Habemus Papam


Nesta terça-feira, 12 de março de 2013, reúnem-se vários candidatos, de diferentes etnias, oriundos dos mais variados países, porém professando somente uma crença, ao menos em tese. Ficarão todos encerrados em um mesmo ambiente, sem acesso à comunicação com o mundo externo. Não poderão ler jornais, nem revistas, muito menos acessar a internet. Inclusive, seus celulares serão confiscados e até uma barreira eletrônica será criada para evitar que possíveis bits escapem para fora. Sim, pois neste Big Brother eclesiástico não só os encarcerados não terão acesso ao que acontece do lado de fora, como também nós, simples e mundanos mortais, não poderemos dar aquela espiadinha. E é assim que se dá início a mais um conclave que elegerá o 226º Sumo Pontífice e sucessor de Pedro, conforme afirma a Igreja Católica Apostólica Romana.

Claro que uma espiadinha até que seria interessante, pois, independente da fé que professemos, estamos todos curiosos para saber o que acontece lá, enquanto não sai a tal fumacinha que indicará se a eleição resultou em uma indicação para o paredão ou não. Tal curiosidade advém do nosso interesse pelas cerimônias, vide a especial predileção por todo o aspecto formal ligado ao casamento que, por mais antiquado que aparente ser para alguns, sempre atrai olhares e atenção dada a pompa e circunstância, ficando no exemplo mais cliché.

Essa curiosidade, obviamente, tende a aumentar quando nos atiçam a curiosidade dizendo que alguma cerimônia é secreta e misteriosa, a maçonaria que o diga. Não seria diferente em um momento em que 115 cardeais, todos eleitores e também papas em potencial, estão fechados a chave (cum clave, no latim) na Capela Sistina, até que um novo papa seja escolhido.

Não são somente os mais de 1,2 bilhões de católicos que estão atentos ao que acontece em segredo na Capela Sistina. A eleição de um novo papa acaba por afetar, de alguma forma, milhões de pessoas mundo afora, mesmo os não católicos.

Seja por viverem em países teocráticos e que, por isso, tendem a uma relação mais próxima ou mais tumultuada, mas nunca totalmente isenta, com o representante maior da Igreja Católica; seja por serem de religiões que advieram do processo de reforma e que, por isso, tendem a observar com atenção o que pensa o novo chefe do catolicismo sobre muitos dos dogmas por eles combatidos; seja por serem agnósticos ou ateus e estarem curiosos para saber até onde suas opiniões podem ficar mais ou menos próximas daquelas expostas pelo novo papa; enfim, são muitos os motivos que levam a todos a participar como espectadores atentos ao processo de escolha de um papa.

E quando existe a possibilidade de ser escolhido um papa brasileiro, nossa pátria de chuteiras não se deixa esmorecer e parte para a torcida organizada. Não duvidemos se aparecer lá na Praça de São Pedro um seminarista brazuca vestido com a camiseta da seleção canarinho. Até porque, sendo o Brasil o país com o maior número de católicos do mundo, já estaria mais do que na hora de ser eleito um papa do país abençoado por Deus e bonito por natureza, mas que beleza. O porém talvez seja porque em fevereiro (em fevereiro) tem carnaval (tem carnaval) e daí a surgir um papa com um fusca e um violão, que seja flamengo e que tenha uma nêga chamada Tereza são dois pulinhos. Em tempo de vatileaks, melhor deixar quieto.

Este conclave, apesar dos inúmeros pontos que atraem as vistas dadas algumas novidades (pelo menos na contemporaneidade), como a renúncia do Papa Bento XVI e a sua permanência como papa emérito, traz em si ainda muito do que foi instituído lá em 1274, quando o Papa Gregório X criou as bases dos conclaves atuais. Especialmente a ideia de encerrar os cardeais a pão e água (tudo bem, isso foi modificado com o tempo) para que não houvesse muita demora para a escolha do novo Sumo Pontífice, tempo em que a cadeira de São Pedro fica vazia e a Igreja Católica intitula-se como Sé Vacante (Trono Vazio, no latim).


