Avaliação Neuropsicológica Infantil

Diagnóstico, do grego diagnõstikós, quer dizer “discernimento, faculdade de conhecer, de ver através de” (ARAÚJO, 2007, p. 127). O modo como este conceito vem sendo empregado atualmente, caracteriza-se por uma investigação aprofundada, executada com o intuito de compreender dados fenômenos, mediante um conjunto de processos teóricos, técnicos e metodológicos. Na Psicologia, as práticas de diagnóstico e avaliação psicológica até hoje são parte essencial na construção e estabelecimento da identidade profissional do psicólogo (ARAÚJO, 2007).

A avaliação psicológica é uma prática restrita à psicólogos que exige um planejamento prévio e meticuloso. Esta é definida como um procedimento estruturado de averiguação de fenômenos psicológicos, constituído por métodos, técnicas e instrumentos, com a finalidade de fornecer informações à seleção de uma alternativa, no contexto individual, grupal ou institucional, baseado em demandas, circunstâncias e desígnios específicos (CFP, 2018).

Atualmente, a avaliação psicológica é largamente utilizada em diversos contextos e em cada área de conhecimento, metodologias específicas são exigidas. Dentre os copiosos campos em que sua realização é possível, destaca-se o campo da neuropsicologia.

A neuropsicologia explora, nos âmbitos científico, clínico e aplicado, o arranjo cerebral dos processos cognitivos-comportamentais e suas mutações na existência de lesões ou disfunções cerebrais (ARDILA; ROSSELLI, 2007). As áreas clínica e aplicada abarcam a intervenção neuropsicológica, incluindo os processos de avaliação e reabilitação neuropsicológicas (PAWLOWSKI, 2011).

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A avaliação neuropsicológica pode ser considerada uma importante ferramenta para o exame das funções cognitivas e executivas e é indicada em qualquer caso onde haja suspeita de uma disfunção cognitiva ou comportamental de fonte neurológica. Seu principal propósito é o diagnóstico, planejamento e encaminhamento de formas mais apropriadas de tratamento e intervenção (PAWLOWSKI, 2011).

Além do aporte teórico sobre a neuropsicologia, Malloy-Diniz et al. (2010) apontam que o conhecimento acerca da psicometria também é necessário em um processo avaliativo, visto que instrumentos e testes padronizados são capazes de – e utilizados para – mensurar as variáveis psicológicas. Todavia, vale ressaltar que o processo de avaliação neuropsicológica não faz uso somente de testes. Este é composto, também, por métodos e técnicas que vão além das testagens e seus resultados, tais como “a aplicação de técnicas de entrevistas, exames quantitativos e qualitativos das funções que compõem a cognição abrangendo processos de atenção, percepção, memória, linguagem e raciocínio” (MALLOY-DINIZ et al., 2010, p. 47)

A compreensão de todo o funcionamento cerebral, o conhecimento a respeito dos transtornos, assim como em relação as etiologias neurológicas e fatores genéticos, emocionais e teratogênicos, são imprescindíveis aos profissionais que atuam neste campo (ARGIMON; LOPES, 2017). Sendo assim, se faz importante que o psicólogo entenda sobre o funcionamento do Sistema Nervoso Central e suas funções, as implicações das alterações nas funções cognitivas e executivas, assim como acerca do funcionamento das áreas corticais e as interações estabelecidas entre tais. Além disso, o profissional deve estar atento às alterações comportamentais, uma vez que podem estar intimamente relacionadas à distúrbios neurológicos.

Outrossim, identificar os aspectos neurobiológicos disfuncionais/alterados nos clientes contribui para um diagnóstico mais preciso e para o traçar de um tratamento mais adequado e eficaz de acordo com a especificidade de cada caso. Através da avaliação neuropsicológica qualificada e do entendimento neurobiológico pode-se estabelecer quais funções, áreas ou sistemas cerebrais podem estar envolvidos e quais hipóteses diagnósticas podem ser feitas.

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No presente, a neuropsicologia infantil, a qual tem por finalidade a identificação precoce de perturbações no desenvolvimento cognitivo e comportamental da criança, passou a ser uma das partes elementares das consultas habituais de saúde infantil. Costa et al. (2004, p. 112) ainda complementam que a contribuição da avaliação neuropsicológica infantil

é extensiva ao processo de ensino-aprendizagem, pois nos permite estabelecer algumas relações entre as funções corticais superiores, como a linguagem, a atenção e a memória, e a aprendizagem simbólica (conceitos, escrita, leitura, etc.). […] Ao fornecer subsídios para investigar a compreensão do funcionamento intelectual da criança, a neuropsicologia pode instrumentar diferentes profissionais, tais como médicos, psicólogos, fonoaudiólogos e psicopedagogos, promovendo uma intervenção terapêutica mais eficiente.

