A música como meio de acolhimento, identificação e encorajamento

A música é uma forma poderosa de arte que vai além do entretenimento. Ela tem a capacidade de tocar profundamente o ser humano, influenciar o humor, promover o bem-estar psicológico e fortalecer os laços sociais (Marques, 2017). É uma expressão humana profunda, por meio dela, criam-se belas melodias, arranjos, combinações de sons, detalhes… uma construção que culmina num lindo produto. Mas, além de lindas melodias e belos arranjos, particularmente, o que mais me toca, é o cuidado e a intencionalidade presente nas letras, gosto de pensar que é a alma da música.

Nesse texto quero evidenciar letras de músicas, trilhando um caminho entre elas. Ambas são interpretadas pela mesma artista, que iniciou sua carreira muito jovem e até hoje possui esse viés social de música destinada ao público infanto-juvenil e adolescente. Porém, ao ouvir as canções de seus trabalhos solo, pude apreciar melodias e letras que trazem questões muito presentes no emocional do ser humano, desde conflitos à resiliência. 

Letras como as que serão expostas, tem o poder de alcançar o íntimo, tocam em conflitos humanos que muitas vezes não podem ser ditos, assim, as canções dão a possibilidade de se instrumentalizar e contribuir para a elaboração de cada questão pessoal. Este recurso é utilizado em campos como da Musicoterapia, mais intencionalmente, com músicas que remetem a história de vida do paciente, ajudando também no aspecto de identificação e verbalização dos problemas (Brignol, 2009).

Nesse quarto escuro

Existe um menino assustado

Ele é sozinho

E teme que o mundo encontre o seu cantinho

Me entrega ele pra cuidar

Eu sei guardar segredo

Eu sei amar

Não conto pra ninguém

Que esse menino é alguém

De barba e gravata e que esse quarto escuro é sua alma

(Lima, 2010)

Em primeira instância, temos a música Esconderijo, inicialmente nos deparamos com a terminologia “menino”, que está num quarto escuro, sozinho, temeroso, depois surge alguém que traz a figura do acolhimento que assegura o amor, o cuidado, a discrição. Porém vemos ao final da canção, que esse menino, é alguém “de barba e gravata”, um adulto, que esconde na sua alma, todo esse medo, esse sentimento de solidão. Ao refletir num âmbito coletivo, muitos adultos escondem seus anseios, seus temores, e muitas vezes, precisam de alguém como a figura da música, alguém que acolha e exerça o ouvir e o legitimar.

Desacelera

Deita essa cabeça no meu peito

Que a gente encara até o que não tem jeito

Olha como eu faço

Um passo de cada vez

Desapega

Deixa aquela sombra no passado

Agora e sempre eu fico do teu lado

Respira, confia

Um dia de cada vez

Vem amor

Do mundo a gente não vai levar nada

Entre o amor e a alegria

Escolho um de cada

Amor, alegria, um passo, uma coisa, um dia

De cada vez

Recomeça

Tenta ser mais brisa do que vento

Encara o dia nesse movimento

Seja mais dança, mais alma

Mais vida, mais poesia

Vem amor

Do mundo a gente não vai levar nada 

Entre o amor e a alegria

Escolho um de cada

Amor, alegria, um passo, uma coisa, um dia

O tempo cura, fica a cicatriz

Lembrar de uma tristeza

Te faz saber o quanto é lindo ser feliz

Vem amor

Do mundo a gente não vai levar nada

Entre o amor e a alegria

Escolho um de cada

Amor, alegria, um passo, uma coisa, um dia

De cada vez

(Tedeschi, 2022)

 

De cada vez é uma das canções mais lindas que já ouvi, seguindo o teor da primeira canção, vemos novamente a figura do acolhimento chamando à lidar com os medos e temores desacelerado, contando com o apoio, desapegando, respirando, confiando, lembrando que além dos pesares, podemos contar com coisas boas da vida, como o amor e a alegria. Vemos analogias como “Ser mais brisa do que vento”, novamente remetendo à diminuição do ritmo, e na atenção plena a cada instante. Em “Lembrar de uma tristeza te faz saber o quanto é lindo ser feliz” lembramos que podemos olhar para o passado e para cada pesar, e a partir disso, notar e valorizar cada momento de felicidade. E assim, viver um dia de cada vez. 

