silicone

Epidemia das tigelas

Em 1962, acontecia nos Estados Unidos da América, estado do Texas, o primeiro implante mamário de silicone. Já em sua primeira versão, as próteses mamárias – ao contrário de outras próteses, cuja finalidade é, em geral, corrigir defeito ou função de algum órgão que adoece – se prestaram à melhora da aparência estética das mamas femininas. Naturalmente, tal cirurgia nasceu e se popularizou nos Estados Unidos, país onde o conservadorismo protestante não permitiu o desejo sacrílego porobjetos cuja função reprodutora não estivesse clara. As mamas são maternais o bastante para que os americanos se permitam desejá-las.

Um pouco antes, a melhora estética proposta pela mamoplastia, foi recusada por Esmeralda, cadela que teve a primeira bolsa de silicone depositada sobre a pele. Passados alguns dias da cirurgia, Esmeralda mordeu e retirou a sutura, negando-se a levar consigo algo que não reconhecia como seu ou que, quem sabe, acabava por enfear suas tetas.

De toda forma, houve, nesse processo histórico de melhoria da aparência dos peitos que andam a chacoalhar pelo mundo, um claro ideal a se atingir: a forma natural das mamas. A mama feminina in natura, em seu formato e consistência, guiou por muito tempo as técnicas cirúrgicas e o desenvolvimento de materiais a serem utilizados nas próteses.

As tetas femininas sem silicone têm uma harmonia lírica e uma beleza generosa em sua variedade. Grandes ou pequenas, com mamilos claros ou escuros, todas as mamas ao natural possuem um perfil formado por uma linha superior côncava, que vai do colo ao mamilo, e por uma linha inferior convexa, que vai do mamilo à base da mama. O traçado lembra a suavidade de uma pincelada, a beleza singela de um monte escarpado e a alegria infantil de um tobogã.

Tal forma jamais pôde ser alcançada pela mamoplastia. Por mais hábil que seja o cirurgião que a faça ou por melhor que seja o material usado, há convexidades demais partindo para todos os lados, fazendo as tetas siliconadas parecerem tigelas em cujos fundosestão os mamilos. Pobreza estética, imobilidade e rispidez…

Dessa forma e por conta disso, as próteses estiveram restritas, durante anos, aos peitos femininos que, por algum motivo (real ou imaginário), perderam a beleza natural de que um dia foram dotados. Diante da presumível feiura tímida da flacidez, restava a gritante feiura rígida das próteses.

Para o desejo brasileiro, as mamas são maternais demais. Até gostamos de peitos, mas elegê-los como preferência, diante da beleza da bunda, parece coisa de amador. Somos grandes apreciadores das bundas, com sua gemelaridade convidativa e saltitante. Talvez, isso explique o fato aparentemente paradoxal de que, apesar de valorizarmos imensamente a beleza de um bumbum, as próteses de peito, no Brasil, são disparadamente mais comuns que a de glúteo. É que nossa expertise nos diz que nenhuma intervenção cirúrgica em uma bunda a deixará em um estado melhor do que o seu natural.

Nos últimos anos, vem acontecendo algo preocupante para os apreciadores dos corpos fêmeos: próteses mamárias têm sido implantadas em peitos perfeitamente normais, causando uma epidemia preocupante de tigelas com mamilos. Em 2010, foram realizados um milhão e meio de implantes de silicone e, mesmo depois dos recentes problemas na fabricação das próteses, tal cirurgia não para de crescer.Pergunta-se: o que faria uma pessoa, ainda jovem, com peitos in natura, preferir uma prótese?

A transformação se deu de forma sutil, mas sabiamente arquitetada. Nos últimos anos, diante da insuficiência gritante da tecnologia em fazer com que as tetas siliconadas fossem minimamente parecidas com as naturais, houve um investimento muito grande em propagandas a fim de transformar o ideal de beleza para os peitos. Investiu-se muito para que as mulheres passassem a achar mais interessante a beleza das tigelas que a beleza das mamas e, a partir de então, o formato natural dos peitos deixou de ser uma referência para cirurgiões, indústria e pacientes.

Pode-se dizer, hoje, que boa parte das mulheres que se submetem à mamoplastia não quer ter peitos parecidos com os naturais, por mais perfeitos que sejam. Ter a mama siliconada é o objetivo em si. O belo é a tigela. Hoje, é possível se conceber a decepção de alguém que, depois de se submeter a um implante mamário de silicone, venha a perceber que suas mamas parecem perfeitamente naturais.

Tal transformação de ordem cultural foi mais importante para o sucesso das próteses do que qualquer melhoria técnica que delas se veio a fazer (tanto no ato cirúrgico de sua implantação, que afinal é bastante simples, quanto no material utilizado). As mulheres, raramente ingênuas e geralmente ávidas, foram ávidas e ingênuas ao adotarem o padrão tigela de beleza.

Mas essa é a opinião de um homem e, ainda mais, de um homem velho. Talvez, apenas Esmeralda concorde comigo. Há quem diga que homens não sabem de mamas, que cachorros são tolos e que velhos não sabem de nada.

É uma pena, pois certamente chegará o dia em que tantas mamas terão silicone, que a indústria perceberá a imensa vantagem econômica em novamente investir em um novo padrão de beleza para elas – talvez em um retorno à estética in natura – e mais uma vez se abrirá um enorme mercado de donas de peitos siliconados dispostas a pagarem para terem suas tetas de volta.

Médico psiquiatra. Doutor e Mestre em Psicologia pela UNESP/Assis.