Um pouco sobre amor patológico através da canção: ‘’estamos apaixonados’’ Looney Tunes Song.
Looney tunes show (2011) é uma série animada, produzida pela Warner Bros e reproduzida pela stream HBO. A série mostra a vivência e interação dos clássicos personagens Patolino e Pernalonga, com seus inúmeros vizinhos do mundo Looney que aparecem com uma nova cara e novas personalidades. Cada episódio nos traz um tema, e no meio desses episódios são reproduzidos um curta metragem intitulado como ”Merrie Melodie’’ um clássico de curtas produzidos pela Warner entre 1931 a 1969. Que em 2011 ganharam uma versão mais atual e repaginada.
No episódio 11 intitulado ‘’o descascador’’ (PT, BR.) encontramos a ‘’merrie melodie’’ ‘’Estamos apaixonados’’, na qual a personagem Lola, resolve declarar todo o seu ’’amor’’ por Pernalonga. É uma canção interativa, que acaba por virar um diálogo entre os dois.
Letra
(Lola)Eu quero te dizer uma coisa que eu tenho pensado
(Pernalonga) Ah tô meio ocupado
(lola) Que o nosso amor está cada mais forte em nós dois
(Pernalonga) Amor? Pera,aí
(Lola) É fácil ver que está se afirmando
(Pernalonga)Afasta um pouco
(Lola) E dentro do seus olhos vejo que você se sente igual
(Pernalonga)Tá me sufocando
(isso é amor)
(Lola)Hoje eu quero só você
(isso é amor)
(Pernalonga)Eu acho que é melhor correr
(isso é amor)
(Pernalonga) Congestionou a linha
(isso é amor )
(Lola) Sim isso é coisa minha
(Pernalonga) Tenho que dizer que você é muito linda
(Lola) Lindão!
(Pernalonga) Mais também e muito doida
E me faz querer mudar para a bolívia
(Lola) Vou com você
(Pernalonga) Eu penso em pedir um mandado de afastamento
(Lola) Isso é difícil conseguir
(Pernalonga) Pois seu carro eu vejo me minha porta toda a noite,sim
(Lola) Vizinho gentil
(Pernalonga) E por sua causa que eu fecho as cortinas
(Lola) Eu olho pela chaminé
(Pernalonga) Eu instalei alarmes com detectores de movimentos
(Lola) Eu sei o código
(isso é amor)
(Pernalonga) Vê se dá um tempo
(isso é amor)
(Lola) Tempo esgotado
(isso é amor)
(Pernalonga) Você se mudo pra cá
(isso é amor)
(Lola) Sim,eu vim morar aqui
(isso é amor)
Não é não!!!
Seria esse um relacionamento tóxico? ou o Pernalonga apenas deveria ser uma pessoa mais aberta e falar sobre seus reais sentimentos? Antes de iniciarmos tais especulações, precisamos dimensionar; afinal o que é amor? No dicionário Oxford languages amor se define por uma forte afeição por outra pessoa. Na bíblia livro cristão, encontramos em coríntios (13:4-7) o amor como algo paciente, que tudo crê, tudo suporta, tudo espera, onde não há inveja, nem orgulho, um ato marcado pela bondade, pela paciência e pela verdade. Sendo considerado por muitos como o ideal de amor. Mas existe um ideal de amor, ou um amor ideal? Ao longo de sua obra platão hierarquiza diferentes discursos sobre amor, e a certeza que ele consegue ter é que sua origem vem de muito longe, e o que temos sobre o amor na verdade é uma sequência fragmentada de múltiplos e heterogêneos discursos, onde existem falhas, hiatos e silêncio, nunca um discurso inteiro e contínuo (PESSANHA, 2022). Então o fato que podemos reconhecer é o amor como algo subjetivo, inerente a cada um, a forma de sentir, de expressar, ou até mesmo de guardar tais sentimentos.