O conjunto de instrumentos viabiliza uma avaliação global das competências da criança, tal como dos obstáculos encontrados por ela em suas atividades rotineiras. Ainda quanto à avaliação em crianças, cabe salientar, entre alguns pontos, “o fato de o desenvolvimento cerebral ter características próprias a cada faixa etária” (COSTA et al., 2004, p. 112), o que torna a avaliação infantil um processo melindroso e desafiador para os profissionais, pois, frente ao padrão de funcionamento cerebral, é indispensável a estruturação dos atendimentos consoante ao processo maturacional do cérebro da criança, que ainda encontra-se em desenvolvimento (COSTA et al., 2004; MALLOY-DINIZ et al., 2010).

Argimon e Lopes (2017) assinalam que, ao se realizar uma avaliação neuropsicológica infantil, aspectos genéticos, neurobiológicos, familiares, educacionais, socioambientais e de estimulação, são substanciais para uma avaliação e intervenção de qualidade.

Ao se iniciar uma avaliação neuropsicológica infantil, então, é imprescindível buscar na história de vida da criança aspectos que possam auxiliar o processo avaliativo, como por exemplo, a presença de algum comprometimento cerebral. À vista disso, faz-se necessário iniciar-se esse processo através de uma entrevista de anamnese com os pais e/ou responsáveis, a fim de compreender, de forma mais profunda, os motivos impulsionadores da busca pelo atendimento e como se deu o desenvolvimento emocional, motor e cognitivo da criança/adolescente, desde sua concepção até os dias atuais da mesma (CUNHA, 2000).

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Em concordância com o mencionado anteriormente, a avaliação neuropsicológica infantil não se limita apenas à aplicação de testes. Os momentos lúdicos detém um relevante papel para o estabelecimento do vínculo entre profissional-cliente (CUNHA, 2000), como também para a observação clínica que, segundo Ferreira (2004), viabiliza ao psicólogo a obtenção de dados a respeito dos aspectos desenvolvimentais, identificando os elementos esperados para determinada faixa etária, bem como àqueles que divergem destes, sobretudo acerca de suas funções cognitivas e executivas mediante sua interação e emissão de comportamentos.

Por se tratar de crianças/adolescentes, também é pertinente que o psicólogo conheça aspectos da vida escolar do cliente/paciente, fazendo ao menos uma visita na institucional de ensino em que o mesmo estuda, com intuito de conhecer o espaço em que o cliente estuda e levantar informações importantes sobre a vida escolar que possivelmente estejam relacionadas com a queixa. Se necessário, deve também buscar informações junto à demais profissionais que lidam com a criança.

Em suma, a avaliação neuropsicológica é recomendada em qualquer caso onde haja conjectura de uma dificuldade cognitiva ou comportamental de razão neurológica e permite o estabelecimento de relações entre funções corticais superiores e a aprendizagem simbólica. Ela pode assistir na identificação e intervenção de diversas disfunções neurológicas, problemas de desenvolvimento infantil, implicações psiquiátricas, alterações de conduta, entre outros (COSTA et al., 2004).

Vale ressaltar que o processo avaliativo não se trata de “rotular” ou “enquadrar” a criança como constituinte de “grupos problemáticos”, e sim de evitar que tais impasses impeçam o desenvolvimento sadio da criança.

Referências:

ARAÚJO, M. F. Estratégias de diagnóstico e avaliação psicológica. Psicologia: teoria e prática, v. 9, n. 2, p. 126-141, 2007.

ARDILA, A.; ROSSELLI, M. Neuropsicologia Clínica. México: Editorial El Manual Moderno, 2007.

ARGIMON, I. I. L.; LOPES, R. M. F. Avaliação Neuropsicológica Infantil: aspectos históricos, teóricos e técnicos. In: TISSER, L. et al. Avaliação neuropsicológica infantil. Novo Hamburgo: Sinopsys, 2017. p. 21-47.

CONSELHO FEDERAL DE PSICOLOGIA (CFP). Resolução CFP 009/2018. Brasília, D.F. 2018.

COSTA, D. I. et al. Avaliação neuropsicológica da criança. Jornal de Pediatria, v. 80, n. 2, p. 111-116, 2004.

CUNHA, J. A. Psicodiagnóstico – V. 5. ed. Porto Alegre: Artes Médicas, 2000.

FERREIRA, V. R. T.; MOUSQUER, D. N. Observação em psicologia clínica. Revista de Psicologia da UNC, v. 2, n. 1, p. 54-61, 2004.

MALLOY-DINIZ et al. Avaliação neuropsicológica. Porto Alegre: Artmed, 2010.

PAWLOWSKI, J. Instrumento de avaliação neuropsicológica breve Neupsilin: evidências de validade de construto e de validade incremental à avaliação neurológica. Tese (Doutorado) – Curso de Psicologia, Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Rio Grande do Sul, 2011.

PIRES, A. V.; MANERA, C. Avaliação psicológica. Rio Grande do Sul, 2011.