Diagnósticos psiquiátricos estão cada vez mais banalizados e empobrecedores. Mais do que termos usados para definir doenças, são a força de uma cultura massificadora e globalizada empurrada goela abaixo de quem busca identidade e sentido para sua dor. Basta de análise e enfrentamentos, pois ao receber o rótulo de um transtorno, categorizado dentro dos modernos pré-supostos neurobiológicos, a pessoa passa a não ter mais qualquer responsabilidade sobre o que sente ou faz. Fica aliviada, ergue o troféu do nome que melhor explica seu comportamento, além, claro, de exibir inúmeros medicamentos que prometem maravilhas. É a ciência médica que se declara gerente geral de todos os infortúnios e verdades da alma, é o capitalismo voraz que transforma afetos, pensamentos críticos e a subjetividade em neurotransmissores desequilibrados, excluindo o simbólico como estruturante do SER.
Tudo é químico e neurológico: depressão, transtorno bipolar, déficit de atenção, pânico, entre outros. E como não seriam? A capacidade de amar, de odiar, o ciúme, a tristeza; poder admirar uma música ou o por do sol; urinar, defecar, fazer amor, também são pura química e biologia, pois é disso que somos feitos, ora! A questão não é essa. Nós nos tornamos humanos não pela biologia, mas pela capacidade de simbolizar e criar através do pensamento, da linguagem, dos afetos, da ética… Repreendemos instintos primitivos de diversas formas para nos inserirmos na cultura, do contrário, ela seria inviável. Com isso, produzimos guerras, arte, ciência, religião e também sintomas… Damos bom dia até a quem detestamos e somos capazes de cumprimentarmos a pessoa com um largo sorriso estampado no rosto; desejamos tanto a mulher do outro que criamos mandamentos e leis para não nos apoderarmos à força dessa mulher; tomamos, por fim, nossos pais como seres sagrados e livres de qualquer desejo incestuoso ou de ódio…
A criatura humana se faz para muito além da biologia, embora dependa dela para manifestar-se. É constrangedor, entretanto, ver progressivamente mais gente buscando diagnósticos com a intenção de reencontrar uma identidade perdida. Pessoas se apresentando através dos sintomas que têm: “Bom dia, eu sou bipolar…”. Não é mais o José ou a Maria. Aquilo que tem, no lugar do próprio nome, logo, ele é o que disseram que ele tem (o indivíduo passa a ser o transtorno). Uma imensa pasteurização da humanidade que perde a capacidade de se reconhecer humana. São pseudo-verdades enlatadas e vendidas nos inúmeros sites onde os objetos comprados não são mais símbolos de algum desejo, mas o desejo em si. Exemplo disso é a histeria absurda quando a Apple lança um novo ipad. Uma euforia não pelo uso e utilidade do aparelho, mas por um endeusamento do próprio aparelho: se reto, curvo, arredondado, dessa ou daquela cor. Ao ver um filme nele, o filme mesmo é o que menos importa, o que vale é o novo design, os botões, a definição da imagem, os efeitos e os recursos poderosos. A maquininha sagrada passa a ser tudo na vida por algum tempo, porém, como é descartável, espera-se avidamente que um novo modelo saia em breve para aquietar a angústia que sempre ronda incansável.
Vivemos em um mundo onde governos e pessoas se rendem a grandes corporações e estas ditam normas, padrões, formando mentes empobrecidas que se imaginam, não obstante, livres. Na realidade, mentes aprisionadas naquilo que estas corporações desejam, isto é, domesticar para o consumo e banir os questionamentos. A moda das comunidades virtuais é um exemplo da força do markenting em torno dos nomes. Milhares de pessoas se agregam e se reconhecem nessas comunidades pelos diagnósticos recebidos: desatentos, anoréxicos (alimentares e sexuais), bipolares, panicados… Ali se relacionam, não por afinidades ligadas à subjetividade ou preferências, mas pelos sintomas que têm. Sinceramente, é triste, mas um fato. Esse é o nosso arranjo existencial que, pelo andar da carruagem, parece não ter mais volta…
Bem, para quem ainda tem o privilégio de ter seu próprio nome, evoé! Guarde-o, defenda-o como um guerreiro da condição humana mais bela… Todavia, se a dor for insuportável demais, paciência, o jeito é entregar-se à ditadura sedutora da imbecilização globalizada. Seguramente você terá mais lugar neste mundo e se sentirá bem mais adaptado a ele; claro, desde que não se incomode em transformar sua alma num plástico colorido, carimbado com código de barras e data de validade a expirar sempre que um novo modelo de alma chegar agitando o mercado.