A obsolescencia dos vínculos afetivos na perspectiva de Zygmunt Bauman

A pós-modernidade é marcada pela propagação da individualidade hedonista e do consumismo desenfreado.

Zygmunt Bauman (1927-2017), sociólogo, pensador, professor e escritor polonês, de grande importância para a sociedade contemporânea, sendo uma das vozes mais críticas da atualidade (morto recentemente), foi também responsável por criar a expressão “Modernidade Líquida” para classificar a fluidez do mundo em que os indivíduos não têm aqueles padrões de referências que antes norteavam e davam propósito para as gerações passadas.

A pós-modernidade é marcada pela propagação da individualidade hedonista e do consumismo desenfreado; a pessoa passa a dar ênfase a coisas mais supérfluas, que venha dar uma significado a sua existência mesmo que isso seja momentâneo. Guy Debord (2003) traz o termo “Sociedade do Espetáculo”, para personificar essa sociedade que tem os seu sentidos atrofiados, com supervalorização da visão, pois é através deste sentido que a mídia exerce um maior controle sobre o desejos das pessoas. Sendo assim, essa sociedade  molda seus comportamentos sobre a perspectiva do consumo, dentro daquilo que os meios midiáticos transmitem como ideal e importante. Neste âmbito, o que é mais importante é a busca pelo prazer, assim como a sociedade líquida de Zygmunt Bauman, isso é algo que o modelo econômico capitalista tem tido êxito em  inserir em seus discursos, que a busca pelo prazer é o único propósito da vida humana, isso tem levado a massa a consumir o que é oferecido sem as devidas críticas, mas ao mesmo tempo levam a crer que são críticos pelo simples fato de  serem consumidores de produtos e informações.

Esse discurso adquirido que vivemos para gozar o prazer que a nós é legado acaba por reverberar nos relacionamentos afetivos, criando barreiras de  incertezas, pois o contato com o próximo tornou-se frágil e sem relevância; vínculos afetivos duradouros  tornam-se cada vez mais difíceis de se manter, relacionar-se com o outro de forma mais autêntica e profunda não é tido com relevante para o contexto social da pós-modernidade. Daí parte indagações dos motivos que levaram estas mudanças de paradigmas humanos, ao mesmo tempo que somos seres sociáveis, damos as costas para a criação de vínculos afetivos duradouros, tudo isso para não entrar em conflito com a busca da liberdade e segurança, que não é mais caracterizada pela permanência das coisas. Amizades e relacionamentos amorosos nunca foram tão fáceis de se desfazer. Bauman traz um exemplo simples comparando as relações como uma revisão em um automóvel, que constantemente precisa ser revista (BAUMAN, 2004).

Fonte: encurtador.com.br/psY89

A modernidade que se tornou liquefeita agora é um agente que dificulta a manutenção de vínculos de maior durabilidade e de laços de qualidade, que venha dar às pessoas  vivências humanas providas de  maior responsabilidade e comprometimento para com o Outro; no capítulo dois da obra Modernidade Líquida de Bauman, temos a  afirmação “neste mundo aquilo que tenha um propósito ou um uso não tem espaço” (BAUMAN, 2001). A sociedade capitalista implantou no cerne do ser humano o desejo de ter mais do que aquilo que possa lidar criativamente e com qualidade, um exemplo disso é a era da informação em que vivemos, graças ao advento da mídia televisiva e da internet, possibilitou ainda mais  para o desenvolvimento da espécie humana, mas isso acabou por gerar pessoas temerosas em ter que perder a sua liberdade em prol de um relacionamento mais sólido.

A configuração de relacionamentos afetivos na pós-modernidade é de curto prazo pautado na individualidade podendo ser chamados de “relacionamentos virtuais” pois parecem ser feitos sob medida para este cenário líquido, relacionamento que antes era indesejáveis e impossíveis de se romper, na “rede” o ato de conectar e de excluir torna-se possível em uma capacidade silenciosa, estas conexões indesejáveis são rompidas sem que se torne detestáveis (BAUMAN, 2004).

A rede de internet, com seu muitos aplicativos de conversas e relacionamentos, contribui para que as pessoas se relacionem de forma que venha ter o mínimo de contato possível, os relacionamentos não podem colocar em risco a “identidade” e a “individualização”, por isso quando há uma relação que exige comprometimento ou é discordante dos ideais da pessoa opta-se por desfazer esses laços na mesma velocidade que se levou para criar, assim será para desfazer. “Você sempre pode apertar a tecla para deletar. Deixar de responder um e-mail é a coisa mais fácil do mundo”  (BAUMAN, 2004, p. 61).  A pós-modernidade é marcada por dispor a nós uma infinidade de informação e escolhas, seja comprar ou se relacionar, temos infinitas opções, isso gera a sensação de liberdade  que nos  é dada a todo momento, gerando infelicidade e angústia, não pela falta de escolhas, mas sim pelo excesso delas (BAUMAN, 2001).