Com algumas alterações em detalhes de sua execução, tem-se o atual conclave acontecendo com a participação de 115 cardeais eleitores, todos com menos de 80 anos, condição para eleger e também para ser eleito papa. A partir desta terça ocorrerão eleições diárias, em uma média de duas pela manhã e duas durante a tarde, entremeadas por orações e, por que não dizer, por muitas conversas de bastidores que buscam influenciar na escolha deste ou daquele nome (não obstante dizer que, segundo a Igreja Católica, o Espírito Santo guia as ações de cada cardeal).

Em cada votação os cardeais escrevem sua opção de nome em um papel retangular branco que tem escrito na parte superior Eligo in summum pontificem (elejo como Sumo Pontífice). Deve-se escrever com caligrafia clara, em letras maiúsculas, e de tal forma que não seja possível reconhecer quem a escreveu.

Ao fim de cada votação, os votos são lidos em voz alta, registrados e contados, costurados um ao outro e, caso não alcancem dois terços dos votos, são queimados junto a palha molhada, para que saia pela chaminé uma fumaça preta, indicando que não se chegou ao nome do novo papa. No caso de um nome alcançar os dois terços exigidos, o cardeal decano (o mais ancião dos cardeais) pergunta ao cardeal indicado se este aceita tal responsabilidade: Acceptasne electionem de te canonice factam in Suumum Pontificem? (Aceitas a tua eleição canónica como Sumo Pontífice?).

O cardeal que, tendo recebido os dois terços dos votos, aceitar tal cargo, terá perante si um grande número de desafios para manter viva a Igreja Católica em tempos modernos, como as discussões sobre os abusos sexuais cometidos por membros do clero, o celibato, o divórcio, o sacerdócio de mulheres, a relação com a sexualidade. É claro que, ao se considerar uma instituição com dois mil anos de existência, todos os tempos serão tempos modernos e desafios existirão sempre. Também não se deve imaginar que o tempo de um papado seria o suficiente para se deixar morrer tal instituição. Entretanto, é justamente neste tempo, de um papado, que é dado início aos movimentos que definirão os rumos da Igreja Católica para os próximos anos, décadas, séculos. E, semelhante a um enorme navio, qualquer mudança de rumo não se dá de forma brusca e sim necessita de pequenos movimentos que, coordenados, darão o norte do que se pretende para muito tempo depois. Talvez seja esse o grande desafio do futuro papa: mexer hoje as peças que serão parte do jogo dos próximos anos.

Tendo o cardeal aceitado jogar este jogo, ou seja, sendo a resposta afirmativa, é perguntado o nome pelo qual deseja ser chamado, sendo seguido pelo ato de obediência, quando cada cardeal se prostra perante o papa eleito e beija-lhe o pé direito. Os votos são então queimados sem a palha molhada, para que pela chaminé saia a fumaça branca que indica a eleição de um novo pontífice. Minutos depois, na varanda da Basílica de São Pedro, é anunciada a boa nova: Habemus Papam!


PS. Como os últimos conclaves duraram de dois a cinco dias, possivelmente, ao ler este texto, você já tenha em mãos o nome do novo papa. Esta informação será atualizada aqui para informação geral com o risco de, sendo este papa brasileiro, suprimirmos um determinado parágrafo do texto para evitarmos eventual excomunhão de seu autor.

Sugestão de livro:

As Sandálias do Pescador, livro de Morris West, publicado em 1963, que se tornou filme em 1968. Este livro conta a história da eleição de um papa originário de um país do leste europeu (a Europa comunista) cujo papado mexeria com as estruturas de Igreja Católica e alteraria a ordem política mundial. Só para constar, Karol Józef Wojtyla, cardeal polonês, foi eleito papa em outubro de 1978, quando passou a ser chamado de Papa João Paulo II.

Sugestão de filme:

Habemus Papam, comédia leve italiana de 2011 que conta a história de um cardeal que, eleito papa, fica em pânico diante da possibilidade de assumir o comando da Igreja, se recusa a apresentar-se aos fiéis e acaba enfrentando uma sessão de terapia com um profissional declaradamente ateu.

Bacharel em Psicologia. Graduado, Especialista e Mestre em Ciência da Computação pela UFSC. Professor dos cursos de Ciência da Computação, Sistemas de Informação e Engenharia de Software so CEULP/ULBRA.