Como definido por platão amor e palavra estão intrínseca e definitivamente ligados, o amor é sobretudo um discurso. No diálogo com Lísis, Platão mostra que o amor passional é escravizante, avassalador, e contrapõe-se a outro tipo de amor, o amor baseado no aprendizado, no saber um amor que liberta. Dando continuidade a essa ideia, no diálogo de o banquete (380 a.c) Platão reúne grande variedade de recursos e estilos literários para encerrar a selvageria do amor/paixão de Alcebíades. Enxergamos aqui o amor passional como algo negativo, que consome e leva o sujeito a inúmeras idealizações que se distanciam da realidade, tornando o sujeito alguém alienado às suas próprias ideias. Baseado nesse conhecimento podemos perceber através da canção, esse amor passional, e obsessivo que Lola alimenta por Pernalonga.
Muitos são os motivos que levam uma pessoa a desenvolver formas ‘’incorretas’’ de demonstrar carinho e afeto, como aponta a psicóloga Fernanda Brito (2021). Um deles pode ser o medo exagerado de perder a pessoa. O problema é que esse mesmo medo não deixa o amor ser leve, e acaba criando quadros de amor obsessivo e de sufocamento, que só prejudicam o desenrolar da relação. Pernalonga até considera ter sentimentos por Lola:
‘’Tenho que dizer que você é muito linda
Mas também e muito doida
E me faz querer mudar para a bolívia’’ (Pernalonga)
Mas essa obsessão que ela carrega por ele, acaba o afastando ainda mais, fazendo com que ele enxergue tudo isso como loucura, não permitindo que fluam sentimentos sinceros. Lola pode ser identificada em um quadro de amor patológico, caracterizado pelo comportamento de prestar cuidados e atenção ao parceiro, de maneira repetitiva e desprovida de controle. Pernalonga tenta várias vezes afastar ela, mas mesmo assim, Lola dá um jeito de conseguir burlar as barreiras que ele impõe, motivada por seu ‘’sentimento incodicional’’ e fora da realidade, mas que por muitas vezes a mesma não consegue perceber.
Um estudo feito em 2004 pela psicóloga Eglacy Sophia publicado pela revista Synapsis identificou que entre o amor patológico e a dependência química coexistiam seis critérios em comum, um exemplo são os sinais de abstinência que surgem quando o parceiro está distante, além de dedicação de tempo e energia exagerados para o parceiro, comprometendo as atividades anteriores.A pessoa que sofre de amor patológico tem atitudes bem peculiares em relação ao parceiro, tais atitudes fogem do controle e muitas vezes invadem a liberdade do outro, trazendo desentendimentos entre ambos.
(Pernalonga) Eu penso em pedir um mandado de afastamento
(Lola) Isso é difícil conseguir
(Pernalonga) Pois seu carro eu vejo me minha porta toda a noite,sim
(Lola) Vizinho gentil
(Pernalonga) E por sua causa que eu fecho as cortinas
(Lola) Eu olho pela chaminé
É Importante entender que a essência desta patologia não é o amor, mas sim o medo como aponta a psicóloga Thaiana Brotto (2014) logo as atitudes de espionagem e desconfiança apesar de trazer grande desconforto ao relacionamento, proporcionam um alívio destes temores. Também é importante destacar que atos de stalking e perseguição podem ser caracterizados como crime apontados na Lei 14.132/21, que entrou em vigor na data de sua publicação (1º/04/21).
De uma forma cômica vemos um comportamento problemático, que pode estar presente em muitas relações. Autores recentes identificam que a atitude de fixar atenção e cuidados em relação ao companheiro é esperada em qualquer relacionamento amoroso saudável. Porém quando ocorre a falta de controle e liberdade, de tal forma que um sujeito se anule e anule o outro, foge dos limites se tornando algo patológico. Podendo estar presente em outros transtornos, se associando a sintomas depressivos e ansiosos, ou ocorrendo de forma isolada em personalidades vulneráveis, com baixa autoestima, sentimentos passivos de raiva e rejeição (Sophia,Tavares e Zilberman, 2007)
(Pernalonga) Vê se dá um tempo
(isso é amor)
(Lola) Tempo esgotado
(isso é amor)
(Pernalonga) Você se mudo pra cá
(isso é amor)
(Lola) Sim,eu vim morar aqui
A ’’ solução’’ para esse problema não é se mudar invasivamente para o apartamento da pessoa desejada, como Lola fez, mas sim quem sabe dar o tempo maior que Pernalonga pediu, e ir em busca de um profissional. Ao ponto de que o mesmo possa partir de uma avaliação, havendo um critério diagnóstico, poderá ser oferecido um melhor suporte para o controle de atitudes e pensamentos destrutivos ao relacionamento e ao próprio indivíduo.