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As relações afetivas duradouras passam a ser um objeto de pouca importância na sociedade pós-moderna pelo mesmo fato de que por haver muitas opções não há a necessidade de ser manter em um relacionamento por um longo prazo, isto demanda compromisso algo que é expurgado do mundo líquido (BAUMAN, 2001), pois compromisso remete a padronização ao sólido termo que foi derretido para dar lugar ao líquido. A obra Amor Líquido Bauman traz uma distinção entre amor e desejo para ele amor e desejo pode ser  irmãos e que podem ainda ser gêmeos, mas nunca idênticos, univitelinos (BAUMAN, 2004). O desejo tem sido o “combustível” que move as pessoas em suas vidas por algo novo e que lhe proporciona muito prazer. Esse desejo, por vezes, permeia o vazio existencial dos indivíduos e em muito casos é visto dentro dos relacionamentos como  amor genuíno.  Contudo, há  diferença entre eles: o desejo é egocêntrico, motivado para a saciedade de uma falta, já no amor a falta existe, mas não tem o objetivo central de ser saciada de forma intensa.

Segundo Colombo (2012) a vida moderna nos mostra que tudo é efêmero e em vão e que estamos inseridos em uma cultura regida pelo vazio que impulsiona as ações humanas  na busca irrefreada do prazer e do poder. A sociedade consumista produz cada vez mais pessoas individualistas e narcisistas, apresentando o “ter” como algo de maior importância na nossa cultura ao mesmo tempo que desvaloriza totalmente o “ser” sendo em muitas das vezes algo que não deve ser levado em consideração, isso se mostra nos relacionamento humanos de hoje.

Esta característica torna-se difícil para que o homem pós-moderno crie relacionamentos duradouros e vínculos afetivos resistente, passa assim a almejar o poder e a liberdade que a consumo pode lhe proporcionar, através do modelo econômico  capitalista, que redirecionou o foco de visão humano não sendo importante a durabilidade e qualidade, mas sim a facilidade de se adquirir e descartar. Nesta perspectiva as relações não são feitas para durar pois acabam por seguir o mesmo princípio do consumo dentro do  capitalismo, (BAUMAN, 2004)  compromisso a longo prazo se tornou um enfado para manter o convívio com o outro, a sociedade mantém longe o compromissos e também nos impede de exigi-los,  Bauman (2004) nos traz o termo “relacionamentos de bolso” que seria usado em momentos casuais e sem nenhum problema tornaria a guardá-lo.

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Este momento em que vivemos é a era da liquefação dos padrões de dependência e interação (BAUMAN, 2001) ou seja não temos mais o dever de nos mantermos reféns de padrões tão rígidos e delimitados como vivia as gerações passadas. O homem contemporâneo vivendo o deslumbre da liberdade que esta modernidade líquida oferece, passou se séculos de privações, sendo elas impostas pela sociedade ou pela religião (que tinha aspectos rígidos e sólidos  e que reprimia este homem), passando a não ser mais reprimido podendo assim desfrutar de sua “liberdade”, essa liberdade chega também para os relacionamentos deste sujeito, não sendo necessário manter laços fortes com mais ninguém, pois isso implica na limitação ou  perda deste bem conquistado.

“A Vida Líquida é uma vida de consumo” (BAUMAN, 2009, p. 16), esta vida a qual Bauman se refere apresenta uma característica bastante importante. O objetos passam a ter uma expectativa de vida útil limitada por isto não há uma preocupação em manter algo por muito tempo, pois pode ser trocado com total facilidade. Isto refletiu nos relacionamentos afetivos dos seres humanos, uma dinâmica voltada ao consumo não poderia priorizar o cuidado, a paciência, a tolerância, pois são virtudes que demandam tempo e o tempo para a Modernidade Líquida passa a ser visto de forma diferente algo que deve ser usufruído para manter a individualidade.

Os relacionamentos afetivos e amorosos, neste contexto descrito por Bauman (2004), transformam-se em bênçãos ambíguas que oscila entre o sonho e o pesadelo (amor), algo que pode ser o sonho por ser uma mercadoria de grande valor e que antes na sociedade sólida a característica de durabilidade era visto como parâmetro primal dentro dos convívio humanos. Esse sentido de durabilidade não nos atrai, mas sim o sentimento de pertencer a algo ou alguém; ao mesmo tempo, esse tipo de relacionamento é um pesadelo pois exige de quem o busca que coloque a sua liberdade e comprometimento com o Outro, tendo que se dedicar a manutenção constante desse relacionamento.

Referências

BAUMAN, Zygmunt. Amor Líquido: Sobre a fragilidade dos laços humanos. Rio de Janeiro: Zahar, 2004. 133 p.

BAUMAN, Zygmunt. Modernidade Líquida. Rio de Janeiro: Zahar, 2001. 258 p.

BAUMAN, Zygmunt. Vida Líquida. Rio de Janeiro: Zahar, 2009. 210 p.

COLOMBO, Maristela. Modernidade: a construção do sujeito contemporâneo e a sociedade de consumo. Rev. bras. psicodrama,  São Paulo ,  v. 20, n. 1, p. 25-39, jun.  2012 .   Disponível em                                          <http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0104-53932012000100004&lng=pt&nrm=iso>. acessos em                                                     11  nov.  2019.

DEBORD, Guy. A Sociedade do Espetáculo. Ed. Tradução de prefácios e versão par ebook. 2003 Disponível em:  https://www.marxists.org/portugues/debord/1967/11/sociedade.pdf . Acessos em    11  nov.  2019.