Bolsoplanismo e o retorno do recalcado

O que o Bolsoplanismo fez a gente entender é que o discurso que o sustenta já estava aí. Bolsonaro apenas abriu a tampa do bueiro e fez algumas pessoas terem coragem para dizer ou fazer o que estava submerso, velado.

Então não é melhor agora que as pessoas possam dizer o que realmente pensam para que nossa chaga machista, homofóbica, escravagista, violenta, misógina e fundamentalista seja tratada? – vocês poderiam perguntar. A princípio sim – eu diria. Sim, porque poderemos, desse modo, trabalhar nossos conflitos e contradições. E a democracia sempre ganha, quando o diálogo e o debate estão na ordem do dia.

Não é de hoje que teço críticas ao que se fez com o “lugar de fala” e a “linguagem politicamente correta”. Se tornaram instrumentos autoritários, práticas que interditam a fala antes que ela aconteça, e isso só produz recalcamento. O sujeito pára de falar apenas porque foi censurado, mas continua funcionando do mesmo modo e agora, sem um lugar onde possa tratar disso. E não é necessário ser psicanalista para entender o que acontece com o que foi recalcado sem ser simbolizado – com a linguagem, com a cultura, com a arte, com a política – ele retorna, e retorna como sintoma ou como passagem ao ato.

Fonte: encurtador.com.br/aswCM

O Bolsoplanismo é o nosso “retorno no recalcado”, e se não soubermos tratar disso pela via simbólica, vai nos restar passar ao ato, eternamente

Mas eu tenho uma reserva ao meu sim, sobre essa oportunidade que estamos tendo de escancarar nosso Bolsoplanismo. É que muitas das pessoas que aderiram a tal discurso, aderiram a ele movidas por adesão a uma crença. E o problema da crença é que ela não está aberta ao diálogo. Quanto mais você questiona um crente, mais ele vai precisar reforçar sua crença. A crença não é dialógica, a crença não pode duvidar, por isso, quando ela se liga a política, faz um estrago enorme. O discurso político é o reverso do discurso da crença – são excludentes. Não por acaso Bolsonaro precisa do “Deus acima de todos” para se autorizar.

Por isso, haverá sim, eu penso, um limite para o diálogo com parte da população que aderiu ao Bolsoplanismo pelo mecanismo da crença, do cinismo ou da perversão. Para esses, assim como para o próprio Bolsonaro e sua prole, só funcionará a lei interditora que determina o limite do que é tolerável. Para esses, não haverá negociação, será necessário uma interdição vinda de de fora (pela via das leis, das instituições e dos mecanismos democráticos), a fim de impedir que exibam perversamente a morte, a estupidez, homofobia, racismo, violência,  misoginia e tudo isso que nosso processo civilizatório vem tentando tratar.

Resumindo, uma parte das nossas mazelas poderá ser tratada por meio do simbólico – debate, política, ciência, educação, arte, diálogo – todas as armas serão necessárias. Mas outra parte, infelizmente, dependerá do fim do governo Bolsonaro para voltar para o esgoto, de onde nunca deveria ter saído.

Precisamos dar um fim a esse governo. Não é possível sustentar um governo que goza com nossa humilhação, morte e miséria.

Fonte: encurtador.com.br/uvA08
Psicóloga / psicanalista. Trabalhadora da Rede de Saúde Mental do SUS. Conselheira CRP MG. Mestre e Doutora em Educação pela UFJF. www.ritadecassiadeaalmeida.blogspot.com.br