O amor patológico não é determinado apenas por fatores culturais como aponta a psicóloga Elgacy Cristina (2021) Lola precisa de ajuda tanto quanto Pernalonga precisa da sua liberdade, ela deve se responsabilizar por suas atitudes, mas antes é importante que ela possa criar consciência de que isso não é um comportamento saudável.
Outro ponto é que tudo que Lola expressa na canção, ela diz “isso é amor” mas sabemos que NÃO É NÃO! Como já deixou claro Pernalonga. É apenas uma visão distorcida daquilo que ela enxerga como amor.
Lola desrespeita os sentimentos de Pernalonga e os seus limites, a isso deve-se ter uma atenção e cuidado, pois existem diferentes tipos de relacionamentos não saudáveis, existindo emoções e comportamentos prejudiciais que precisam ser identificados e solucionados. Embora esses comportamentos estejam partindo de Lola, não são exclusivos de um gênero, podendo acometer todos os diferentes tipos de relação, até mesmo relações não românticas. Por isso é bom estarmos atentos a entendermos aquilo que nos faz mal, sermos conhecedores de nossos limites e de nossos direitos, assim estaremos prontos para buscar ajuda ou oferecer ajuda a alguém.
REFERÊNCIAS
BRITO, Fernanda. Amor obsessivo: quais os sinais e o que fazer? desenvolver 2021. Disponível
em<https://desenvolviver.com/relacionamentos-amorosos/amor-obsessivo-quais-os-sinais-e-o-que-fazer/#:~:text=Relacionamentos%20amorosos%20traum%C3%A1ticos%20tamb%C3%A9m%20podem,para%20evitar%20uma%20nova%20perda.> acesso em 25 de abr de 2022.
BROTTO, Thaiana. Amor patológico: limites e características. Psicologia e terapia, 19 de outubro de 2014, Paraná. disponível em <
https://www.psicologoeterapia.com.br/blog/amor-patologico/.> Acesso em 25 de abr de 2022.
COSTA, Adriano. FONTES, Eduardo. HOFFMANN, Henrique. Stalking: o crime de perseguição ameaçadora. Consultório jurídico, 6 de abril de 2021. Disponível em <
https://www.conjur.com.br/2021-abr-06/academia-policia-stalking-crime-perseguicao-ameacadora> acesso em 25 de abr de 2022
MEDEIROS, Roberta. O cérebro apaixonado e o transtorno do amor patológico.Synapsis. 21 de maio de 2021. Disponível em <https://sinapsys.news/o-cerebro-apaixonado-e-o-transtorno-do-amor-patologico/> acesso em 25 de abr de 2022.
PESSANHA, José. Platão: as várias faces do amor. Arteepensamento 1987 Disponível em <https://artepensamento.ims.com.br/item/platao-as-varias-faces-do-amor/> acesso em 25 de abr de 2022.
Sophia, Elgacy C, Tavares, Hermano e Zilberman, Monica LAmor patológico: um novo transtorno psiquiátrico?. Brazilian Journal of Psychiatry [online]. 2007, v. 29, n. 1 [Acessado 26 Abril 2022] , pp. 55-62. Disponível em: <https://doi.org/10.1590/S1516-44462006005000003>. Epub 04 Ago 2006. ISSN 1809-452X. https://doi.org/10.1590/S1516-44462006005000003.