Comumente, dividem-se as etapas do desenvolvimento humano em quatro fases: infância, adolescência, idade adulta e velhice. Essa divisão do ciclo da vida em períodos trata-se de uma construção social e tem por objetivo estudar as mudanças e transformações que ocorrem na vida das pessoas em cada fase (Papalia; Feldman, 2013).
Todas as faixas etárias apresentam suas peculiaridades e implicações na vida humana. Mas há um período da vida adulta, denominado como meia-idade, onde observa-se diversas mudanças físicas, psicossociais e a presença de reflexões e reavaliações sobre a vida, carreira e relacionamentos.
O termo “meia-idade” tem origem incerta, mas começou a ser usado na literatura e na medicina entre os séculos XIX e XX para descrever a fase intermediária da vida adulta, geralmente entre os 40 e 65 anos, especificamente em estudos de longevidade e ciclos de vida. Embora não se saiba exatamente quem cunhou o termo, ele se consolidou no vocabulário popular e científico ao longo do tempo.
O psicólogo suíço Carl Jung (1875–1961) foi um dos primeiros a explorar a importância dessa fase na psique humana e a denominou de segunda metade da vida. A proposta da Psicologia Analítica criada por Jung oferece um arcabouço teórico rico para compreender o processo de transformação que ocorre nessa fase, onde os indivíduos buscam por uma versão mais autêntica e completa de si mesmo. E assevera:
“Quanto mais nos aproximamos do meio da existência e mais conseguimos firmar-nos em nossa atitude pessoal e em nossa posição social, mais nos cresce a impressão de havermos descoberto o verdadeiro curso da vida e os verdadeiros princípios e ideais do comportamento” (Jung, 2000, p. 164).
Estudos apontam que existem múltiplas formas de viver a meia-idade e esta fase da vida é permeada por heterogeneidade e complexidade, onde cada adulto experimenta a mudança do ciclo de vida de acordo com o contexto histórico e social em que está inserido (Antunes e Silva, 2013). É na meia-idade que o indivíduo se volta para aspectos que antes estavam inconscientes, tais como desejos que não puderam ser realizados anteriormente. A energia psíquica, anteriormente aplicada a adaptações ao ambiente externo, tais como o exercício profissional, família e participação na comunidade, passa a se centrar na interioridade, visando a autorrealização (Quishida e Casado, 2009)
Stein (2007), ao referir a meia-idade, denomina-a como meio da vida e aponta que surge uma “emergência psicológica” e esta é a fase do enterro das seguranças e da identidade perdida. O autor acrescenta que nesse período surge uma surpreendente “loucura secreta”, onde ocorrem mudanças de humor, limitações da vida, ataques de pânico, momentos de nostalgia, períodos de luto, e principalmente a negação de que tudo isso esteja acontecendo. Mas também é nessa fase que o que mais importa é a liberdade e a necessidade de encontrar um sentido profundo para a vida e o despertar da consciência.
Indivíduos na faixa etária de 40 a 65 anos, em sua maioria, encontram-se economicamente ativos, ou seja, possuem seus trabalhos e é comum que passem por uma reavaliação quanto à sua carreira, questionando suas opções iniciais que, por vezes, seguiram o curso em atender às expectativas dos familiares e às necessidades de sobrevivência.
O psicólogo junguiano James Hollis, no livro “A passagem do meio”, trata da famosa crise da meia idade como um rito de passagem entre a vida adulta e o encontro com a velhice e a mortalidade. Essa crise é provocada pela descompensação entre a antiga concepção interior, a personalidade adquirida e as exigências do Si mesmo, onde o individuo se vê diante de uma sensação de vazio, fracasso das expectativas e perda de significado.
Segundo Hollis (2007), a passagem do meio impõe alguns desdobramentos, como:
- Precisamos deixar de achar culpados pelo nosso destino e, assim, assumir a total responsabilidade pelo nosso bem estar físico, emocional e espiritual.
- Independente de onde chegamos e conquistamos, a vida vai nos pedir para crescer e assumir a responsabilidade pela nossa vida.
- Mesmo que o mundo a nossa volta continue a exigir de nós esforços e atenção, precisamos nos voltar para dentro de nós, crescer e mudar.
- Precisamos alterar nosso relacionamento com as personas que criamos e ir de encontro as nossas sombras.
- Na meia-idade, a capacidade de enganarmos a nós mesmos é esgotada.
- De repente, olhamos no espelho e enxergamos que nosso maior inimigo somos nós mesmos.
Esse conjunto de implicações provocam dilemas entre o que foi e o que poderia ter sido, além de dúvidas sobre o futuro. É comum aparecer uma ansiedade provocada pela sensação de que o tempo está a passar e não se fez nada da vida e provavelmente já não se terá tempo de fazer. Associado a essas questões internas, a aparência física e toda a estrutura biológica começam a apresentar sinais ligados ao envelhecimento e a menopausa e a andropausa são marcos desse momento.
No entanto, é justamente nesse momento de grandes reflexões que o sujeito vai precisar compreender que a contemporaneidade é permeada de objetos e valores descartáveis e sem significados, e haverá uma luta para romper com as barreiras das imposições sociais e ir ao encontro do desejo em diferenciar-se.
Por fim, o período da meia-idade ou segunda metade da vida consiste numa oportunidade de buscar o processo de individuação, conceituada por Jung como um caminho de diferenciação psíquica, levando o individuo a olhar para dentro, em direção ao sentido da própria existência.
Referências:
ANTUNES, P.de C. & SILVA, A.M. Elementos sobre a concepção da Meia Idade, no processo de envelhecimento humano. Revista Kairós Gerontologia,16(5), pp. 123-140, Setembro de 2013. Online ISSN 2176-901X. Print ISSN 1516-2567. São Paulo (SP), Brasil: FACHS/NEPE/PEPGG/PUC-SP
JUNG, Carl Gustav. A natureza da psique. Obras Completas Volume VIII/2. Tradução de: Pe. Dom Mateus Ramalho Rocha, OSB. Editora Vozes, Petrópolis, 2000.
HOLLIS, James. A passagem do meio: da miséria ao significado na meia-idade. Tradução Cláudia Gerpe Duarte. São Paulo: Paulus, 5ª Edição 2007. Coleção Amor e psique.
PAPALIA, Diane E; FELDMAN, Ruth Duskin. Desenvolvimento humano. AMGH Editora, Artmed, 12ª Edição, ISBN 978-85-8055-216-4, Porto Alegre, 2013.
STEIN, Murray. No meio da vida: uma perspectiva junguiana. (tradução Paula Maria Dip) – São Paulo; Paulus, 2007. Coleção Amor e Psique
QUISHIDA, Alessandra e CASADO, Tania. Adaptação à transição de carreira na meia-idade. Revista Brasileira de Orientação Profissional [online]. 2009, vol.10, n.2, pp.81-92. Disponível em: http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1679-33902009000200009&lng=pt&nrm=iso. ISSN 1984-7270. Acesso em 15/02/2025