Entre livros e fraldas: desafios da gravidez precoce na jornada escolar

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A adolescência é um estágio único e específico entre a infância e a vida adulta, caracterizado não apenas por mudanças físicas e hormonais devido à puberdade, mas também por transformações psicológicas intensas. Esse período é crucial para o desenvolvimento da subjetividade e da identidade pessoal (Fiedler, Araújo e Souza, 2015). Os adolescentes vivenciam diversas experiências durante essa fase, podendo incluir a gravidez.

Abordar a gravidez precoce no Brasil, um país marcado por profundas desigualdades sociais, étnicas e de gênero, requer uma análise cuidadosa, conhecimento teórico e técnico, e um respeito profundo pelos direitos e vidas dos adolescentes. Estes jovens estão em processo de desenvolvimento da autonomia, do autocuidado e da sexualidade, elementos fundamentais das suas interações sociais. Nesse prisma, é crucial que recebam suporte adequado para tomar decisões informadas, fomentar uma compreensão positiva e responsável sobre a sexualidade e contribuir para a construção de relações interpessoais saudáveis.

A gestação nessa fase é um problema complexo e alarmante no Brasil, refletindo desigualdades sociais e falhas nas políticas públicas. De acordo com o Relatório Mundial sobre a Gravidez na Adolescência da Organização Mundial da Saúde (OMS, 2020), a taxa de gravidez na adolescência no Brasil era de 62,4 nascimentos por 1.000 mulheres com 15 a 19 anos em 2020. Dessa forma, apesar da redução da taxa de gravidez precoce nas últimas décadas, o Brasil ainda apresenta índices elevados em comparação com outros países, exigindo uma abordagem estratégica e abrangente para promover mudanças significativas e duradouras.

Nesse imperativo, entender o contexto social e educacional que contribui para a gravidez precoce é crucial. No Brasil, as disparidades socioeconômicas são um fator determinante, com adolescentes em situação de vulnerabilidade tendo menos acesso a informações e recursos sobre saúde sexual e reprodutiva. A deficiência na educação sexual nas escolas é outro problema crítico; frequentemente, as informações são insuficientes e não abordam adequadamente temas como métodos contraceptivos, consentimento e relacionamentos saudáveis.

Estudos indicam que adolescentes grávidas frequentemente enfrentam desafios significativos para manter sua frequência e desempenho acadêmico. De acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS, 2020), as adolescentes grávidas têm maior probabilidade de abandonar a escola em comparação com suas colegas não grávidas. Este abandono pode ser atribuído a uma combinação de fatores, incluindo a necessidade de assumir responsabilidades parentais e a falta de suporte educacional adequado.

Concomitantemente, a falta de compreensão e apoio por parte de colegas e educadores pode agravar o sentimento de exclusão e desmotivação entre as alunas grávidas (Lima et al., 2022). Além disso, a falta de apoio emocional e psicológico, aliada ao estigma social, pode levar a um aumento da ansiedade e da depressão, prejudicando ainda mais o ambiente educacional da aluna (Pereira, 2021). Esse cenário não só afeta sua autoestima, mas também reduz suas chances de completar a educação básica e avançar em níveis acadêmicos superiores.

Para mitigar os impactos da gravidez precoce na vida escolar, é crucial implementar políticas e intervenções eficazes. A educação sexual abrangente e o acesso a métodos contraceptivos são medidas preventivas importantes que podem ajudar a reduzir a incidência de gravidez na adolescência. Destarte, uma pesquisa realizada pelo National Campaign to Prevent Teen and Unplanned Pregnancy (Ncptup, 2020) revelou que escolas que implementam políticas de educação sexual abrangente e fornecem acesso a serviços de saúde reprodutiva apresentam uma redução nas taxas de gravidez precoce em comparação com escolas que não têm essas políticas.

Em resumo, a gestação na juventude no Brasil é um problema multifacetado que requer uma abordagem integrada e colaborativa. Investir em educação sexual abrangente, melhorar o acesso a serviços de saúde reprodutiva e fornecer suporte contínuo às jovens mães são medidas essenciais para enfrentar esse desafio. Políticas públicas voltadas para uma sexualidade responsável na adolescência e para a redução das desigualdades de gênero devem incluir o fortalecimento da educação, da autonomia pessoal e da capacidade dos adolescentes de refletirem sobre suas escolhas afetivas e sexuais, bem como a implementação de medidas de proteção à saúde, como o uso de preservativos e métodos contraceptivos.

Outrossim, é inescusável promover um maior investimento em políticas públicas voltadas para essa temática, permitindo, assim, um diálogo mais aberto e empático sobre o desenvolvimento de habilidades relacionais e afetivas no processo de construção da autonomia juvenil, dimensões fundamentais que permitem ao jovem reconhecer e articular desejos e limites sexuais, além de aprender a se antecipar e se preparar para os atos sexuais.

REFERÊNCIAS

BRASIL: gravidez na adolescência – saiba os riscos para mães e bebês e os métodos contraceptivos disponíveis no SUS. Ministério da Saúde. Disponível em: https://www.gov.br/saude/pt-br/assuntos/noticias/2023/fevereiro/gravidez-na-adolescencia-saiba-os-riscos-para-maes-e-bebes-e-os-metodos-contraceptivos-disponiveis-no-sus. Acesso em: 29 ago. 2024.

A prevenção da gravidez na adolescência na visão de adolescentes. FIEDLER, M. W.; ARAÚJO, A.; SOUZA, M. C. C. Texto & Contexto Enfermagem, v. 24, n. 1, p. 30-37, 2015. Disponível em: https://doi.org/10.1590/0104-07072015000130014. Acesso em: 17 set. 2024.

Desafios acadêmicos e sociais para adolescentes grávidas. LIMA, A. et al. Revista Brasileira de Educação, v. 27, n. 3, p. 453-468, 2022.

Education policies and teen pregnancy rates. NATIONAL CAMPAIGN TO PREVENT TEEN AND UNPLANNED PREGNANCY (NCPTUP), 2020. Disponível em: https://www.thenationalcampaign.org/. Acesso em: 17 set. 2024.

Relatório mundial sobre a gravidez na adolescência. ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DA SAÚDE (OMS), 2020. Disponível em: https://www.who.int/publications/i/item/9789240066010. Acesso em: 17 set. 2024.

Impactos emocionais da gravidez precoce na vida escolar. PEREIRA, B. Jornal de Psicologia Escolar, 2021.

The timing of a first birth and high-school completion. UPCHURCH, D. M.; MCCARTHY, J. American Sociological Review, v. 55, n. 2, p. 224-234, 1990.

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