Diálogo entre a Disciplina e a Punição

Imagine a cena. Ao meio dia de uma sexta-feira qualquer, duas respeitáveis senhoras observam o trânsito de Palmas, em um dos cruzamentos mais movimentados da Capital. Dona Disciplina, habituada a ensinar metodicamente e, sem querer ofender a senhora Punição, sugere que punir não educa. A punição, acostumada a castigar e quase sempre exaltada, opõe-se, efusivamente, à tese. Para ela os 1.296 acidentes de tráfego com vítimas, periciados por peritos da Polícia Técnico-Científica em 2012, envolvendo 865 motocicletas em Palmas, seriam evitados, aplicando multas mais severas.

Na argumentação está implícita a afirmação de que os condutores são mal educados. Razão pela qual a Educação para o Trânsito não obtém êxitos imediatos. A Punição observa que a cidade cresceu, a frota de automóveis aumentou e a maioria dos condutores, cada vez mais agressivos, parece carecer de melhor preparo para transitar por avenidas curvilíneas, rotatórias e cruzamentos, muitos, bem sinalizados.

Nesse aspecto, a Disciplina sem desmerecer os esforços da Educação ausente no diálogo, até concorda, mas enfatiza sobre a urgência em se adotar medidas práticas que auxiliem a conscientização.

Com base no Diagnóstico sobre os Acidentes de Tráfego na Cidade em 2010, a Disciplina mostra à Punição que os cruzamentos entre as Avenidas Teotônio Segurado e LO-12 e a LO-14 contribuíram muito para a elevação dos índices de acidentes de tráfego, até o mês de julho. Em apenas um mês, a LO-12 contribuiu com 13%, enquanto a LO-14, com 17%.

A partir de agosto, entretanto, essa realidade mudou. Os índices de acidentes reduziram a ZERO, ao contrário do cruzamento da Teotônio com a LO-23, que embora bem sinalizado, lidera ranking de até 50% dos acidentes em cruzamentos entre a Teotônio e as LO’s.

Apesar de atuar pouco na região onde os índices despencaram para 0%, a Punição, bem irônica, quer saber qual seria o “milagre” para uma queda tão brusca nos índices de acidentes de tráfego nesses cruzamentos da região Norte da cidade, enquanto se observa um fenômeno inverso em cruzamentos da região Sul.

Em resposta à ironia da Punição, a Disciplina diz que o “milagre” fora a atitude do poder público, que acatara uma sugestão simples, apresentada por peritos da Polícia Técnico-Científica ainda em 2009, mas só adotada em agosto de 2010. Esse “milagre” responde pelo nome de redutores de velocidade. Ondulações. Se preferir, ele mesmo, o popular, digo, impopular quebra-molas.

Ácida como é, concordar com a Disciplina custa grande esforço à Punição cujo ego a supera em tamanho. Mas cansada de ver a morte zombar da vida com um sorriso cariado, a Punição se sujeita a dialogar com a Disciplina e, uma vez ou outra, aquiescer também com a Educação.

Surpreendendo a Disciplina, a Punição, como que pensando em voz alta, questiona: Quanto custa um acidente com vítima para o poder público e quanto custa a construção de um antipatizado quebra-molas em pontos críticos? E sonorizadores antes das faixas de pedestres custa caro? Iluminar então faixas para pedestres, quanto deve custar?

Convicta de que uma vítima custa bem mais ao poder público, do que medidas preventivas, a Disciplina intervém e lamenta que o trânsito copie, do sistema de justiça criminal, equívocos que não produzem justiça.

Na compreensão da Disciplina o equívoco é ter-se como preocupação primeira o passado e não o futuro; é priorizar o estabelecimento de culpa para provocar a vingança por intermédio da dor. Medidas assim não reparam o dano à vítima. Priorizar teorias em detrimento de resultados equivale a zombar. E com um ar de impotência, conclui que a vítima é assunto secundário, quando a prevenção também o é.

Embora ranzinza, a Punição que defende a fábrica de multas como solução para os acidentes de tráfego, acaba se entendendo com a Disciplina. No contexto da discussão o objetivo comum entre ambas é salvar vidas. Eis a razão para pensamentos antagônicos se aproximarem e adotarem práticas preventivas simples, economicamente viáveis e efetivamente eficientes e eficazes, sem precisar reinventar a roda.

A vida agradece!