamento. Nesta mesma discussão ao final da conferência de Paris, levanta a questão onde o fato do indivíduo humano viver no mundo, depende de certas verdades adquiridas, e acrescenta questionando de onde vem a certeza da verdade absoluta, na ocasião considerada por ele, inexistente. Outro ponto reforçado é sobre a natureza humana, que dentro da existência de um indivíduo, cada época se desenvolve seguindo leis da dialética, mas depende da época e não da natureza humana.

Levando em consideração a relevância sobre a abordagem existencialista de Sartre, linhas teóricas no campo da psicologia clínica investigam sobre alguns fenômenos psicológicos encontrados no existencialismo, ao colocar o objetivo de ser da pessoa em suas próprias mãos, esta postura torna o sujeito responsável de sua própria vida e sua história. (RIBEIRO, SHNEIDER,2006.)

“A tarefa da ciência psicológica deve ser, portanto, investigar as condições de possibilidades de certos fenômenos de ordem psicológica ocorrerem, considerando-os em suas essências específicas, suas variáveis constitutivas, seus significados (Sartre, 1939). Sendo assim, a psicologia clínica, cujo objeto é a personalidade e a psicopatologia do paciente, para ser científica, em sua teoria, em seu método e em seus procedimentos, deve investigar quais as condições de possibilidade para um sujeito chegar a ser quem ele é, ou seja, como chegou a constituir-se determinada personalidade, sustentada em um projeto de ser específico, esclarecendo como foi que se complicou psicologicamente. Deverá, assim, poder especificar, em sua história, os contextos antropológicos (cultural, material) e sociológicos (rede de relações e de mediações de ser) que forneceram as condições de sua personalização e psicopatologização’’ (RIBEIRO, SHNEIDER,2006, p.8)

A postura da psicologia clínica diante desta investigação, traz uma constatação interessante de Pretto e Langaro (2012, pag. 1029) ao utilizar este recurso na construção da subjetividade em uma criança. Trata-se de um estudo de caso sobre a história de Pedro, 7 anos de idade, que é levado a uma clínica psicológica pela sua mãe justificando ele ser um menino agressivo, volúvel e de humor instável. Mãe e filho participam atentamente das sessões e tem papel fundamental na intervenção existencialista o qual ofereceu bases para os reflexos sobre a criança e a mãe e o desdobramento para a constituição dos sujeitos.

Fonte: https://goo.gl/AFudo7

No processo de desenvolvimento do artigo analisado, Pretto e Langaro (2012) em base ao depoimento da mãe descrevem que ela sentia angústias em determinadas situações quando encontrava dificuldades em dizer não aos seus filhos por medo de frustra-los e ao mesmo tempo tentava controlar suas ações e as reações, como uma forma de induzi-los a agirem de forma dentro das suas escolhas e com isto futuramente não sofreria tanta angústia.

“Relacionados a responsabilidade que os indivíduos têm com relação aos seus projetos e também com os projetos de ser dos demais. Ambos puderam, então, compreender que escolher para si implica escolher também para o outro, e, além disso, para o contexto social mais amplo, tendo em vista que os sujeitos são sempre seres em relação e que constituem sua personalidade a partir da subjetivação da exterioridade criada também a partir da objetivação que fazem de sua subjetividade, em um processo dialético de construção individual e social.”  (PRETTO, LANGARO, 2012, p.1036)

Verificado que quando a criança refletiu criticamente sobre si mesma, fez mais do que assumir o que lhe foi imposto, superando-se para se situar em um determinado horizonte. Nesta situação é perceptível o efeito do Existencialismo. Pretto e Langaro (2012), estabelecem a superação da alienação daquela criança à partir das histórias e das relações estabelecidas com a exterioridade, e não apenas ver ali um indivíduo que buscaria na psicoterapia a resposta para suprir suas dificuldades, suas lamentações. Esta observação permitiu aderir a diversidade dos fenômenos ao qual foram trabalhados na terapia considerando que o homem será um eterno vir a ser numa projeção para o futuro.

Consideração Finais

O existencialismo de Sartre e as reflexões filosóficas de sua obra, O Existencialismo é um humanismo, apresenta um sincronismo com nosso desenvolvimento, ao afirmar que o ser humano não é nada no seu início, mas se torna algo com sua vivência e com o que escolhe para si mesmo. O homem tem total retenção da responsabilidade de sua existência, mas não apenas para o ser, único, e sim pela humanidade, ou seja, por todos os homens. Para o homem não existe natureza determinada e sim uma construção do ser, não existe algo pré-estabelecido e o fato de sermos humanos nos concebe sentir e vivenciar emoções dentro de uma responsabilidade consciente que diretamente esta imunizada, assegurada pela verdade.

As discussões e críticas sobre a conduta sartreana projetam as mais variadas perspectivas do desenvolvimento humano e define a existência da sua subjetividade. As intervenções psicológicas embasadas no existencialismo de Sartre, atingiram a superação do sujeito resgatando o mesmo da sua alienação com aspectos de grande relevância sobre a formação, desenvolvimento, definição e entendimento da personalidade humana.

REFERÊNCIAS

GONZAGA GODOI TRIGO, Luiz.  Existencialismo: um enfoque cultural: O existencialismo sartreano. In: GODOI TRIGO, Luiz Gonzaga. Existencialismo: um enfoque cultural. Curitiba: Inter Saberes, 2012.cap. 2, p. 52-91.

PRETTO, Zuleica; LANGARO, Fabíola. Pais e Filhos em Psicoterapia: O atendimento clínico com uma criança. Disponível em: <http://www.redalyc.org/articulo.oa?id=282025530019>. Acesso em: 25 fev. 2017.

RIBEIRO SCHNEIDER, Daniela. Novas perspectivas para a psicologia clínica a partir das contribuições de J. P. Sartre. Disponível em: <http://revistas.ufpr.br/psicologia/article/view/5764>. Acesso em: 27 fev. 2017.

SARTRE, Jean Paul. O Existencialismo é um humanismo. 4ª.ed. Petrópolis: Vozes, 2014. 62 p.