Amor e fantasia: o que gostamos no outro?

O escritor francês Stendhal (1783-1842) disse que, quando se está apaixonado, o que você ama não é a outra pessoa, mas o estado eufórico de estar apaixonado (STENDHAL, 1822). Quando se observa por esse ângulo, no início do relacionamento o que amamos não é a pessoa em si, mas as sensações que são geradas por esse sentimento, o aumento da frequência cardíaca, da energia, calor, bochechas vermelhas, pupilas dilatadas, a excitação, e o prazer que são desencadeadas por meio da liberação de neurotransmissores como a adrenalina e dopamina. 

O ser humano tem a necessidade de afeto, de ficar próximo, de amar e ser amado. A afetividade influencia nossos pensamentos, e nosso comportamento e formas de nos relacionarmos com o outro. A dimensão afetiva é feita de  sentimentos, emoções, relacionado a si mesmo, e ao mundo externo. Ela é essencial para a nossa humanidade, pois sem ela não passaríamos de autômatos (CARDELLA, 2009).

O ser humano é fundamentalmente social, se comunicar, interagir e estabelecer conexões parece de nossa natureza, por outro lado, a solidão pode ser uma fonte significativa de sofrimento, então o afeto demonstra ser  essencial na constituição humana, proporcionando acolhimento e sentimentos positivos, o afeto é fundamental na promoção do bem-estar. E frequentemente é durante essas interações humanas que se percebe que, diversas vezes, se manifesta a dificuldade de gerenciar os sentimentos e principalmente quais as expectativas sobre a outra pessoa.  

No drama Sul Coreano “Clean With Passion for Now” de 2018, a protagonista depois de uma série de eventos, percebe que passou anos de sua vida apaixonada por seu veterano da faculdade, não por ele ser uma pessoa legal, que se encaixava nas suas expectativas amorosas, mas sim pelas sensações que o sentimento desencadeou nela, e quando ela finalmente conhece melhor seu “crush”, ele não é exatamente um cara agradável, assim ela reflete que estava encantada pela ideia que tinha construído dele.  

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Na busca por afeto, é comum que se busque o encaixe perfeito, o par ideal, que se apresenta como a solução de um conflito interno, a necessidade de se sentir completo. No entanto, entre expectativa e realidade quase sempre a decepção se apresenta, ao ver o outro como você deseja e não suas reais características, defeitos e qualidades, e esperar que essas fantasias sejam respondidas, baseados em convicções pré-estabelecidas e a idealização sobre o outro, gera no mínimo descontentamento e relações que não vão muito longe. 

Relacionamentos são cercados por princípios e transições, uma dinâmica transformadora, no contato da subjetividade com o outro o do indivíduo consigo, é uma construção que movimenta o desenvolvimento da vida, que aparenta ser uma necessidade humana, que não é simples e demanda atenção e cuidado. Como Bauman (2004, p. 10) declara “[…] os relacionamentos são como a vitamina C: em altas doses, provocam náuseas e podem prejudicar a saúde.”. 

Inícios de relacionamentos são carregados de expectativas, porém em concordância com Bauman (2014), o ato de se relacionar é movimentar-se pela neblina sem nenhuma certeza, então com começos tão ambiciosos, essas relações se tornam fragilizadas, e tendem a não durar, assim um círculo vicioso toma forma, a necessidade por afeto inerente ao ser humano, que leva a essa busca incessante pelo relacionamento perfeito, que geralmente não se concretiza, que gera relações quebradiças, decepções e corações partidos.       

Vivencia a decepção em um relacionamento amoroso é mais comum do que a descoberta da felicidade, a criação da ideia de achar o par perfeito é uma narrativa fantasiosa, que quase sempre acaba se divergindo da realidade, manter uma relação saudável requer tempo, disposição, equilíbrio, e se responsabilizar pela própria felicidade, assim um relacionamento se constitui como um constante processo de aprendizagem, sobre si mesmo e o outro.

Referências:

BAUMAN, Zygmunt. Amor líquido: sobre a fragilidade dos vínculos humanos. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2004. 

CARDELLA, Beatriz H. Laços e nós: amor e intimidade nas relações humanas. São Paulo: Ágora, 2009.

STENDHAL, H. Do Amor. Trad. Roberto Leal Ferreira. São Paulo: Martins Fontes, 1999.