Defendendo a Loucura

A vida é uma peça de teatro que não permite ensaios. Por isso, cante, chore, dance, ria e viva intensamente, antes que a cortina se feche e a peça termine sem aplausos.
Charles Chaplin

 

 

Neste instante solicito a atenção de todos que aqui se encontram para que leiam estas palavras que utilizo ao defender a loucura como normalidade.

Muitos, apesar de algumas palestras, comentários e estudos ainda permanecem questionando-se: mas, afinal, o que é loucura? o que é verdade? o que é normalidade?

Para tanto, inicio citando Foucault que, em seu livro a História da Loucura, diz que a loucura existe em cada homem por que é o homem que a constitui. A loucura é a verdade de si mesmo, que ele – o homem – acredita distinguir. E a loucura, ao ser compreendida como normalidade, permite ao indivíduo o exercício e a vivência dessa verdade.

Sendo assim, louco é aquele que, pelo enfrentamento da realidade, descobre o lado oposto daquilo que se mostra. E é justamente este indivíduo que se diferencia dos demais, por perceber de forma clara esse lado obscuro que se esconde atrás de uma máscara e, principalmente, por tentar mostrá-lo de maneira extravagante.

Não é fácil falar, mas é importante salientar que isto que é percebido por este sujeito é a mais pura verdade, pois não se sabe ao certo o que é verdade ou mentira ou, como diz o lugar comum: “uma mentira dita cem vezes torna-se verdade”.  E este novo sujeito só veio para confirmar e nos fazer entender que a loucura é no fundo a normalidade que recusamos ver, que negamos perceber, que camuflamos numa pessoa.

A vida pode ser tida como uma peça teatral onde nós, os atores, procuramos nos apresentar de maneira a demonstrar uma imagem ideal e, para isso, disfarçamos esse lado obscuro.

Não sei [deve dizer Mondory no prólogo da peça de Scudéry] que extravagância é essa, hoje, de meus companheiros, mas ela é tão grande que sou levado a crer que um encanto qualquer lhes rouba a razão, e o pior é que eles estão tentando fazer com que eu a perca e vocês também. Querem me convencer de que não estou num teatro, de que esta é a cidade de Lyon, de que ali existe uma hospedaria e aqui um jeu de paume, onde Comediantes que não somos nós, e que no entanto somos nós, representam uma Pastoral.( G. DE SCUDÉRY, La comédie des comédiens, Paris, 1635.)

Por que sabemos identificar o que é uma peça de teatro, e saber que aquilo é diferente da vida real? Supostamente alguns iriam responder que a peça teatral se passa em um lugar apropriado seguindo as falas de um determinado roteiro, em determinada cenas. Quem nos garante que as pessoas que estão ao nosso lado não estão encenando? Ou que até mesmo nós estamos encenando, pois como uma peça de teatro nossa vida demonstra por vezes seguir um roteiro pré-estabelecido. Até nossas falas, às vezes, são determinadas pelo meio que estamos e com quem falamos.

Para os atores de uma peça de teatro já são definidas máscaras especificas, já rotuladas pelo autor. As pessoas que dizem não viver em uma peça de teatro acabam seguindo esta mesma linha: pensamos ser normais sem saber na verdade o que é a normalidade, pois estamos seguindo o conceito de normalidade já estabelecido por outros e não por nós mesmos.

Ou seja, dizemos ser normais, sem mesmo pararmos para pensar se estamos sendo normais para nós mesmos ou para os outros, e ficamos sem saber se o normal é ser correto ou se é correto ser normal.

Dessa forma, encerro minhas palavras ousando dizer que o louco é na realidade aquele que invade essa peça, retira as máscaras, faz aparecer à feiura, tira a ilusão e desmorona a obra. E a normalidade da loucura está no fato de que este, considerado louco, está norteado de uma razão que o faz lutar e se defender através de argumentos pautados em sua verdade, que não há de ser contestada, pois é sua.

Enfim, a verdadeira sabedoria é na verdade, a loucura que lhe permite ser verdadeiro, que lhe permite ser sábio, e retirar a máscara. Antes que a peça acabe. Antes que as cortinas se fechem