Hoje eu acordei sem pressa

Deixei a janela aberta

Vi a vida tão repleta de amanhecer

Hoje eu pude ver de perto

Que um coração aberto

Torna tudo mais fácil de acontecer

Eu abro as asas e preparo a alma pra respirar, pra respirar

Eu abro as asas e preparo a alma pra respirar, pra respirar

Hoje eu me joguei das nuvens

Tirei o pó e a ferrugem

Vi que o sol brilha mais claro se a gente ‘tá bem

Voos podem ser mais altos

Frases podem ser mais belas

Hoje eu vou gritar mais forte a sorte que a gente tem

De ser feliz sem ser refém

Eu abro as asas e preparo a alma pra respirar, pra respirar

Eu abro as asas e preparo a alma pra respirar, pra respirar

(Lima, Lima e Lopes, 2017)

Respirar é uma canção com um teor de esperança, a partir do entendimento de que pode se viver a vida um dia de cada vez, o posicionamento agora é outro, durante toda a letra vemos uma permissão pessoal de sentir, de aproveitar cada acontecimento, fator evidenciado em “Hoje eu pude ver de perto que um coração aberto torna tudo mais fácil de acontecer”, “Vi que o sol brilha mais forte se a gente tá bem” e também no refrão “Eu abro as asas e preparo a alma, para respirar”. 

Eu senti

O vento arrastar o medo pra longe de mim

Eu senti

O tempo se abrir e o sol tocar a pele

E eu vi que eu podia mais do que eu sabia

Eu vi a vida se abrir pra mim

Quando eu disse sim

Eu disse sim pro mundo

Eu disse sim pro sonhos

E pra tudo que eu não previa

Sim pro inexplicável

Eu disse sim, eu caso

Eu disse sim pra tudo que eu podia

E eu podia mais do que eu sabia

Eu vivi fugindo de arrependimentos

Sem me redimir

Me perdi, navegando em erros

Sem buscar o leme

E eu vi que eu podia mais

Do que eu sabia

Eu vi a vida se abrir pra mim

Quando eu disse sim

Eu disse sim pro mundo

Eu disse sim pro sonhos

E pra tudo que eu não previa

Sim pro inexplicável

Eu disse sim, eu caso

Eu disse sim pra tudo que eu podia

E eu podia mais do que eu sabia

(Lima Jr, Lima e Lima, 2013).

Quero findar esse caminho de intersecção com essa linda letra que pertence a canção com o nome: Sim. Nessa música, vemos o resultado da abertura pessoal às experiências e desafios da vida, a partir de um Sim. Temos afirmações como “eu disse sim pros sonhos, sim pro inexplicável, eu vi que eu podia mais do que eu sabia, eu vi a vida se abrir pra mim”, evidenciando como se permitir vivenciar é importante para até mesmo descobrir que se pode ir além do que sabia. Aquele menino assustado pode encontrar acalento, pode expressar seus medos, pode viver um dia de cada vez, pode abrir as asas e preparar a alma para respirar , e ver a vida se abrir, a partir de um Sim.  

Como vimos durante a análise e ligações dessas letras, a música é uma ferramenta fantástica e democrática de expressão e identificação. Quando as emoções não são facilmente faladas, a música oferece uma forma simbólica de expressão, e assim muitos podem ouvir e se reconhecer (Brignol, 2019), além de encontrar também possibilidades de esperança frente a intensidade e complexidade que é viver.

Referências: 

Brignol, R. Análise de canções num processo terapêutico grupal e interdisciplinar. URCAMP, 2009.

Lima, S. intérprete: Sandy Leah De Lima, Esconderijo, São Paulo, Universal Records, 2010.

Lima, S;  Lima, L; Lima Jr, D. intérprete: Sandy Leah De Lima, Sim, São Paulo, Universal Records, 2013.

Lima, S;  Lima, L; Lopes, D. intérprete: Sandy Leah De Lima, Respirar, São Paulo, Universal Records, 2017.

Marques, P. A influência da música na saúde mental e bem-estar: um estudo exploratório, Universidade Fernando Pessoa , 2017.

Tedeschi, E. intérpretes: Sandy Leah De Lima; Agnes Nunes, De Cada Vez, São Paulo, Universal Records, 2022.