É preciso vida, vivência, experiência, experiência de vida… Cada vez mais nos afastamos da vida vívida em prol de uma vida plastificada. Quando leio os artigos ditos “científicos” de nossa época fico estupefato com a neutralidade esterilizada dos posicionamentos políticos – isto quando os autores se arriscam a fazê-lo! -, com a simetria pasteurizada dos conceitos e com a beleza morta e inatingível de uma ética transcendente.
Podemos dizer que a produção de uma vida plastificada, e que está à venda nos sites de compras coletivas, tem como efeito o engendramento dos exitosos, dos vencedores, dos bem sucedidos da sociedade dos valores da decadência. Por outro lado, podemos dizer, também, que a produção de uma vida vívida, e que está à disposição em qualquer vivência no aqui-e-agora, tem como efeito a produção de sentidos, de consistência subjetiva, de novos valores para a existência.
É claro que não se trata de uma dicotomia, ou seja, de um lado a vida plastificada e de outro a vida vívida. Muito menos que ou produzimos nossa existência a partir da vida vívida ou a partir da vida plastificada. Nada disso! Estamos falando de forças que produzem materialidades (valores, jeitos de ser e de viver…), de forças que coexistem entre nós e em nós. É como se houvesse uma superfície contínua, onde de um lado a concentração de forças da vida plastificada fosse maior e de outro a concentração de forças da vida vívida se sobrepusesse. Entre estas extremidades há múltiplas possibilidades, combinações, arranjos; sempre com seu embate, sua luta incessante e, por fim, uma força vencedora.
Como estava dizendo antes, quando leio artigos científicos, quando escuto palestras em congressos, exposições de casos clínicos, etc. É sempre a mesma coisa! Só há, ou melhor, o que aparece, na maioria dos casos, são profissionais exitosos em suas investidas, com resultados promissores, interpretações sagazes; todos com seus olhos de lince e suas bocas de hiena sorridentes. Nestes casos, o olfato mais apurado pode sentir o cheiro de nada, pois são tão perfeitos e irremediavelmente inabaláveis que seus corpos não produzem o odor próprio da vida. Não há envolvimento (é possível isso?!), o que impera é a covardia política travestida de neutralidade, a falácia da necessidade de distanciamento entre pesquisador e seu objeto de pesquisa. Nesta forma de existir os conceitos produzidos são como um adorno que admiramos, tiramos o pó e não deixamos as crianças pegá-los. Em relação à ética, é evidente que se trata de algo que nos diminui, que nos iguala, e que não corresponde ao cotidiano de nossas vidas.
Mas o objetivo deste texto não é dar a impressão de “terra arrasada”, muito menos de disseminar o famoso jargão “está tudo dominado”, pelo contrário, o objetivo que temos aqui é de mostrar que a vida não se deixa enquadrar, a vida mesma é intempestiva, imprevisível.
Quando as forças da vida vívida dominam um determinado corpo, o que ocorre é a produção de valores a partir de experiências vivas. Não há somente vencedores, mas também vencidos, perdedores. Como diria Elisa Lucinda “na vida não tem ensaio, mas tem novas chances”. Quando estamos regidos por estas forças da vida vívida, estamos plenos de nosso eterno inacabamento, cientes de que não controlamos nada ou quase nada, temos a certeza inabalável da incerteza do rumo de nossas vidas, nos responsabilizamos por nossa existência e, sem dúvida alguma, esquecemos…
Estas forças regendo a produção de existência nos possibilitam enxergar que estamos sempre implicados com o que fazemos e que, desta forma, o importante é como estamos implicados nisto ou naquilo. Mais ainda, que nossa implicação diz de uma política de vida, da produção de determinadas formas de existir as quais produzimos ao mesmo tempo que as existencializamos; diz da produção de determinados valores que guiam a vida e são materializados por esta mesma vida. Enfim, dizem da escultura de si, da produção de uma ética, a produção de existência como obra de arte.